Dermatite Miliar Felina
O gato com dermatite miliar é muitas vezes um caso frustrante tanto para o tutor como para o médico-veterinário.
Número da edição 28.1 Outros conteúdos científicos
Publicado 27/10/2021
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À primeira vista, pode parecer simples e fácil tratar cães com dores e feridas nos pés; no entanto, se estivermos desprevenidos, podemos cometer erros e cair em armadilhas. Rosanna Marsella nos revela sua opinião pessoal do que pode ser um transtorno clínico bastante complexo e nos oferece alguns conselhos úteis para o diagnóstico e tratamento.
A pododermatite canina pode ser de natureza primária ou secundária, e o médico-veterinário deve adotar uma abordagem lógica para determinar a etiologia subjacente.
Para formular o diagnóstico, é essencial identificar a distribuição e o tipo de lesões primárias.
Os ácaros Demodex sempre devem ser considerados como uma possível causa de pododermatite.
Algumas das causas de pododermatite afetam não só a pele não glabra (ou seja, com pelos), mas também as unhas, o que pode ajudar no diagnóstico diferencial da etiologia subjacente.
A pododermatite canina é uma manifestação muito comum em dermatologia veterinária, mas dada a variabilidade de sua etiologia, é importante manter uma abordagem diagnóstica lógica e ordenada para identificar com êxito a causa primária da doença. Com o diagnóstico correto, o manejo clínico se torna mais simples e mais direcionado. Não obstante, tal como acontece em muitos casos dermatológicos, as infecções secundárias e as alterações crônicas da pele muitas vezes complicam o quadro clínico, independentemente da causa subjacente; por isso, é sempre importante considerar os fatores primários, secundários e perpetuantes da pododermatite (Tabela 1).
Fatores primários | |
Pruriginosos
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Não pruriginosos
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Fatores secundários | |
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Fatores perpetuantes | |
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1 Doenças que também podem se manifestar com hiperqueratose dos coxins palmoplantares
2 Doenças que podem afetar as unhas
Embora as causas primárias da pododermatite possam ser pruriginosas ou não pruriginosas, as infecções secundárias são frequentes e costumam produzir prurido; portanto, não é raro que muitos cães com pododermatite apresentem esse sinal como uma das queixas principais da consulta. Por essa razão, é importante tratar qualquer infecção e, depois, reavaliar a presença de prurido para identificar de forma eficaz a doença desencadeante (ou seja, a origem desse sinal).
As causas primárias de pododermatite afetam diretamente as mãos e os pés, embora em muitos casos outras partes do corpo também possam ser afetadas. Por isso, durante o exame físico, é relevante identificar a distribuição das lesões. Isso facilita a classificação adequada dos diferentes diagnósticos diferenciais por ordem de probabilidade.
Alguns transtornos afetam as quatro extremidades, enquanto outros acometem apenas as extremidades anteriores (dianteiras), ao menos inicialmente. Por exemplo, a dermatite de contato afeta as mãos e os pés, ao passo que a dermatite atópica geralmente começa nas mãos e depois evolui para as quatro patas. Por outro lado, a alergia à picada de pulgas tende a afetar principalmente as extremidades posteriores.
É importante conhecer o tipo de lesões primárias associadas a cada doença (p. ex., pápulas, pústulas, bolhas). Por exemplo, a dermatite de contato está relacionada com erupção papular primária. Se a dermatite alérgica de contato for a carpetes, tapetes ou gramas, a manifestação clínica esperada será a presença de pápulas pruriginosas no aspecto palmoplantar das quatro extremidades 1.Outras áreas de contato que também podem ser acometidas são o focinho, a região perineal e o abdômen ventral (Figuras 1 e 2).
Ao se considerar outras possíveis causas de pododermatite, é importante lembrar que algumas doenças envolvem tanto a pele com pelos como os coxins, enquanto outras não. Por exemplo, a dermatite atópica afeta exclusivamente a pele com pelos, mas as doenças autoimunes como o pênfigo foliáceo também podem afetar os coxins e se manifestar com crostas e hiperqueratose. Existem muitos diagnósticos diferenciais para a pododermatite e a hiperqueratose. Um dos mais relevantes é a dermatite necrolítica superficial, que compromete tanto os coxins como outras áreas do corpo, como a região genital e as comissuras labiais (Figuras 8 e 9) 4. A dermatite necrolítica superficial é uma doença de animais geriátricos e está associada a uma disfunção metabólica e à deficiência de aminoácidos. Nessa doença, os coxins exibem rachaduras e fissuras, em vez das camadas secas de pústulas observadas no pênfigo. O aspecto e a distribuição das lesões, bem como a idade do paciente, são indícios que ajudam o médico-veterinário a classificar as doenças e a priorizar entre a possibilidade de pênfigo foliáceo ou dermatite necrolítica superficial.
Rosanna Marsella
Em ambas as enfermidades, a biopsia cutânea é diagnóstica; por isso, deve-se enfatizar a importância de se obter um diagnóstico definitivo mediante a biopsia, em vez de simplesmente confiar na impressão clínica, uma vez que os tratamentos dessas doenças são completamente diferentes. No pênfigo foliáceo, células acantolíticas e pústulas superficiais são as características diferenciais dessa doença, enquanto paraqueratose, espongiose e hiperplasia epidérmica da camada de células basais (camadas “vermelha-branca-azul”) são consideradas como achados característicos da dermatite necrolítica superficial. O tratamento-padrão do pênfigo baseia-se na administração de glicocorticoides e de outros agentes imunossupressores, ao passo que na dermatite necrolítica superficial os glicocorticoides são geralmente contraindicados, pois muitos cães acometidos são diabéticos e estão no limite da diabetes. Nesses casos, é essencial pesquisar a doença metabólica subjacente e instituir a terapia nutricional adequada com aminoácidos, zinco e ácidos graxos essenciais.
Vale destacar que as células acantolíticas, tradicionalmente consideradas como uma característica distintiva do pênfigo, também podem estar presentes em outras doenças, como dermatite alérgica de contato e dermatofitose. Em qualquer doença em que se desenvolve um infiltrado inflamatório neutrofílico intenso, pode ocorrer acantólise como consequência do efeito proteolítico dos neutrófilos degenerados. No diagnóstico diferencial, é importante levar em conta que alguns casos de Trychophyton podem ser clinicamente semelhantes ao pênfigo foliáceo (Figura 10); caso o diagnóstico de dermatofitose seja confundido com o de pênfigo, isso pode ocasionar problemas, uma vez que os glicocorticoides não são indicados para o tratamento da dermatofitose. Nesses pacientes, é necessário instituir uma terapia antifúngica sistêmica de vários meses de duração; nesse caso, o itraconazol (5 mg/kg VO a cada 24 horas) é o medicamento de eleição, pois se concentra na queratina e tem atividade residual após a descontinuação da terapia. A terbinafina (20 mg/kg VO a cada 12 horas) também é uma excelente opção, em virtude de suas propriedades queratinofílicas e da capacidade de persistir na queratina por longos períodos de tempo.
Outras doenças que podem envolver os pés e as mãos dos cães são síndromes como vasculite e eritema multiforme. A vasculite é uma hipersensibilidade do tipo III que, além de ser atribuída a inúmeras causas possíveis, é desencadeada por diversos estímulos antigênicos 5. O depósito de imunocomplexos pode ocorrer nas mãos, nos pés e nas orelhas, bem como em outras áreas do corpo. Essa síndrome pode ser induzida por fármacos, vacinas ou infecções, como doenças transmitidas por carrapatos. Nas extremidades, é típica a presença de úlceras no centro dos coxins (Figura 11); o tamanho da úlcera depende da gravidade e do tamanho dos vasos sanguíneos acometidos. O diagnóstico baseia-se na apresentação clínica e na biopsia de uma lesão precoce. É importante que o médico-veterinário identifique e trate (se possível) a causa subjacente. Em muitos casos, é necessário o uso de glicocorticoides em doses imunossupressoras em combinação com a pentoxifilina, e alguns pacientes necessitam de tratamento prolongado para anular a resposta imunológica por completo.
O eritema multiforme também deve ser incluído na categoria de doenças imunomediadas capazes de causar pododermatite. Trata-se mais de uma síndrome clínica do que de um diagnóstico específico e, mais uma vez, é necessário que o médico-veterinário identifique a causa desencadeante para ter êxito no tratamento. As lesões típicas são máculas eritematosas com uma área central mais pálida (Figura 12); essas lesões podem aparecer em muitas áreas do corpo, incluindo as patas. É importante obter um histórico clínico detalhado de medicamentos e vacinas administrados, lembrando que os fármacos podem desencadear esse tipo de reação cutânea, mesmo se foram bem tolerados previamente. O diagnóstico definitivo é obtido através de biopsia, em que se evidenciam células apoptóticas individuais. De modo geral, institui-se uma terapia imunossupressora, juntamente com o tratamento da causa desencadeante.
Algumas causas de pododermatite não só afetam a pele com pelos, mas também as unhas 6. Podem ser observadas algumas alterações na estrutura normal da unha (Tabela 2). Os dois exemplos típicos são a onicodistrofia lupoide simétrica e a dermatofitose (Figura 13). Caso se observe onicogrifose (hipertrofia e curvatura anormal da unha), deve-se considerar a leishmaniose em partes do mundo onde essa enfermidade está presente. Na Tabela 3, há uma lista mais completa das doenças que podem se manifestar em caso de pododermatite com envolvimento das unhas.
Onicoclasia
Rotura ou quebra da unha
Onicocriptose
Unha encravada
Onicodistrofia
Formação anormal da unha
Onicogrifose
Hipertrofia e curvatura anormal da unha
Onicomadese
Destacamento ou desprendimento da unha
Onicomalacia
Amolecimento da unha
Onicorréxis
Estrias longitudinais associadas à fragilidade e quebra da unha
Onicosquizia
Fragmentação e/ou separação das lâminas da unha (em geral, com início na porção distal)
Paroníquia
Inflamação da prega ungueal
Lesões simétricas |
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Lesões assimétricas |
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A onicodistrofia lupoide simétrica foi descrita em raças caninas como Labrador, Pastor alemão, Rottweiler e Boxer 7 e, embora tenha algumas características de lúpus, os cães acometidos não apresentam enfermidade sistêmica. De modo geral, essa onicodistrofia afeta animais jovens, em que ocorre a perda repentina das unhas (Figura 14), juntamente com dor e prurido em graus variados. Pode-se observar paroníquia. As infecções bacterianas secundárias são frequentes e contribuem para os sinais de dor e prurido. Durante a evolução natural da doença, as unhas voltam a crescer parcialmente, mas de uma forma anormal e quebradiça, e continuam a se destacar. Os resultados dos exames de sangue (hemograma completo, perfil bioquímico, anticorpos antinucleares) não são dignos de nota e, para o diagnóstico, é necessário amputar a terceira falange e realizar um estudo histopatológico. O tratamento envolve a administração de altas doses de ácidos graxos essenciais ou glicocorticoides. Embora a tetraciclina e a niacinamida sejam utilizadas em virtude de suas propriedades imunomoduladoras, nenhuma melhora pode ser observada até que transcorram alguns meses de tratamento. A pentoxifilina (15-20 mg/kg VO a cada 8 horas, administrada junto com os alimentos para minimizar os problemas gastrointestinais) demonstrou ser útil em alguns casos; a melhora pode ser atribuída a inúmeras propriedades imunomoduladoras desse fármaco. As infecções secundárias devem ser tratadas ao mesmo tempo. Em alguns casos, essa doença está associada a uma reação alimentar adversa e, por isso, alguns especialistas em dermatologia recomendam a realização de um teste de eliminação para descartar o alimento como um fator desencadeante. Em outros casos, é necessário remover a terceira falange e as unhas dos dedos acometidos.
Conforme mencionado anteriormente, seja qual for a causa primária da pododermatite, pode ocorrer o surgimento de formações cicatriciais e reação típica de corpo estranho associada à queratina livre na derme, em consequência da infecção e da destruição dos folículos pilosos (furunculose). A resposta inflamatória formada contra as bactérias e os fragmentos de pelos dá origem a edema, dor e, com o passar do tempo, fibrose (Figura 15). Alguns cães tendem a desenvolver lesões císticas quando o organismo tenta isolar o material estranho (Figura 16) 8. Esses nódulos são frequentemente a origem de recidivas, pois podem atuar como ponto de partida para novos surtos de infecção. Os cães de pelo curto são mais suscetíveis a esse tipo de reação; acredita-se que os pelos curtos e pontiagudos dos espaços interdigitais conduzam mecanicamente as bactérias para a pele do lado oposto. O manejo desses casos pode ser frustrante e, em geral, requer tratamentos por longos períodos com antibióticos por via oral e banhos com agentes antimicrobianos, como clorexidina ou peróxido de benzoíla. Nesses casos, é altamente recomendável realizar uma cultura com antibiograma para identificar o antibiótico mais eficaz, embora a clindamicina ou as fluoroquinolonas geralmente sejam uma boa escolha por sua excelente penetração nas camadas profundas da derme. Além disso, em muitos casos, é útil a administração de glicocorticoides e antimicrobianos tópicos, como a mupirocina. Os glicocorticoides podem ajudar a diminuir a fibrose e a resposta inflamatória exagerada, o que às vezes dificulta a resolução da pododermatite. Também pode ser útil umedecer os nódulos com agentes que facilitem sua abertura e drenagem (p. ex., sulfato de magnésio). Nos casos graves, pode ser necessária a cirurgia a laser 9 ou a podoplastia.
Ao se considerar as inúmeras causas possíveis de pododermatite, a abordagem clínica inicial deve incluir, no mínimo, os exames de citologia, raspado cutâneo profundo e cultura fúngica (Tabela 4). A citologia pode ser feita com fita adesiva ou swab, dependendo do estado da pele. A pele seca é mais bem avaliada por meio de impressões com fita adesiva, enquanto as áreas de exsudato são adequadas para impressões diretas ou swabs. As amostras são facilmente coradas e analisadas quanto à presença e ao tipo de infiltrado inflamatório, bem como em relação à existência de bactérias e leveduras e, possivelmente, células acantolíticas. O diagnóstico de infecções fúngicas é feito através de cultura das unhas em Meio de Teste de Dermatófitos (lascas ou aparas obtidas das porções mais proximais das unhas).
Abordagem clínica para os casos de pododermatite – Primeira consulta |
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Abordagem clínica para os casos de pododermatite – Consulta de reavaliação |
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Em cães de idade avançada, pode-se indicar a análise sanguínea (hemograma completo e perfil bioquímico), em particular quando se suspeita de dermatite necrolítica superficial. A decisão sobre realizar ou não uma biopsia dependerá da identificação do paciente, bem como dos sinais clínicos e do histórico médico. É preciso ter em mente que algumas condições (p. ex., distúrbios autoimunes ou imunomediados) exigem a realização de biopsia para o diagnóstico, enquanto outras enfermidades (p. ex., doenças alérgicas da pele) podem não ser diagnosticadas por biopsia. Com base na distribuição e na presença de prurido, o médico-veterinário deverá elaborar a lista de diagnósticos diferenciais e determinar o plano diagnóstico.
Para abordar corretamente a pododermatite, é necessário ter bons conhecimentos sobre o assunto e identificar com precisão os fatores primários, secundários e perpetuantes. A omissão de testes básicos na avaliação inicial pode fazer com que problemas comuns passem despercebidos; além disso, é essencial tratar as infecções secundárias de forma adequada. Por fim, como muitas doenças podem ter uma apresentação clínica semelhante, é fundamental obter um diagnóstico, em vez de simplesmente tentar tratar os sinais clínicos.
Rosanna Marsella
A Dra. Marsella é diplomada pelo American College of Veterinary Dermatology e Professora Titular na University of Florida. Leia mais
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