Insuficiência pancreática exócrina em cães
A insuficiência pancreática exócrina é uma doença debilitante, subdiagnosticada em cães.
Número da edição 29.3 Pâncreas exócrino
Publicado 10/11/2021
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A pancreatite felina é uma das doenças mais comumente encontradas na clínica de pequenos animais. A professora Allenspach oferece uma breve revisão da doença e discute uma abordagem holística para o tratamento.
A pancreatite em gatos é uma condição comum, embora muitas vezes negligenciada. O diagnóstico deve ser formulado com base nos sinais clínicos e testes apropriados.
É desejável uma intervenção precoce em qualquer gato anoréxico com pancreatite; a administração de dieta rica em proteínas por via enteral constitui o método preferido de suplementação nutricional.
A pancreatite em gatos é uma doença muito comum: em um estudo retrospectivo, 67% de 115 gatos apresentavam lesões histológicas encontradas no exame post-mortem 1. Contudo, a condição provavelmente também é subdiagnosticada, pois muitos dos sinais clínicos associados à pancreatite felina são bastante inespecíficos. Tal como acontece com os cães, a etiologia da pancreatite em gatos é basicamente desconhecida; entretanto, ao contrário da condição em cães, a indiscrição alimentar não é uma causa comum em gatos. Por outro lado, deve-se dar uma atenção especial à toxoplasmose, incluindo-a como uma possível causa infecciosa de pancreatite felina 2. Outras etiologias associadas ao início agudo de pancreatite em gatos incluem anestesia geral recente, hipoxia secundária a episódios de insuficiência cardíaca aguda, e intoxicação por organofosforados.
Do ponto de vista clínico, os gatos com pancreatite apresentam sinais menos específicos que os cães, com anorexia, letargia, desidratação, perda de peso, hipotermia, vômitos, icterícia e febre estando entre os sinais mais comuns. Em alguns casos, pode haver dor abdominal, e o paciente também pode ter diarreia. No entanto, é importante considerar o fato de que qualquer gato com suspeita de pancreatite pode ter dor abdominal, e talvez o tratamento adequado possa melhorar o comportamento clínico desse paciente.
No exame de sangue, muitos gatos acometidos exibem anemia ou hemoconcentração; a anormalidade de leucocitose ou leucopenia também é comum. O perfil bioquímico frequentemente inclui hipoalbuminemia, o que também pode ser um indicador prognóstico negativo. Também pode haver hipocalcemia (por saponificação da gordura mesentérica), devendo ser tratada, se presente.
Na radiografia, ocasionalmente é possível identificar efusão bicavitária (i. e., derrame nas cavidades pleural e peritoneal) em gatos afetados. Conforme exposto anteriormente, a hipoalbuminemia é um achado comum em casos de pancreatite felina e também pode contribuir para isso. Embora a ultrassonografia seja frequentemente utilizada como um auxílio para o diagnóstico de pancreatite, foi demonstrado que essa técnica possui uma sensibilidade bastante variável, entre 10-70%. Isso depende não só da experiência do ultrassonografista, mas também da gravidade dos sinais clínicos. Na pancreatite aguda, a sensibilidade do exame ultrassonográfico é muito maior do que nos casos crônicos. Os sinais típicos observados na avaliação ultrassonográfica incluem tecido pancreático hiper ou hipoecoico, líquido livre ao redor do pâncreas, e gordura mesentérica hiperecoica.
Atualmente, a imunorreatividade da lipase pancreática felina e a medição da atividade da lipase pelo método DGGR [do inglês 1,2-o-dilauryl-rac-glycero-3-glutaric acid-(6′-methylresorufin) ester, éster de 1,2-o-dilauril-rac-glicero-3-ácido glutárico-(6'-metilresorufina)] são os testes laboratoriais que oferecem a melhor sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de pancreatite em gatos, quando comparados com a identificação histológica de pancreatite como padrão-ouro. Como não conhecemos a relevância da pancreatite histológica no contexto clínico, os resultados desses testes devem ser cuidadosamente interpretados à luz de outros achados clínicos. Na verdade, a pancreatite felina é sempre um diagnóstico clínico, e o diagnóstico nunca deve ser feito com base em um único teste, mas sim em uma combinação de sinais clínicos, exames laboratoriais e achados ultrassonográficos.
Em um grande estudo retrospectivo recente de 157 gatos com pancreatite, fatores como hipoglicemia, azotemia, efusão pleural e anorexia persistente durante a hospitalização foram os mais comumente associados a desfechos mais desfavoráveis 3. Isso aponta para a importância do suporte nutricional, o que na maioria das vezes é mais fácil de alcançar por meio de tubo de alimentação nasoesofágico ou esofágico (Figura 1). Além disso, a suspensão de antibioticoterapia foi associada a um desfecho pior nesses gatos. Isso é um achado importante e está de acordo com a literatura especializada recente que indica infecções bacterianas em gatos com pancreatite. Presume-se que infecções do fígado e pâncreas por bactérias sejam o resultado de infecção ascendente da porção anterior do intestino delgado através dos ductos biliares e pancreáticos. Nesses casos, é mais comum o encontro de DNA bacteriano de espécies da E. coli 4. Portanto, é prudente admitir a presença de infecção bacteriana por espécies entéricas em casos gravemente enfermos de pancreatite aguda e instituir tratamento empírico com antibióticos.
Conforme mencionado previamente, a analgesia é muito importante para todos os gatos com pancreatite. As melhores opções são os derivados de morfina, como a buprenorfina administrada por via parenteral. Também devem ser administrados antieméticos; foi empiricamente demonstrado que o uso de maropitanto e ondansetrona, algumas vezes em combinação, tem boa eficácia nesses casos. Além disso, embora não haja relatos históricos da ocorrência de receptores dopaminérgicos D2 em gatos, a metoclopramida pode exercer um efeito no íleo funcional em casos de pancreatite aguda e, portanto, também pode desempenhar um papel no tratamento.
Karin Allenspach
Na medicina veterinária, está bem estabelecida a premissa de que o trato gastrointestinal desempenha um papel importante durante doenças críticas e que a nutrição enteral é preferível à nutrição parenteral, sempre que possível. A falta de nutrição enteral pode levar à diminuição da motilidade gastrointestinal, bem como a alterações morfológicas da anatomia intestinal, como atrofia das vilosidades. Tais alterações são associadas a uma maior taxa de translocação de bactérias e endotoxinas para a corrente sanguínea periférica. Portanto, o suporte nutricional enteral precoce é importante em qualquer gato anoréxico, mas principalmente na suspeita de pancreatite. Na verdade, como a maioria dos gatos é levada ao médico-veterinário quando já se encontram anoréxicos há vários dias, a nutrição enteral deve ser iniciada o mais rápido possível. Em um estudo, a alimentação nasogástrica foi avaliada em 55 casos de pancreatite aguda felina 5. O tratamento com infusão parenteral de aminoácidos/dextrose foi comparado à alimentação enteral. Além de a alimentação nasogástrica ter sido muito bem tolerada no estudo (Figura 2), não houve diferenças entre os grupos em termos de variáveis ou desfechos clínicos. A alimentação enteral só é contraindicada em gato com vômitos intratáveis ou incontroláveis; em tais pacientes, no entanto, deve-se tentar o uso de antieméticos. Os tubos inseridos por esofagostomia ou gastrostomia representam uma boa opção a médio e longo prazo; entretanto, como ambos necessitam de anestesia em um paciente (às vezes, debilitado), os tubos nasoesofágicos podem ser muito eficazes, sobretudo nos primeiros dias de tratamento 6.
A dieta fornecida a esses pacientes deve ser rica em proteínas, em virtude da considerável necessidade desse nutriente na alimentação dos gatos7. Essa necessidade proteica elevada também os torna suscetíveis à perda de massa muscular magra durante a inanição, o que precisa ser evitado, sempre que possível. Além disso, a anorexia pode resultar em uma diminuição no consumo de determinados aminoácidos, como arginina e metionina, o que pode levar à lipidose hepática, uma vez que esses aminoácidos são essenciais para a formação de apoliproteínas. Tais apoliproteínas, por sua vez, participam da redistribuição da gordura do fígado para outros órgãos do corpo.
Além disso, em pessoas com doenças graves, há um acúmulo de evidências de que outros nutrientes, como glutamina, triptofano e ácidos graxos, podem desempenhar um papel na modulação de mecanismos inflamatórios e imunomediados. A suplementação desses nutrientes críticos demonstrou estar associada à diminuição no tempo de internação hospitalar e a menores taxas de infecção 8. Observe, no entanto, que os gatos são capazes de digerir quantidades muito altas de gordura e, atualmente, não há evidências de que a restrição desse nutriente seja indicada em pacientes dessa espécie com pancreatite.
O clínico deve ser alertado para o fato de que a pancreatite em gatos pode causar sinais vagos e inespecíficos e, consequentemente, a doença pode ser subdiagnosticada. A pancreatite felina é essencialmente um diagnóstico clínico que se baseia na combinação de sinais clínicos, exames laboratoriais e achados ultrassonográficos. A intervenção precoce considerada deve melhorar as taxas de recuperação, e isso envolve o uso de medicação apropriada, incluindo analgesia e antibióticos, e a instituição de suporte nutricional adequado com dieta rica em proteínas administrada – sempre que possível – por via enteral.
Nivy R, Kaplanov A, Kuzi S, et al. A retrospective study of 157 hospitalized cats with pancreatitis in a tertiary care center: Clinical, imaging and laboratory findings, potential prognostic markers and outcome. J Vet Intern Med 2018;32(6):1874-1885. doi: 10.1111/jvim.15317. Epub 2018 Oct 13.
Jensen KB, Chan DL. Nutritional management of acute pancreatitis in cats and dogs. J Vet Emerg Crit Care (San Antonio) 2014;24(3):240-250. doi: 10.1111/vec.12180. Epub 2014 Apr 1.
Karin Allenspach
A Dra. Allenspach se formou na Zurich University em 1994 e, em seguida, fez estágio em emergências e cuidados intensivos na Tufts University. Leia mais
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