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Testes laboratoriais para peritonite infecciosa felina

Publicado 26/02/2025

Escrito por Angelica Stranieri e Saverio Paltrinieri

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

Como um diagnóstico definitivo é obtido ao se deparar com um gato que talvez tenha peritonite infecciosa felina? Este artigo lhe traz as opções de testes de diagnóstico.

Icterícia evidente em gato

Pontos-chave

A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença grave que afeta gatos em todo o mundo, mas pode ser difícil obter o diagnóstico definitivo.


Os exames de sangue não são diagnósticos, embora possam revelar anemia, linfopenia e neutrofilia, juntamente com níveis elevados de globulina e proteínas de fase aguda.


Um título positivo de anticorpos demonstrará apenas uma exposição ao vírus; apesar da tendência de níveis relativamente altos em gatos com PIF, muitos animais infectados podem ser soronegativos.


O diagnóstico definitivo da PIF é obtido pela detecção de alterações histopatológicas típicas nos tecidos, juntamente com a detecção intralesional do vírus com o uso de imuno-histoquímica.


Introdução – O que é PIF?

A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma doença grave que afeta felinos domésticos e selvagens, cuja natureza é ubíqua (ou seja, ocorre em todo o mundo). O agente etiológico é o coronavírus felino (FCoV) que sofre mutação do biótipo entérico quase inofensivo (coronavírus entérico felino, FECV) para o biótipo sistêmico altamente virulento (vírus da peritonite infecciosa felina, FIPV) 1. O FCoV é um RNA vírus de fita simples, grande, envelopado e de polaridade positiva, comumente encontrado em gatos, com soroprevalência acima de 90% em lares com vários gatos 2. Este artigo oferece uma revisão da etiopatogenia do vírus e das opções de diagnóstico para PIF e, apesar de estar fora do escopo deste artigo, vale ressaltar que, embora a condição sempre tenha sido considerada inevitavelmente fatal, abordagens terapêuticas inovadoras (não aprovadas na maioria dos países) mostraram recentemente uma boa eficácia no tratamento da doença 3

Etiopatogenia da PIF

A transmissão viral é principalmente orofecal, e outras vias, como a salivar ou a transplacentária, são raramente descritas 1. Bandejas sanitárias representam a principal fonte de infecção, em que o FCoV pode sobreviver na matéria fecal por até 7 semanas 4. Os filhotes felinos costumam ser infectados quando os anticorpos maternos começam a declinar, em geral por volta de 5-6 semanas de idade 5. O FCoV então chega às células epiteliais colunares do intestino delgado, onde se replica e pode causar sinais gastrointestinais muito leves (ou, por vezes, mais graves) 6. Mesmo em gatos saudáveis, o vírus se replica dentro dos monócitos e, portanto, pode ser encontrado no sangue por um curto período de tempo 7

Foram identificados três padrões principais de eliminação do vírus na fezes. Uma pequena porcentagem de gatos (3-9%) parece ser resistente à infecção e nunca ou apenas brevemente elimina o vírus; 10-15% eliminarão o vírus a longo prazo ou de forma persistente, enquanto a maioria (70-80%) parece eliminar o vírus de maneira intermitente. Este último padrão é provavelmente uma consequência de reinfecções contínuas e/ou limitações dos testes de PCR 1,8. A excreção fecal em gatos jovens é muito alta, sobretudo em lares com vários gatos. Quanto maior a carga viral, maiores serão os níveis de replicação do vírus e, consequentemente, a taxa de mutação 8. Várias populações virais geneticamente aparentadas, mas distintas, se desenvolverão (quasispécies) e, em uma delas, ocorrerá uma mudança em seu tropismo celular para adquirir a capacidade de se replicar eficientemente no interior de monócitos/macrófagos e ativá-los e então se propagar de forma sistêmica 1,8.

Além disso, o tipo de resposta imune do hospedeiro, juntamente com fatores adicionais (por exemplo, estresse), pode desempenhar um papel tanto na patogênese como no tipo de doença 8. De fato, enquanto uma resposta mediada por células parece conferir resistência ao desenvolvimento da enfermidade, a forma “úmida” da PIF, caracterizada por efusões cavitárias, depende de uma resposta imune massiva mediada por linfócitos B. A forma não efusiva (seca) parece ser a consequência de uma resposta mediada por células parcialmente eficaz, o que confina as lesões a um número limitado de órgãos 9. É comum observar uma sobreposição entre as duas formas, em que casos não efusivos desenvolvem efusões nos estágios terminais ou as formas efusivas mostram lesões granulomatosas na necropsia 6

Embora seja amplamente aceito que a resposta imune pode influenciar o curso da infecção, ainda não foi identificada a mutação precisa (exata) que supostamente seja responsável pela mudança do biótipo FECV para FIPV. Isso limita a possibilidade de diagnosticar PIF por meio da identificação da cepa mutada, uma vez que os resultados da sorologia ou da técnica de PCR serão positivos em gatos infectados por qualquer um dos biótipos. Portanto, o diagnóstico deve ser formulado com base em vários outros achados clínicos e laboratoriais que podem fornecer resultados muito específicos ou aumentar a probabilidade diagnóstica de PIF 1,6,8.

Identificação e sinais clínicos

Os gatos com PIF costumam ser jovens (especialmente com menos de 2 anos), e os machos parecem ser mais suscetíveis. No entanto, animais mais idosos (com mais de 10 anos de idade) às vezes são acometidos, e os casos em gatos adultos aumentaram recentemente, sobretudo com a nova variante FCoV 23 8,10. De modo geral, há um histórico de evento estressante recente, como adoção ou castração 11. Animais de ambientes com vários gatos correm maior risco de desenvolver PIF; embora um estudo em grande escala tenha observado que a maioria dos gatos doentes eram de lares com um ou dois gatos, sugeriu-se que os gatos afetados haviam sido previamente expostos ao vírus 1,11

Os sinais clínicos comuns a ambas as formas da doença são letargia, inapetência, perda de peso/retardo de crescimento, febre (crescente e decrescente, 39,5-40°C), linfadenopatia e icterícia (Figura 1) 11,12. A PIF efusiva (úmida) é caracterizada por vasculite e serosite difusas, levando ao desenvolvimento de uma ou mais efusões cavitárias (abdominal, pleural, pericárdica e, raramente, escrotal), embora seja comum o relato de ascite e distensão abdominal (Figuras 2 e 3) 13. Os sinais de PIF não efusiva (seca) dependem da localização das lesões granulomatosas; em geral, essas lesões afetam o sistema nervoso central (que costumam se manifestar com convulsões, comportamento anormal, ataxia, nistagmo, hiperestesia ou, às vezes, paralisia e depressão), os olhos (muitas vezes, com uveíte e/ou coriorretinite) (Figura 4) e/ou os órgãos abdominais, como linfonodos, rins, fígado, baço e/ou trato gastrointestinal 1,8. Ocasionalmente, a PIF não efusiva pode ser localizada, com grandes massas abdominais palpáveis que podem se assemelhar a um tumor; essas massas podem ser causadas por aumento dos linfonodos mesentéricos ou lesões intestinais solitárias, especialmente do cólon ou da junção ileocecocólica (Figura 5) 13,14

Icterícia evidente em gato

Figura 1. Icterícia evidente em gato afetado por PIF efusiva.

© Cortesia de Dr. Jari Zambarbieri

Um gato afetado por PIF efusiva

Figura 2. Um gato afetado por PIF efusiva, apresentando efusão escrotal.

©Cortesia de Dr. Stefano Bo

Um gato com PIF frequentemente apresentará distensão abdominal

Figura 3. Um gato com PIF frequentemente apresentará distensão abdominal causada por efusão; isso costuma ser imediatamente visível ou, então, pode-se detectar um frêmito ascítico à palpação. ©Shutterstock

Uveíte unilateral em gato afetado por PIF

Figura 4. Uveíte unilateral em gato afetado por PIF não efusiva, apresentando anisocoria, alteração da cor da íris, hifema, e flare aquoso. ©Angelica Stranieri

Aumento grave do linfonodo mesentérico

Figura 5. Aumento grave do linfonodo mesentérico (seccionado) detectado durante a necropsia de gato afetado por PIF não efusiva. ©Angelica Stranieri

Diagnóstico de PIF 

Exames de sangue

Em casos de PIF, observam-se com frequência alterações hematológicas indicativas de processo inflamatório, embora tais alterações sejam inespecíficas. As anormalidades mais frequentes são anemia normocítica normocrômica arregenerativa, linfopenia e neutrofilia com ou sem desvio à esquerda. Muitas vezes, também se observa microcitose, com ou sem anemia 11,13

Podem ser detectadas várias anormalidades bioquímicas, o que pode ter alguma precisão diagnóstica. O perfil proteico geralmente revela hiperglobulinemia, com ou sem hiperproteinemia, hipoalbuminemia (concentração reduzida de albumina) e baixa relação albumina-globulina (A:G). A PIF é considerada muito provável com A:G < 0,4 e pouco provável com A:G > 0,8. Todavia, esses valores devem ser avaliados juntamente com o quadro clínico e outros achados laboratoriais 8,13

A eletroforese de proteínas séricas tipicamente mostra diminuição da albumina, aumento da fração α2 e gamopatia policlonal, embora esta última possa ser menos proeminente se tal eletroforese for realizada no início do curso da doença (Figura 6) 15

Eletroforese de proteínas séricas em gel de agarose em gato afetado por PIF

Figura 6. Eletroforese de proteínas séricas em gel de agarose em gato afetado por PIF – os eletroforetogramas mostram um incremento nas alfa-2 globulinas e um aumento policlonal da fração gamaglobulina, refletindo uma elevação nas proteínas de fase aguda e nas imunoglobulinas, respectivamente. ©Angelica Stranieri

Também é comum o achado de hiperbilirrubinemia (na ausência de hemólise, alterações do parênquima hepático, ou colestase), especialmente na forma efusiva; é provável que essa alteração na bilirrubina seja uma consequência direta da destruição de eritrócitos dentro das lesões 8. Podem ser observadas outras alterações bioquímicas (por exemplo, aumento nos níveis das enzimas hepáticas), dependendo da localização e gravidade das lesões 6. A maioria das proteínas de fase aguda dos felinos (a saber: amiloide A sérica, haptoglobina e α1-glicoproteína ácida), aumentam muito com a PIF, porém a α1-glicoproteína ácida é a mais específica; de fato, aumentos acentuados nesta última proteína apoiam o diagnóstico e podem diferenciar a PIF de outros distúrbios inflamatórios 16,17. Mais uma vez, no entanto, isso deve ser avaliado juntamente com outras alterações que apoiam a doença.

Conforme mencionado anteriormente, um resultado positivo na sorologia demonstrará apenas exposição ao FCoV. Embora títulos de anticorpos relativamente mais altos possam ser encontrados em gatos com PIF, isso também pode ocorrer em gatos saudáveis em gatis endêmicos para FCoV em virtude de reinfecção contínua; ao mesmo tempo, uma boa porcentagem de gatos com PIF pode ser soronegativa por conta da formação de imunocomplexos entre os anticorpos e antígenos circulantes 6. Da mesma forma, o RNA viral pode ser encontrado no sangue de animais saudáveis. Além disso, a baixa carga viral, característica da viremia por FCoV, significa que existe uma baixa sensibilidade analítica no teste de reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa (RT-PCR). Por essas razões, as provas de sorologia e de RT-PCR no sangue não devem ser utilizadas como testes de diagnóstico para PIF 6,13.

Testes de efusão

As efusões de PIF possuem diversas características peculiares, e alguns testes revelam uma excelente precisão diagnóstica, tornando a amostragem e a análise das efusões, quando presentes, uma etapa diagnóstica necessária. Ao exame macroscópico, a efusão é normalmente amarelada e viscosa, podendo conter coágulos de fibrina (Figura 7). O conteúdo total de proteína é alto (> 3,5 g/dL), e a contagem de células é tipicamente baixa (< 5.000 células/μL), embora isso possa ser variável. A eletroforese da efusão será semelhante à eletroforese de proteínas séricas e, da mesma forma, a relação A:G costuma ser baixa (< 0,4) 1,6,8. A citologia revela principalmente neutrófilos não degenerados, macrófagos e poucos linfócitos em um fundo de lâmina composto por material proteináceo eosinofílico granular (Figura 8). Apesar desse padrão não específico, a citologia sempre deve ser realizada para excluir a presença de processo inflamatório séptico ou células neoplásicas – outras causas comuns de exsudato que, se encontradas, tornam a PIF menos provável 13.

efusão peritoneal

a

líquido tinha aspecto amarelado e espesso

b

Figura 7. Necropsia de gato com suspeita de PIF; ao abrir a cavidade abdominal, encontrou-se uma grande quantidade de efusão peritoneal (a). Uma vez coletado na seringa, o líquido tinha aspecto amarelado e espesso; também pode haver coágulos de fibrina (b). ©Angelica Stranieri

Exame citológico de efusão pleural

a

macrófagos espumosos dispersos

b

Figura 8. Exame citológico de efusão pleural coletada de gato com PIF efusiva. Observa-se um fundo de lâmina composto por material proteináceo eosinofílico granular, pouco hemático, com neutrófilos não degenerados (a) e macrófagos espumosos dispersos (b) (Aumento de 60×).
© Angelica Stranieri

O teste de Rivalta é um exame barato realizado no local de atendimento mediante a adição de uma gota de efusão a uma solução ácida; um resultado positivo é indicado se a efusão coagular e conservar a sua forma. Esse teste tem um alto valor preditivo negativo (ou seja, um resultado negativo torna a PIF pouco provável 18); entretanto, um resultado positivo por si só pode não confirmar a PIF, uma vez que falso-positivos podem ocorrer com outros tipos de exsudato (por exemplo, peritonite bacteriana, linfoma). Novamente, o uso da citologia em conjunto com esse teste ajudará a identificar a doença 13,18,19. Foi descrito um teste similar, a contagem total de células nucleadas delta, utilizando um analisador hematológico comercial 20. De novo, esse teste depende da aglutinação de células após a adição de um reagente ácido e envolve o emprego do analisador para medir os leucócitos em dois canais distintos. A contagem total de células nucleadas delta – a relação entre as duas contagens obtidas – é elevada em efusões de PIF e tem uma boa acurácia diagnóstica.

Tal como acontece com o soro, a precisão diagnóstica de medir os títulos de anticorpos em efusões é baixa. As efusões de PIF podem apresentar resultados sorológicos negativos, apesar de ter uma RT-PCR positiva, às vezes até com uma correlação inversa (ou seja, sorologia negativa apesar de uma alta carga viral) 19. Por outro lado, testes diretos que demonstram o antígeno são muito úteis em efusões. A RT-PCR mostra sensibilidade e especificidade de boas a muito boas, embora ocasionalmente se observem falso-positivos 21. Isso pode ser secundário ao FCoV circulante (mesmo em pequenas quantidades) que extravasa do sangue para a efusão em virtude da inflamação de outras origens. Em geral, um resultado positivo de RT-PCR em associação com alterações citológicas e bioquímicas compatíveis com PIF é altamente indicativo da doença 8.

Pode-se lançar mão de vários métodos de imunocitoquímica. Tais métodos podem demonstrar o antígeno do FCoV dentro de macrófagos por meio de imunocoloração, mas a sensibilidade costuma ser baixa a moderada, o que significa que podem ocorrer resultados falso-negativos com facilidade. Não obstante, a especificidade é alta, mas não ideal, o que os torna boas provas confirmatórias na presença de outras alterações que respaldem o diagnóstico 22. Tal como acontece com a RT-PCR, podem ocorrer resultados falso-positivos (i) após viremia e extravasamento de RNA viral para a efusão de gatos sem PIF ou (ii) por problemas técnicos, como ligação não específica de anticorpos 6,22.

Angelica Stranieri

A mutação precisa (exata) que supostamente seja responsável pela mudança do biótipo FECV para FIPV ainda não foi identificada; isso limita a possibilidade de diagnosticar a PIF por meio da identificação da cepa mutada.

Angelica Stranieri

Testes em outros líquidos

É mais provável que ocorram sinais neurológicos na forma não efusiva de PIF e, em tais casos, a coleta de amostra de líquido cerebrospinal (LCR) pode ser apropriada. Alterações clinicopatológicas são inespecíficas, mas podem ser indicativas de inflamação, como conteúdo proteico elevado e pleocitose mista, em geral piogranulomatosa. No entanto, a citologia também pode permanecer normal 8,19. Os testes diretos têm utilidade comprovada, mas com algumas limitações; tal como acontece com as efusões, o teste imunocitoquímico no LCR demonstrou alta sensibilidade, mas a especificidade é muito baixa para torná-lo uma prova confirmatória valiosa 1,19.

A RT-PCR demonstrou uma sensibilidade variável entre baixa e moderada, dependendo do estudo, mas uma especificidade muito boa (até 100%), o que significa que é muito pouco provável que ocorram resultados falso-positivos. Além disso, há relatos de que a sensibilidade desse teste aumenta drasticamente quando se avaliam apenas gatos com sinais neurológicos, tornando a RT-PCR no LCR uma prova muito útil nesses casos 8,19. Apesar disso, existe uma rara possibilidade de resultados falso-positivos se a barreira hematoencefálica estiver lesionada, causando extravasamento do FCoV circulante. Isso demonstra mais uma vez a importância de avaliar os resultados laboratoriais, juntamente com outras metodologias de diagnóstico que apoiem a doença 19.

O humor aquoso pode ser coletado em gatos com envolvimento ocular (uveíte e/ou coriorretinite piogranulomatosas e granulomatosas), com ou sem sinais neurológicos concomitantes 13. Alterações clinicopatológicas não foram amplamente descritas. A citologia pode mostrar inflamação piogranulomatosa neutrofílica e pode ser útil se houver a presença de células neoplásicas (por exemplo, linfoma) 19. A concentração total de proteínas encontra-se elevada, especialmente em PIF não efusiva, e a medição pode ser útil (dados não publicados).

Poucos estudos avaliaram a imunocitoquímica para o humor aquoso, e tais estudos mostram apenas sensibilidade e especificidade moderadas, havendo o registro de resultados falso-positivos; por esse motivo, essa opção diagnóstica não pode ser utilizada como prova confirmatória. É necessária uma avaliação mais aprofundada para determinar o potencial diagnóstico desse teste, uma vez que ele pode ser uma ferramenta útil em locais onde outros testes não estão disponíveis (por exemplo, análise de efusão em casos não efusivos) 13. Além disso, há pouquíssimos estudos avaliando o uso de RT-PCR em humor aquoso; os relatos revelam uma especificidade ideal diante de uma sensibilidade muito baixa, tornando esse teste uma boa ferramenta para confirmar a doença, mas não para excluí-la. Novamente, há possibilidade de resultados falso-positivos quando a barreira hemato-ocular se encontra lesionada por outros processos patológicos 19; (dados não publicados).

Testes em tecidos

Atualmente, o diagnóstico definitivo de PIF é obtido pela detecção de alterações histopatológicas típicas em tecidos, juntamente com a detecção intralesional de FCoV através de imuno-histoquímica (Figura 9) 19. No entanto, esses testes possuem algumas limitações. As lesões histológicas indicativas de PIF (ou seja, piogranuloma em superfícies serosas, granulomas, infiltrados linfoplasmocitários, vasculite) não estão distribuídas de maneira uniforme e podem passar despercebidas na coleta de amostras de biopsia. O antígeno viral também pode estar distribuído de forma variável dentro das lesões; portanto, devem-se obter múltiplas secções (cortes) no caso de resultado negativo inesperado da imuno-histoquímica. Além disso, ocasionalmente podem ser observados os padrões histológicos típicos de PIF em outras afecções, tornando o uso da imuno-histoquímica obrigatório nesses casos 23.

Aspecto histopatológico típico de lesões piogranulomatosas em fígado de gato afetado por PIF não efusiva

a

A detecção intralesional de FCoV, conforme indicado pela coloração marrom

b

Figura 9. Aspecto histopatológico típico de lesões piogranulomatosas em fígado de gato afetado por PIF não efusiva (a). A detecção intralesional de FCoV, conforme indicado pela coloração marrom, era evidente dentro das lesões piogranulomatosas (b) (Aumento de 10×).
© Courtesy of Dr. Federico Bonsembiante

Também vale ressaltar que os procedimentos de laparoscopia ou laparotomia para coletar amostras de biopsia podem ser arriscados se o paciente estiver em más condições clínicas. Dada essa limitação, alguns estudos avaliaram a precisão diagnóstica de abordagens menos invasivas. O exame citológico dos órgãos afetados não foi extensivamente estudado, e não há relatos de nenhuma alteração específica 8,24. A imunocitoquímica em aspirados por agulha fina do fígado e dos rins tem baixa sensibilidade, embora um estudo recente que avaliou os aspirados por agulha fina em linfonodos mesentéricos tenha mostrado uma sensibilidade razoável, mas uma especificidade não ideal. Um resultado falso-positivo provavelmente está relacionado aos linfonodos que atuam como um local de persistência de FCoV em gatos sem PIF. Portanto, esse teste não é capaz de descartar a PIF, mas pode ser uma prova confirmatória útil em conjunto com outras alterações compatíveis 19,25.

Ao comparar os resultados dos exames de imuno-histoquímica e RT-PCR em biopsias de tecido, o primeiro apresenta maior precisão, uma vez que a RT-PCR tem uma especificidade menor em virtude da presença bem reconhecida de FCoV sistêmico em gatos sem PIF 8,23. Por outro lado, a RT-PCR em aspirados por agulha fina obtidos de linfonodos mesentéricos demonstrou uma sensibilidade e especificidade de 90% e 96%, respectivamente, e resultados falso-negativos foram registrados apenas em casos neurológicos. Portanto, esse método pode ser um complemento útil não invasivo ao painel diagnóstico para PIF 24.

Detecção de mutações do gene codificador da proteína Spike

Embora extensivamente estudadas por anos, nenhuma das mutações identificadas em sequências isoladas de gatos com PIF demonstrou ser específica para a doença 8. 8 Mutações do gene codificador da proteína Spike (S), responsável pelo reconhecimento hospedeiro-receptor e pela fusão vírus-célula-membrana, foram avaliadas em diversos estudos, mas o potencial diagnóstico desse teste é limitado e afetado pela técnica de sequenciamento utilizada. Por exemplo, um alto número de resultados falso-negativos será registrado ao se utilizar determinadas técnicas (por exemplo, discriminação alélica), uma vez que há necessidade de elevadas cargas virais para obter um resultado; além disso, uma falha no sequenciamento é registrada como um resultado negativo 6. Por outro lado, quando se utiliza o pirossequenciamento, a especificidade do teste é baixa ou, então, não é melhor que a de outras técnicas 21. Portanto, apesar do provável envolvimento na patogênese da PIF, a detecção variável de mutações no gene S sugere que múltiplas mutações provavelmente estejam envolvidas, e sua identificação acrescenta pouca ou nenhuma informação, em comparação com a RT-PCR convencional 8.

Saverio Paltrinieri

As efusões de PIF possuem diversas características peculiares, e alguns testes revelam uma excelente precisão, tornando a amostragem e a análise das efusões, quando presentes, uma etapa diagnóstica necessária.

Saverio Paltrinieri

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora a peritonite infecciosa felina seja uma doença de ocorrência mundial, é difícil determinar o diagnóstico definitivo da condição; os títulos de anticorpos demonstram apenas que o gato foi exposto ao FCoV, e alguns gatos afetados por PIF podem apresentar títulos negativos. Resultados de hematologia e bioquímica podem ser úteis, mas não são patognomônicos para a doença; além disso, os testes em efusões podem oferecer resultados falso-positivos e falso-negativos. Por essa razão, é recomendável uma abordagem combinada com o uso de tecnologias avançadas de diagnóstico, sem subestimar a importância de avaliar diversos resultados laboratoriais para chegar a uma conclusão fundamentada.

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Angelica Stranieri

Angelica Stranieri

A Dra. Stranieri se formou como médica-veterinária em 2013 pela Universidade de Milão e concluiu seu doutorado com uma tese sobre aspectos da Peritonite Infecciosa Felina e Infecção por Coronavírus Felino. Leia mais

Saverio Paltrinieri

Saverio Paltrinieri

O Dr. Paltrinieri se formou como médico-veterinário pela Universidade de Milão em 1993 e, inicialmente, trabalhou em um laboratório veterinário comercial particular. Leia mais