Insuficiência pancreática exócrina em cães
A insuficiência pancreática exócrina é uma doença debilitante, subdiagnosticada em cães.
Número da edição 29.3 Pâncreas exócrino
Publicado 11/11/2021
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español e English
A obtenção de imagens do fígado e pâncreas pode fornecer informações valiosas ao se investigar possíveis doenças ligadas a esses órgãos. Laurent Blond analisa as opções de técnicas de diagnóstico por imagem. .
A radiografia permite avaliar o tamanho e os contornos do fígado, mas não possibilita a avaliação de alterações parenquimatosas, a menos que haja a presença de gás ou mineralização.
A ultrassonografia é uma modalidade diagnóstica muito útil para complementar a avaliação do fígado por ser um exame de baixo custo e não invasivo, podendo ser na maioria dos casos realizado sem sedação.
A tomografia computadorizada requer o paciente sob anestesia geral, mas é extremamente útil para obter imagens de todo o fígado, sobretudo em cães de grande porte, em que a ultrassonografia pode ser limitada.
A ultrassonografia também é de grande utilidade para a obtenção de imagens do pâncreas, embora a avaliação e interpretação completas exijam alguma experiência.
As várias modalidades de técnicas de diagnóstico por imagem disponíveis atualmente na clínica de pequenos animais oferecem oportunidades excepcionais para o diagnóstico de muitas condições que acometem o fígado e o pâncreas. Este artigo faz uma breve revisão da anatomia de ambos os órgãos e discute os prós e contras de cada técnica.
O fígado é o maior órgão presente na cavidade abdominal, ocupando a maior parte de seu aspecto cranial. Localizado entre o diagrama e o estômago, o fígado é dividido em vários lobos: o lobo direito (lateral e medial), o lobo esquerdo (lateral e medial), o lobo quadrado, e o lobo caudado, o qual possui um processo papilar e outro processo caudado. O fígado tem dois sistemas venosos: portal e sistêmico.
O fígado está intimamente associado à vesícula biliar, localizada entre os lobos medial direito e quadrado, e o rim direito está em contato com o processo caudado do fígado.
Os exames radiográficos possibilitam a avaliação do tamanho e dos contornos do fígado, mas não permitem avaliar as alterações do parênquima, a menos que associadas a gás ou mineralização. Além de haver a necessidade de duas projeções ortogonais do abdome do paciente (lateral e ventrodorsal), essas radiografias devem ser tiradas à expiração. É importante incluir a borda cranial do diafragma nas radiografias abdominais para avaliar todo o fígado.
Embora não seja possível diferenciá-la do diafragma, a silhueta hepática é delimitada caudalmente pelo estômago. O aspecto caudoventral do fígado normal tem bordas angulares (Figura 1a,b). O eixo gástrico pode ajudar a avaliar o tamanho do fígado, pois ele deve ser visualizado em uma projeção radiográfica lateral entre uma linha traçada a 90° em relação à coluna vertebral e uma linha paralela ao último par de costelas. Se o eixo gástrico estiver deslocado além do último par de costelas ou se a borda caudoventral do fígado se estender caudalmente ao aspecto ventral do estômago, isso é indicativo de hepatomegalia. Se o estômago estiver deslocado cranialmente, então é provável que o fígado esteja pequeno, embora isso possa ser normal em cães de tórax profundo, como Boxer, Doberman ou Dogue alemão. As hepatopatias estão frequentemente associadas à ascite, o que pode impedir a avaliação do fígado; no entanto, a presença de líquido peritoneal, caracterizada pela perda de detalhe da serosa e, em casos graves, por abdome pendular, deve ser facilmente reconhecida em radiografias abdominais.
A existência de massa no fígado pode deformar o contorno desse órgão e induzir a diversos efeitos expansivos (i. e., efeitos patológicos secundários causados pela compressão ou pelo deslocamento do tecido circundante pela massa). Um tumor hepático deslocará o piloro no sentido caudomedial se vier do lado direito ou provocará a distorção do contorno cranial do fundo gástrico caso se origine do centro ou do lado esquerdo do fígado.
Normalmente, a vesícula biliar não pode ser visualizada nas radiografias. Em alguns gatos, entretanto, o aspecto ventral da vesícula biliar pode se projetar além da borda ventral da silhueta hepática na gordura falciforme e não deve ser confundido com a presença de alguma massa. A colelitíase é uma causa comum de mineralização do fígado e, se envolver os ductos biliares intra-hepáticos, terá uma aparência ramificada no exame radiográfico (Figura 2).
O exame ultrassonográfico é uma modalidade bastante útil para complementar a avaliação do fígado por ser uma técnica de baixo custo e não invasiva, podendo ser na maioria dos casos realizado sem sedação. A ultrassonografia é particularmente recomendada caso se detecte a presença de hepatomegalia ou líquido peritoneal à radiografia, mas sua utilidade pode ser limitada em cães de grande porte ou se houver distensão gástrica acentuada com gás. As imagens do fígado podem ser obtidas com a sonda posicionada imediatamente abaixo do processo xifoide, fazendo uma varredura da esquerda para a direita em um plano sagital ou da porção cranial à caudal no plano transversal, o que permitirá a avaliação de todo o órgão. A profundidade deve ser devidamente definida de modo a incluir o fígado inteiro. Não é possível diferenciar o diafragma do parênquima hepático, e a borda diafragmática delimitará o aspecto cranial do fígado, tal como na radiografia. Essa borda diafragmática caracteriza-se por uma linha curva de artefatos de reverberação produzidos pelo ar dentro dos pulmões. A imagem em espelho, um artefato comumente encontrado na ultrassonografia hepática, caracteriza-se pela projeção da imagem do fígado cranial ao diafragma; isso deve ser reconhecido e não confundido com hérnia diafragmática ou massa torácica.
O fígado apresenta parênquima homogêneo com ecotextura levemente granular e hipoecoico em relação à gordura falciforme e ao baço (Figura 3a,b,c), mas iso a hipoecoico em relação ao rim direito 1. Os contornos do fígado devem ser lisos e regulares, delineados por uma fina cápsula hiperecoica. A separação dos lobos hepáticos deve ser evidente, a menos que haja líquido livre dentro da cavidade peritoneal. As veias hepáticas são facilmente visualizadas no interior do parênquima do órgão como estruturas tubulares anecoicas, enquanto as veias porta-hepáticas são diferenciadas das veias sistêmicas por suas paredes hiperecoicas. Além disso, o grau de visibilidade dos vasos portais também pode ser utilizado para avaliar a ecogenicidade hepática.
Tal como acontece na radiografia, o tamanho do fígado será avaliado de forma subjetiva, uma vez que o aspecto caudoventral não deve se estender além dos limites do fundo gástrico. Os lobos do lado direito projetam-se mais dorsalmente e, muitas vezes, são mais bem avaliados por meio de uma janela intercostal caudal, entre o 10º ou 11º espaço intercostal direito. Essa janela também é útil para avaliar a vesícula biliar, o que é normalmente visível com um conteúdo anecoico e uma parede hiperecoica muito fina. Na maioria dos cães de meia-idade, observa-se um material ecoico móvel dentro da vesícula biliar. Isso é bastante incomum no gato e, se observado, pode levar a uma investigação mais aprofundada da função biliar. Os ductos biliares intra-hepáticos não são geralmente visíveis.
As principais mudanças que podem ser visualizadas ao exame ultrassonográfico incluem a existência de alterações no tamanho do fígado (mais frequentemente hepatomegalia) e na ecogenicidade ou a presença de nódulo(s) ou massa(s). A ultrassonografia é um exame muito sensível para detectar alterações parenquimatosas, porém é inespecífico; por isso, qualquer alteração deve ser interpretada à luz dos sinais clínicos. Por exemplo, a hepatomegalia hiperecoica pode levar mais a um diagnóstico de lipidose em um gato ictérico e será um achado comum em um cão diabético. Nessas duas doenças em particular, o parênquima hepático também será hiperatenuante (Figura 4). A hepatite aguda pode ser caracterizada por hepatomegalia hipoecoica, enquanto nos casos crônicos o fígado pode se tornar heterogêneo com bordas irregulares.
Embora a aparência de massa(s) hepática(s) possa variar, isso geralmente será visto como uma imagem heterogênea, podendo deformar a borda do fígado. Apesar da possibilidade de identificação da porção envolvida desse órgão, pode não ser uma tarefa fácil focar corretamente no lobo hepático exato acometido.
É importante não interpretar as alterações da vesícula biliar como uma massa hepática, e isso se aplica especialmente aos casos de mucocele, quando essa vesícula se encontra repleta de material heterogêneo, organizado e estático.
A ultrassonografia também é uma técnica muito sensível para detectar a presença de nódulos hepáticos, mas novamente não é específica para identificar a natureza desses nódulos, e muitos deles são benignos. O cisto hepático aparecerá como uma estrutura arredondada anecoica em planos ortogonais, o que induz a um realce acústico. Aspirados por agulha fina ou biopsias, ambos guiados por ultrassom, podem ser realizados, se necessários.
A redução no tamanho do fígado pode ser uma das consequências de hepatite crônica e cirrose; nesse caso, pode-se observar uma marginação irregular à ultrassonografia. Frequentemente, também pode haver ascite. No entanto, um fígado pequeno também pode ser indicativo de desvio ( shunt ) portossistêmico congênito em pacientes mais jovens, sobretudo nos casos em que há um desvio extra-hepático. De modo geral, um desvio intra-hepático pode ser facilmente observado como um vaso anormalmente calibroso, curvo e tortuoso no interior do parênquima hepático, conectando o fluxo portal à porção hepática da veia cava caudal.
Laurent Blond
Na presença de obstrução biliar crônica, os ductos biliares intra-hepáticos podem ser vistos ao exame ultrassonográfico como estruturas tubulares anecoicas levemente tortuosas; a técnica de Doppler colorido pode ajudar a diferenciar entre os ductos e os vasos sanguíneos.
O fígado normalmente apresenta uma atenuação homogênea de tecidos moles. A tomografia computadorizada é particularmente recomendada para avaliar o local exato e a possível disseminação de massa hepática caso a cirurgia seja considerada (Figura 5). Também é de extrema utilidade para avaliar anomalias vasculares e, especialmente, desvios ( shunts ) portossistêmicos (intra ou extra-hepáticos); nesse caso, são necessários três tempos de aquisição pós-injeção do meio de contraste, durante as fases arterial, portal e venosa 2.
A ressonância magnética do fígado não é frequentemente utilizada na medicina veterinária, e suas aplicações ainda são limitadas. Todavia, sua resolução de contraste superior pode ajudar a diferenciar entre lesões hepáticas benignas e malignas. Essa técnica requer anestesia geral do paciente, injeção do contraste gadolínio e aparelho de RM de alto campo (de, pelo menos, 1,5 Tesla) para evitar artefatos de movimento induzidos pela respiração do paciente.
O pâncreas é um pequeno órgão que pode ser dividido em três segmentos anatômicos; o lobo direito está situado ao longo da borda mesentérica do duodeno, o corpo do pâncreas acompanha o aspecto caudal do estômago e o lobo esquerdo fica ao lado do cólon descendente. Os contornos do órgão são normalmente irregulares.
O pâncreas normal geralmente não pode ser identificado no exame radiográfico, pois se trata de um órgão muito pequeno. Em alguns gatos com sobrepeso e grande quantidade de gordura peritoneal, entretanto, é possível observar o lobo esquerdo do pâncreas ao lado do aspecto medial do baço, adjacente ao polo cranial do rim direito, e isso não deve ser confundido com uma anormalidade. Contudo, as radiografias ainda podem ser úteis na suspeita de doença pancreática, pois a pancreatite pode induzir alterações indiretas, como perda de detalhe da serosa na porção cranial do abdome, aumento do ângulo piloroduodenal e dilatação gasosa do duodeno atribuída à indução secundária de íleo funcional. Além disso, alguns tumores pancreáticos podem sofrer mineralização, e uma massa abdominal cranial com focos de mineralização pode ser de origem pancreática.
O exame ultrassonográfico é extremamente útil para obter imagens do pâncreas, embora a avaliação completa e minuciosa exija alguma experiência. O pâncreas normal é discretamente heterogêneo e, em geral, um pouco hipoecoico em relação à gordura circundante, com bordas mal definida 3. Pode ser isoecoico em relação à gordura circundante em gatos e hiperecoico no Yorkshire Terrier 4. A avaliação do pâncreas depende principalmente da identificação de pontos específicos de referência. Para avaliar o lobo direito, é importante obter imagens do duodeno, desde o rim direito caudalmente até o piloro cranialmente. No cão, a veia pancreaticoduodenal pode ser identificada com facilidade como uma estrutura tubular anecoica tortuosa, paralela ao aspecto medial do duodeno (Figura 6a); o tecido ao redor desse vaso corresponde ao pâncreas. O Doppler colorido pode ser usado para caracterizar melhor esse vaso. No gato, é o ducto pancreático que será visualizado nesse local, mas isso ajudará a situar o lobo direito do pâncreas. O ducto pancreático é fisiologicamente dilatado no gato (e, sobretudo, nos mais idosos, com até 3 mm de diâmetro); nessa espécie, tal estrutura se une ao ducto biliar comum ao nível da papila duodenal maior. O corpo do pâncreas está situado caudalmente ao piloro e ventralmente à veia porta entre o estômago e o cólon transverso. O lobo pancreático esquerdo pode ser visualizado no aspecto lateral do cólon descendente, caudalmente ao fundo gástrico, medialmente ao baço e cranialmente ao polo cranial do rim esquerdo. O ducto pancreático também pode ajudar a localizar esse lobo no gato (Figura 6b). A espessura do pâncreas pode ser medida em gatos e não deve ultrapassar 1 cm 5.
De modo geral, a pancreatite aguda caracteriza-se por espessamento hipoecoico e heterogêneo do pâncreas, circundado por gordura hiperecoica e hiperatenuante. Com frequência, há líquido presente nas proximidades do pâncreas. A parede duodenal adjacente costuma estar espessada e pregueada, com perda de definição de suas camadas (Figura 7). Muitas vezes, a presença de dor abdominal pode limitar o exame do pâncreas e exigir analgesia ou sedação. Pode ocorrer a formação concomitante de abcesso(s) ou cisto(s) que será(ão) identificado(s) como estrutura(s) arredondada(s) repleta(s) de líquido hipo a anecoico. Tais lesões podem ser drenadas sob orientação ultrassonográfica. Apesar de sua identificação ser mais difícil, a pancreatite crônica pode ser caracterizada por áreas heterogêneas dentro do parênquima pancreático e focos de gordura hiperecoica adjacentes a ele.
Em gatos mais idosos, comumente se observa hiperplasia nodular, caracterizada por nódulos hipoecoicos bem definidos com menos de 1 cm de diâmetro 6. Os tumores do pâncreas costumam ser hipoecoicos e levemente heterogêneos, provocando a distorção dos contornos desse órgão (Figura 8). O carcinoma pancreático está geralmente associado à carcinomatose, o que se caracteriza pelo acúmulo de líquido peritoneal e nódulos hipoecoicos dispersos no mesentério e peritônio.
Os insulinomas normalmente aparecem como pequenos nódulos hipoecoicos, podendo ser de difícil visualização. Com frequência, são detectadas metástases no fígado ou nos linfonodos adjacentes antes de se identificar o tumor primário.
A tomografia computadorizada é útil para avaliar todo o pâncreas, aparecendo como um órgão atenuante de tecidos moles com margens irregulares ao longo dos pontos de referência, descritos na seção anterior. A técnica pode ser particularmente proveitosa na pesquisa de insulinomas, pois não será limitada pela presença de gás no trato gastrointestinal; além disso, ela é mais sensível para a detecção de pequenas lesões, embora isso geralmente exija uma tomografia computadorizada em duas fases. As imagens do insulinoma caracterizam-se pela presença de nódulo hipoatenuante com forte realce durante a fase arterial do estudo, mas não durante as outras fases 7.
Embora as imagens possam ser valiosas na investigação de doenças do fígado e pâncreas, é essencial que o clínico esteja familiarizado com a anatomia e a aparência normais desses órgãos na modalidade de imagem escolhida. Também é necessário estar ciente das limitações ao utilizar tais técnicas de diagnóstico por imagem, mas a implementação dos devidos cuidados e o uso de abordagem padronizada devem permitir a obtenção de resultados benéficos na maioria dos casos.
Laurent Blond
O Dr. Blond se formou na Faculdade Nacional de Veterinária de Toulouse em 1999 e fez estágio na University of Montreal, Quebec, Canadá, antes de fazer residência em técnicas de diagnóstico por imagem na North Carolina State University, Estados Unidos. Leia mais
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Um gato ictérico não é um diagnóstico
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