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Veterinary Focus

Número da edição 23.2 Nutrição

Fibras na dieta: a arma secreta do clínico

Publicado 07/11/2023

Escrito por Adam J. Rudinsky

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Polski , Español , English e ภาษาไทย

“Fibra” é um termo utilizado diariamente ao se discutir as dietas dos animais, mas o que isso realmente representa? Adam Rudinsky oferece uma visão geral sobre as fibras em todos os seus diferentes aspectos.

casca de psyllium

Pontos-chave

A fibra presente nos alimentos desempenha um papel fundamental na manutenção tanto da saúde geral de um animal quanto – em particular – do seu trato gastrointestinal.


A quantidade de fibra nas dietas comerciais para animais de estimação varia significativamente, e compreender a declaração do conteúdo de fibra em um rótulo de alimento industrializado para pets pode ser desafiador.


Há evidências de que dietas enriquecidas com fibra são úteis para o manejo tanto de diarreias agudas quanto crônicas, especialmente a colite, embora o tipo ideal de fibra, dosagem e duração da administração sejam desconhecidos.


Existem também evidências preliminares de que as fibras podem ser úteis em algumas apresentações clínicas de enterite (intestino delgado) ou enterocolite (intestino delgado e grosso).


Introdução

A manutenção da saúde sistêmica dos animais e o equilíbrio do trato gastrointestinal são fortemente influenciados pela presença de fibra nos alimentos, que consiste em uma variedade diversificada de carboidratos não digeríveis 1. As principais funções das fibras no trato gastrointestinal incluem a modificação física do conteúdo digestivo, a regulação do apetite e da saciedade, o controle da digestão e a atuação como fonte de nutrição para os microrganismos por meio da fermentação. Além disso, a fibra alimentar possui efeitos sistêmicos abrangentes e uma variedade de benefícios em todo o organismo 1, conforme ilustrado na Figura 1. Nesta revisão, exploraremos a função das fibras, os benefícios para a saúde, as informações nutricionais nos alimentos para animais de estimação e a utilidade clínica de se realizar ajustes na fibra em cães e gatos afetados por doenças gastrointestinais. O propósito é oferecer informações práticas pertinentes ao campo da medicina veterinária

Fibras na dieta

Figura 1. A fibra dietética tem efeitos amplos no trato gastrointestinal e sistemicamente. Os principais efeitos documentados em cães e gatos são destacados nesta figura.
© Adam J. Rudinsky

Princípios das fibras

As características físico-químicas, como a capacidade de fermentação, solubilidade e viscosidade, são úteis para classificar diferentes tipos de fibras, oferecendo informações valiosas sobre as propriedades funcionais possíveis de uma determinada fonte de fibra. Compreender essa classificação é relevante em várias situações clínicas, e conhecer as características específicas de cada tipo de fibra pode ser vantajoso ao adaptar a dieta de animais de estimação de forma personalizada.

A fermentabilidade é uma medida que avalia a capacidade dos microrganismos no trato gastrointestinal de decompor quimicamente a fibra. Diferentes fontes de fibra podem variar em termos de fermentabilidade, sendo classificadas como não fermentáveis, lentamente fermentáveis, moderadamente fermentáveis ou rapidamente fermentáveis. Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e outros produtos resultantes da fermentação desempenham um papel essencial na compreensão de como a fibra dietética contribui para os inúmeros benefícios à saúde observados tanto no trato gastrointestinal quanto em todo o organismo 1. Geralmente, uma taxa de fermentação mais elevada da fibra está associada a um tempo de trânsito gastrointestinal reduzido, menor volume fecal e maior produção de AGCC e outros metabólitos 1,2. Exemplos de fibras não fermentáveis ou lentamente fermentáveis incluem celulose e hemicelulose, que atravessam o trato gastrointestinal com poucas alterações em sua estrutura, mantendo uma maior capacidade de aumentar o volume das fezes 2. Por outro lado, pectinas e gomas são fibras tipicamente altamente fermentáveis, resultando em uma produção significativa de AGCC.

A capacidade de uma fonte de fibra se dissolver em água é chamada de solubilidade. Quando a fibra se dispersa em água, ela tem a habilidade de formar um gel viscoso no trato gastrointestinal. A solubilidade pode variar amplamente entre diferentes fontes de fibra, indo desde completamente solúveis até completamente insolúveis 1. Há uma considerável interseção entre solubilidade e fermentabilidade, onde muitas fibras de rápida fermentação, como pectinas e gomas, são também as mais solúveis, enquanto fibras de fermentação lenta, como celulose e hemicelulose, estão entre as mais insolúveis.

A viscosidade refere-se à capacidade de certos tipos de fibras de espessar e formar um gel quando estão em solução. Essa característica pode variar consideravelmente entre os diferentes tipos de fibra, sendo mais comumente observada em um subconjunto de fibras solúveis. Após o processo de fermentação, as propriedades de viscosidade são perdidas. Isso significa que fibras solúveis de fermentação lenta, como o psyllium, conseguem manter suas características gelatinosas por um período mais prolongado no trato gastrointestinal*.

* https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/apt.15129

As fibras e rótulos de alimentos para animais de estimação

Como mencionado anteriormente, a fibra consiste em carboidratos que não são digeridos. Esses carboidratos e seus metabólitos, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), contribuem com apenas cerca de 5% da energia nas dietas de cães e gatos. Devido a essa contribuição limitada, a fibra dietética não é considerada um nutriente essencial. Muitas organizações que definem as quantidades mínimas e máximas de nutrientes nas dietas de cães e gatos não estabelecem um valor mínimo para a fibra. Estudos de curto prazo apoiam isso, não mostrando efeitos adversos em cães que foram alimentados com dietas sem carboidratos 3,4.

Preocupações possíveis relacionadas ao consumo excessivo de fibras na dieta incluem a redução na absorção de minerais, diluição da concentração calórica e possíveis sinais gastrointestinais, como diarreia, cólicas e inchaço 1. Até o momento, não há estudos publicados documentando deficiências nutricionais não intencionais relacionadas à fibra em cães e gatos que recebem dietas completas e balanceadas disponíveis comercialmente. Da mesma forma, a deficiência de fibras também pode levantar preocupações para a saúde gastrointestinal e sistêmica. No entanto, nesse caso, a deficiência parece estar mais relacionada às necessidades individuais do animal do que a uma falta absoluta. Clinicamente, isso é mais frequentemente observado em animais nos quais um aumento no teor de fibra na dieta pode ajudar a aliviar sinais clínicos gastrointestinais. Com base nessas informações, quando cães e gatos saudáveis são alimentados com alimentos para animais de estimação disponíveis comercialmente, tanto a deficiência quanto o excesso de fibra são considerados improváveis.

Diversas análises são empregadas para mensurar a fibra nas dietas, e esses valores são indicados nos rótulos dos alimentos para animais de estimação. As mais comuns incluem fibra bruta (FB), fibra dietética total (FDT), fibra dietética insolúvel e fibra dietética solúvel. A mensuração laboratorial da fibra bruta é predominante em alguns países devido às exigências de órgãos reguladores, mas não reflete com precisão a quantidade de fibra em uma dieta. Isso acontece porque avalia principalmente o conteúdo de fibra insolúvel e oferece pouca avaliação das fontes de fibra solúvel 5. Por esse motivo, a FDT é o padrão para alimentos humanos e está cada vez mais recomendada entre nutricionistas veterinários 5. Caso a FDT não seja informada para uma dieta específica, médicos veterinários e tutores devem estar cientes da capacidade limitada de outros métodos, como a FB, para determinar o teor de fibra dietética (Figura 2).

rótulos de alimentos para animais de estimação

Figura 2. Embora os rótulos de alimentos para animais de estimação incluam uma declaração de conteúdo de fibra, tanto médicos veterinários quanto tutores devem reconhecer que o método usado para analisar a fibra pode não caracterizar com precisão a quantidade de fibra na dieta.
© Shutterstock

Uso de fibra em planos nutricionais

A quantidade de Fibra Dietética Total (FDT) nos alimentos para cães e gatos varia consideravelmente, indo de 0,1 g a mais de 11 g a cada 100 kcal. Nas dietas terapêuticas coadjuvantes para problemas gastrointestinais, como as dietas hidrolisadas e de fácil digestão, geralmente são oferecidas quantidades moderadas de fibra dietética (1,0-2,5 g de FDT a cada 100 kcal). Em contraste, as dietas formuladas para condições gastrointestinais responsivas à fibra costumam ter diferentes fontes de fibra, resultando em um aumento no teor de fibra (FDT: 4,5-6,0 g/100 kcal e 2,6-2,9 g/100 kcal para cães e gatos, respectivamente). Por fim, as dietas destinadas ao controle de peso geralmente possuem o maior teor de fibra (FDT 7,5-11,0 g/100 kcal e 4,6-7,6 g/100 kcal para cães e gatos, respectivamente).

Dietas elaboradas por empresas confiáveis de alimentos para animais de estimação são cuidadosamente formuladas para serem completas e balanceadas, incluindo tipos específicos e concentrações de fibra conforme indicado nos níveis de garantia. Se não for viável fornecer uma dieta enriquecida com fibra, uma alternativa é incorporar fibra a uma dieta básica que seja completa e baçanceada. No entanto, ao optar por essa abordagem, o profissional deve estar atento a possíveis complicações, como questões de administração, preocupações com a aceitação pelo animal e o risco de desequilibrar a dieta base se isso não for feito adequadamente. A casca de psyllium, destacada na Figura 3, é uma das fontes de fibra mais comumente utilizadas para esse propósito e é preferível a aditivos alimentares, como a abóbora enlatada ilustrada na Figura 4, devido às diferenças nas concentrações relativas de fibra entre essas fontes. Comparativamente, a fibra presente em alimentos como abóbora enlatada é menos concentrada, exigindo um volume consideravelmente maior para alcançar a mesma quantidade de fibra em comparação com fontes como a casca de psyllium 1. A dosagem específica de fontes de fibra para alcançar um efeito clínico desejado ainda é desconhecida, com dados limitados disponíveis para cães e gatos. Um estudo único em cães com doença do intestino grosso responsiva à fibra indicou que uma dose média diária de 30 mL (equivalente a 2 colheres de sopa) de fibra de psyllium (com uma variação de 3,75-90 mL, correspondente a 0,25 a 6 colheres de sopa) foi eficaz 6. Portanto, a suplementação de fibra dessa maneira é amplamente fundamentada na prática clínica e pode ser avaliada com base nos sinais clínicos, conforme representado na Figura 5. É importante que os profissionais veterinários tenham em mente que, ao utilizar fibras de uma única fonte para suplementação, essa fonte individual pode não proporcionar os mesmos benefícios clínicos que dietas contendo diversas fontes de fibra. Por fim, é recomendável aumentar gradualmente a quantidade de fibra suplementada para evitar eventos adversos, que podem ser mais frequentes com mudanças rápidas na administração, conforme exemplificado na Figura 6.

A casca de psyllium é uma opção econômica e prontamente disponível

Figura 3. A casca de psyllium é uma opção econômica e prontamente disponível para aumentar o teor de fibra nas dietas.
© Shutterstock

Efeitos no trato gastrointestinal e benefícios para a saúde

A fibra exerce influência em diversos aspectos fisiológicos, abrangendo a taxa de esvaziamento gástrico, o tempo de trânsito das fezes, os efeitos na formação das fezes, a concentração de água nas fezes, o metabolismo bacteriano e a estimulação da secreção de muco, conforme ilustrado na Figura 1 1. De maneira geral, as fibras solúveis e viscosas têm a propriedade de retardar o esvaziamento gástrico e prolongar o tempo de trânsito no intestino delgado, enquanto as fibras insolúveis geralmente aceleram o esvaziamento gástrico e reduzem o tempo de trânsito tanto no intestino delgado quanto no cólon 1. As fibras também podem impactar a facilidade de defecação, alterando o volume e o peso das fezes, como indicado na Figura 1. Fibras solúveis e fermentáveis contribuem para o aumento do peso, da umidade e da maciez das fezes ao promover a retenção de água, aumentando a porcentagem de matéria seca nas fezes e a concentração bacteriana. Por outro lado, fibras insolúveis e minimamente fermentáveis aumentam a massa fecal pela retenção de água e pela capacidade de aumentar a matéria seca 1. No entanto, esses efeitos esperados frequentemente variam entre estudos sobre diferentes tipos de fibras em cães e gatos 1, e ao utilizar fibras dietéticas, o clínico deve estar ciente de que respostas atípicas são possíveis.

As fibras também podem reduzir a digestibilidade de uma dieta. Esse efeito é observado com fibras de fermentação lenta, que demandam mais tempo para serem digeridas no trato gastrointestinal 2. Em contrapartida, fibras solúveis e fermentáveis podem ter uma maior probabilidade de afetar a disponibilidade de nutrientes, com base na capacidade dessas fibras de formar géis que criam uma barreira física à digestão de nutrientes.

Fibra em alimentos como abóbora enlatada

Figura 4. A fibra em alimentos como abóbora enlatada - uma escolha popular para muitos tutores - tende a ser menos concentrada, exigindo significativamente mais volume para administração em comparação com fontes como a casca de psyllium.
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As fibras como prebióticos e o microbioma intestinal

As fibras dietéticas têm a capacidade de atuar como prebióticos, sendo utilizadas por microorganismos hospedeiros, cujos metabólitos associados proporcionam benefícios à saúde 7, impactando especialmente o microbioma intestinal em cães e gatos. Para serem consideradas prebióticas, as fibras devem resistir à digestão por enzimas do hospedeiro, promover o crescimento de microrganismos simbióticos no intestino e não favorecer o crescimento de bactérias patogênicas 7. Oligossacarídeos e inulina (principalmente da chicória) são exemplos comuns de fibras prebióticas presentes em dietas para cães e gatos. No entanto, há uma carência de estudos abordando o impacto, faixas de dosagem para suplementação e os efeitos sinérgicos de prebióticos e outras fibras dietéticas na saúde de cães e gatos, indicando a necessidade de mais pesquisas.

Uma revisão abrangente sobre as fibras prebióticas vai além do escopo deste artigo. Contudo, a fermentação dessas fibras e as alterações associadas nas populações microbianas e nos metabólitos microbianos são resultados cruciais dos prebióticos. Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) produzidos pela fermentação bacteriana das fibras atuam como fonte de energia tanto para os microorganismos no cólon quanto para o hospedeiro por meio da circulação portal 1. Localmente no intestino, esses ácidos graxos contribuem para a manutenção de um epitélio saudável, regulam a proliferação bacteriana, melhoram o fluxo sanguíneo colônico, reduzem a dependência da gliconeogênese e impedem a colonização por bactérias patogênicas (Figura 1). Esses efeitos se traduzem sistemicamente em um melhor controle glicêmico, modulação da expressão gênica, efeitos imunorreguladores e regeneração neuronal 1. Os benefícios locais e sistêmicos dos prebióticos representam uma área essencial para investigações futuras em cães e gatos.

Aspecto das fezes após uma dieta enriquecida com fibra.

Figura 5. Aspecto das fezes após uma dieta enriquecida com fibras, mostrando o aspecto clássico da suplementação de fibras, incluindo uma aparência externa fibrosa/emborrachada nas fezes.
© Comparative Hepatobiliary and Intestinal Research Program (CHIRP)/Tim Vojt

Efeitos sistêmicos e benefícios para a saúde

A presença de fibras na dieta desempenha um papel essencial no controle de peso 1, reduzindo a densidade calórica dos alimentos e aumentando a sensação de saciedade, permitindo uma alimentação volumosa, mas equilibrada em calorias. A adição de fibras insolúveis à dieta oferece a capacidade de alimentar os animais com um volume maior de alimento, mantendo a saciedade. Embora os resultados dos estudos sobre controle de peso baseados em fibras possam variar devido a diversas variáveis, as evidências disponíveis sustentam a ideia de que aumentar a ingestão de fibras desempenha um papel positivo na regulação do peso corporal e na promoção da sensação de saciedade.

A composição da fibra e dos macronutrientes na dieta também desempenha um papel crucial nas respostas glicêmicas pós-prandiais e na secreção de insulina (Figura 1) 1. Fibras solúveis altamente viscosas têm mostrado ser mais eficazes devido à sua capacidade de prejudicar a absorção de glicose por meio da formação de um gel no intestino. Estudos indicam um melhor controle glicêmico e a redução da hiperglicemia pós-prandial associados ao aumento da concentração de fibra dietética, seja ela solúvel ou insolúvel, conforme revisão existente 1. Embora haja menos pesquisa em gatos sobre o efeito das fibras no controle glicêmico, os dois estudos atualmente disponíveis apresentam resultados contraditórios 1. Apesar das melhorias observadas em alguns estudos, nenhum alcançou um efeito suficientemente significativo para alterar a dose total de insulina administrada ou melhorar os sinais clínicos.

O envelhecimento acarreta diversas alterações no trato gastrointestinal dos animais. Isso inclui a redução da digestibilidade de proteínas e gorduras, aumento do tempo de trânsito intestinal, modificações no metabolismo basal, respostas pós-prandiais, secreções intestinais e pancreáticas, e na atividade física. Embora a suplementação de fibra possa manter o tempo de trânsito intestinal, preservar a função gastrointestinal e prevenir problemas como constipação e diarreia em populações idosas, essa área ainda não foi formalmente estudada. As recomendações de fibra em cães e gatos geriátricos são, portanto, presumíveis. É importante salientar que, em populações geriátricas, se o animal não apresentar uma deficiência relativa de fibra, a ingestão elevada de fibra pode não ser recomendada. Isso é especialmente relevante em animais geriátricos magros ou abaixo do peso, devido ao impacto na digestibilidade e função do trato gastrointestinal nesses casos.

Além disso, as fibras podem proporcionar benefícios adicionais para a saúde, incluindo melhorias nos sistemas imunológico, cardiovascular e reprodutivo 1. Embora na medicina humana a suplementação de fibras tenha sido associada à redução do risco de neoplasias, doenças cardiovasculares e coronárias, bem como melhorias na saúde reprodutiva, há uma exploração limitada desses efeitos em cães e gatos. Isso destaca a necessidade de mais pesquisas sobre esses potenciais benefícios das fibras em animais de estimação.

Aspecto das evacuações após suplementação de fibra mal-sucedida.

Figura 6. Aspecto das evacuações após suplementação de fibras mal-sucedida, com a dissociação da fibra para a parte externa das fezes e um núcleo fecal líquido.
© Comparative Hepatobiliary and Intestinal Research Program (CHIRP)

As fibra e o manejo de doenças do trato gastrointestinal

Diarreia aguda

O uso de dietas enriquecidas com fibras demonstrou ser eficaz no tratamento de cães com diarreia aguda 8,9. Uma pesquisa envolvendo vinte e dois cães, randomizados para receber uma de duas opções de dieta em conjunto com metronidazol, revelou que os cães alimentados com a dieta rica em fibras apresentaram uma melhoria significativa nos escores fecais em comparação com a dieta controle 8. As dietas utilizadas no estudo diferiam nas concentrações de fibra solúvel e insolúvel, sendo a dieta rica em fibra composta por FDT de 6,1 g/100 kcal, enquanto a segunda dieta, com menor teor de fibra, tinha FDT de 1,5 g/100 kcal. 

Outro estudo, que avaliou opções convencionais de tratamento para colite aguda em 59 cães de tutores, também destacou os benefícios do manejo dietético relacionado às fibras 9. Os casos foram divididos aleatoriamente em três grupos controlados por placebo: o primeiro grupo recebeu uma dieta de fácil digestão em combinação com placebo, o segundo recebeu uma dieta de fácil digestão junto com metronidazol, e o terceiro recebeu uma dieta de fácil digestão enriquecida com psyllium em conjunto com placebo. A dieta de fácil digestão tinha um teor de fibra FDT de 1,5 g/100 kcal, enquanto a dieta enriquecida com fibra apresentava FDT de 2,8 g/100 kcal. O manejo nutricional isolado mostrou-se superior ao metronidazol combinado com manejo nutricional, com base no tempo para resolução dos sinais clínicos. Este estudo foi relevante por ser o primeiro a comparar duas estratégias comuns de manejo empírico, demonstrando os benefícios do manejo dietético para a colite aguda em cães 9.

Por fim, um estudo publicado em formato de resumo demonstrou os benefícios de dietas enriquecidas com fibras em cães filhotes de abrigo com diarreia aguda 10. Devido ao formato de resumo, informações limitadas sobre as dietas do estudo estavam disponíveis, mas estas incluíam múltiplas fontes de fibra solúvel e insolúvel. A dieta com maior teor de fibra continha 4,3% de FB e 2,0% de fibra solúvel, em comparação com a dieta com menor teor de fibra, que continha 3,3% de FB em matéria seca e 0,3% de fibra solúvel (a quantidade em g/100 kcal não foi relatado para ambas as dietas). A dieta enriquecida com fibra resultou em uma resolução mais rápida dos sinais clínicos e em melhorias nos escores fecais. 

Embora haja menos evidências, dietas enriquecidas com fibra também parecem ser eficazes em gatos com diarreia aguda. Semelhante ao estudo acima 10, um estudo publicado em formato de resumo demonstrou os benefícios de dietas enriquecidas com fibra em gatos filhotes de abrigo com diarreia aguda. Mais uma vez, informações limitadas sobre as dietas do estudo foram fornecidas, mas incluíam múltiplas fontes de fibra solúvel e insolúvel. A dieta com maior teor de fibra era de 3,0% de FB e 1,6% de fibra solúvel, enquanto a dieta com menor teor de fibra continha 1,1% de FB na matéria seca e 0,2% de fibra solúvel (a quantidade em g/100 kcal não foi relatado para ambas as dietas). Apesar de pontuações finais semelhantes nos escores fecais entre as dietas, a dieta enriquecida com fibra resultou resolução dos sinais clínicos em menor número de dias 11.

Em resumo, nos estudos revisados, não foram observados efeitos adversos ou complicações associadas à terapia dietética para diarreia aguda, e, quando comparada a antibióticos, essa abordagem demonstrou causar menos danos ao microbioma intestinal 8,10,11. Com base nessas informações, há evidências que respaldam o uso de dietas enriquecidas com fibras no manejo de diarreia aguda, especialmente em casos de colite, tanto em cães quanto em gatos. No entanto, vale ressaltar que o tipo ideal de fibra, a dosagem adequada e a duração da administração ainda permanecem desconhecidos.

Adam Rudinsky

A fibra é um componente presente em praticamente todas as dietas oferecidas a cães e gatos, representando uma área inexplorada que pode ser usada para beneficiar os animais e amenizar os sinais clínicos.

Adam Rudinsky

Diarreia crônica

Da mesma forma que ocorre na diarreia aguda, diversos estudos apoiam a eficácia de dietas enriquecidas com fibras no tratamento da diarreia crônica. Apesar de a indicação mais frequente para a fibra dietética ser em casos com sinais de colite (intestino grosso), pesquisas recentes também indicam evidências iniciais em alguns cenários clínicos de enterite (intestino delgado) ou enterocolite (intestino delgado e grosso) 12,13,14.

O primeiro estudo investigou a resposta de cães tratados com três dietas distintas (baixa em gordura, rica em fibra ou hipoalergênica) enquanto recebiam corticosteroides anti-inflamatórios 12. A dieta enriquecida com fibra foi considerada a segunda mais eficaz, controlando os sinais clínicos em cerca de 75% dos casos. A dieta hipoalergênica apresentou a maior taxa de resposta, atingindo 85%, enquanto a dieta com baixo teor de gordura mostrou a menor taxa de resposta, atingindo 18%.

Outro estudo retrospectivo envolvendo 25 cães com colite crônica documentou que a transição para uma dieta enriquecida com fibra foi a abordagem mais comum associada à resolução dos sinais clínicos 13. Novamente, dietas altamente digestíveis e dietas hipoalergênicas foram eficazes em percentuais menores de casos. Uma pesquisa não controlada que utilizou uma dieta comercial disponível para cães descreveu que dietas enriquecidas com fibra resultaram na resolução da colite 14. Todos esses estudos respaldam a ideia de utilizar dietas enriquecidas com fibra para cães com diarreia crônica, conforme evidenciado pela melhoria nos escores fecais.

Também existem estudos que apoiam o uso de dietas enriquecidas com fibra tanto em colite crônica não inflamatória quanto idiopática 6,15. Um estudo relatou a resposta de 27 cães com diarreia crônica idiopática de intestino grosso predominantemente suplementada com fibra solúvel em várias dietas base 6; a maioria dos cães (96,3%) apresentou uma resposta clínica excelente ou boa à suplementação de fibra. Em outro estudo que utilizou uma dieta comercialmente disponível enriquecida com fibra insolúvel em combinação com outras terapias, a resposta em 12 de 19 cães foi atribuída à modificação dietética 15. Em ambos os estudos, a administração de fibra permitiu que tratamentos médicos adicionais fossem reduzidos ou completamente interrompidos em alguns cães, apoiando assim o uso de dietas enriquecidas com fibra contendo fontes de fibra solúvel, insolúvel e mista para a diarreia idiopática de intestino grosso em cães.

Além das avaliações convencionais dos resultados gastrointestinais, existem relatos de que a fibra dietética pode aprimorar os comportamentos de defecação e a qualidade de vida, conforme percebido pelos tutores de cães. O estudo que documentou esses efeitos sugeriu que o impacto subsequente das fibras na produção de metabólitos antioxidantes e anti-inflamatórios pode contribuir para esses resultados gerais de saúde 16. Pesquisas futuras devem direcionar seu foco para os benefícios a longo prazo da suplementação de fibra em cães com doença gastrointestinal crônica. 

O prognóstico para cães com doença gastrointestinal crônica responsiva à fibra também é considerado positivo. Estudos de longo prazo que avaliaram o efeito do tratamento com fibra solúvel indicaram que pelo menos 96% dos cães mantiveram um controle adequado dos sinais clínicos 6Ao utilizar principalmente dietas de fibra insolúvel, 63% dos cães responderam à dieta. O acompanhamento a longo prazo indicou que, após a resposta inicial, a suplementação a longo prazo e o manejo dietético estavam associados ao melhor controle dos sinais clínicos 6. Em todos os estudos mencionados, as dietas enriquecidas com fibra e a suplementação de fibra foram seguras e bem toleradas pelos cães.

As evidências para o manejo nutricional da diarreia crônica em gatos por meio de dietas enriquecidas com fibra são limitadas, centrando-se nos resultados de apenas alguns estudos 17,18,19. Em um estudo com 12 gatos com diarreia crônica, onde a maioria respondeu apenas à dieta ou à dieta com medicamentos auxiliares, as opções mais comuns eram dietas ricas em fibra ou suplementadas com fibra 17. Em outro estudo cruzado, uma dieta contendo fibra solúvel proveniente de fontes variadas, aplicada a 19 gatos com diarreia crônica, resultou em melhores escores fecais e menor frequência de defecação em comparação com uma dieta controle 18. No terceiro estudo, que examinou diferentes fontes de fibras produtoras de metabólitos antioxidantes anti-inflamatórios, foram observados resultados superiores em comparação com outras fontes de fibra em gatos com diarreia 19. Esses estudos sustentam a ideia de que a fibra desempenha um papel crucial na gestão da diarreia crônica em gatos. Assim, há uma sólida evidência em favor do uso de dietas enriquecidas com fibras ou suplementação de fibra nesses casos.

Constipação

Com base em dados extrapolados de outras espécies, opiniões de especialistas e informações sobre cães e gatos saudáveis, as fibras demonstram benefícios no manejo de casos de constipação em ambas as espécies 20. As propriedades tanto da fibra solúvel quanto da insolúvel parecem ser eficazes na constipação. Como já mencionado, as fibras insolúveis ou não fermentáveis aumentam o volume fecal, estimulando o peristaltismo no trato gastrointestinal 21. A fibra solúvel forma géis dentro do trato gastrointestinal, facilitando o movimento das fezes 21. Fibras altamente solúveis e fermentáveis podem beneficiar ainda mais animais constipados através da produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que têm efeito pró-cinético e aumentam o teor de água nas fezes 22.

Os gatos são frequentemente afetados pela constipação 23, e fontes de fibras que promovem compostos antioxidantes e anti-inflamatórios demonstraram melhorar os sinais clínicos 19. Outro estudo examinou gatos tratados apenas com dieta ou dieta em combinação com medicamentos auxiliares, resultando em melhora nos escores fecais em ambos os grupos 24; as dietas usadas nesse estudo incluíam uma mistura de fontes de fibras, incluindo psyllium. Apesar de em número limitado, esses estudos respaldam o uso de dietas enriquecidas com fibras no tratamento da constipação felina (Figura 7). No entanto, ao recomendar fibras para o manejo da constipação felina, o clínico deve primeiro avaliar evidências de dismotilidade colônica grave (por exemplo, megacólon), onde as fibras seriam contraindicadas. 

Estudos clínicos sobre os efeitos das fibras em cães com constipação natural são escassos, embora experimentos com a administração de fibras de pasta de figo tenham mostrado melhorias na passagem fecal em cães sem complicações 25. Além disso, um simbiótico usando o prebiótico inulina demonstrou ter efeito laxante em cães saudáveis, sugerindo que isso pode ser eficaz no manejo da constipação 26. Mais pesquisas são necessárias para documentar os efeitos das fibras no manejo da constipação em cães, mas as pesquisas preliminares são promissoras. Assim como em casos de diarreia, são necessários mais ensaios clínicos em cães e gatos para determinar se um tipo ou quantidade específica de fibra é ideal para o manejo da constipação.

Os gatos são frequentemente afetados por constipação.

Figura 7. Os gatos são frequentemente afetados por constipação, e certas fontes de fibras podem ser benéficas para ajudar a melhorar os sinais clínicos.
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Considerações finais

A fibra é um componente presente em praticamente todas as dietas oferecidas a cães e gatos, representando uma área inexplorada que pode ser manipulada para beneficiar os animais e aliviar os sinais clínicos. Para que os clínicos possam implementar a fibra de forma competente e confiante na prática, é necessário ter uma compreensão básica dos benefícios para a saúde, rotulagem de alimentos para animais de estimação, propriedades fisicoquímicas da fibra e as indicações clínicas associadas a ela. Uma das oportunidades mais prevalentes para o manejo de doenças por meio das fibras é nas doenças gastrointestinais caninas e felinas. As empresas de alimentos para animais de estimação oferecem uma variedade de dietas enriquecidas com fibras, e pesquisas mostram que isso oferece muitas vantagens em comparação com opções de tratamento convencionais (como antibióticos de longo prazo ou imunomoduladores) em casos selecionados. Portanto, ao manejar doenças gastrointestinais, a fibra dietética deve permanecer uma opção de tratamento viável tanto para cães quanto para gatos.

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Adam J. Rudinsky

Adam J. Rudinsky

O Dr. Rudinsky recebeu seu diploma de médico-veterinário pela Ohio State University (OSU) e concluiu um estágio rotativo de pequenos animais na Purdue University antes de retornar para fazer residência combinada em medicina interna e mestrado na OSU. Leia mais