Como abordar…a síndrome cutânea atópica felina
Publicado 31/07/2024
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English
Os gatos frequentemente apresentam sinais dermatológicos que podem ser desencadeados por uma infinidade de causas diferentes. Neste artigo, Sandra Diaz descreve o enfoque utilizado para abordar esses casos.
Pontos-chave
Síndrome Cutânea Atópica Felina é o termo utilizado atualmente para descrever as doenças alérgicas da pele desencadeadas por alérgenos ambientais em gatos.
Embora exista um número limitado de padrões de reação comumente observados em enfermidades cutâneas do gato, pode ser difícil identificar a causa subjacente.
A dermatite alérgica à pulga é, de longe, a dermatopatia mais comum dos felinos.
Fármacos como oclacitinibe, maropitanto e canabinoides são outras opções para o tratamento de gato com prurido.
Introdução
A dermatologia felina avançou muito nos últimos anos no que diz respeito à identificação das doenças cutâneas, à melhor compreensão da patogênese dos distúrbios existentes, e às novas opções de tratamento. Além disso, a terminologia para doença alérgica cutânea felina foi recentemente atualizada, e o termo Síndrome Cutânea Atópica Felina é utilizado hoje em dia em referência a doenças alérgicas cutâneas desencadeadas por alérgenos ambientais. O diagnóstico da Síndrome Cutânea Atópica Felina é um grande desafio, uma vez que várias doenças alérgicas da pele podem se manifestar clinicamente com um ou uma combinação dos padrões reacionais a seguir:
- dermatite miliar;
- alopecia autoinduzida;
- complexo granuloma eosinofílico;
- prurido na cabeça e no pescoço.
A pele reage com esses “padrões” a diferentes causas subjacentes, mas eles se parecem clinicamente idênticos (ou seja, a manifestação clínica é a mesma). Esses padrões de reação podem inclusive ser semelhantes ao exame histopatológico, o que pode tornar o diagnóstico muito complexo, causando frustração tanto ao tutor do gato como ao clínico. Como a dermatite alérgica à pulga ou as reações adversas a alimentos também podem se manifestar com esses padrões cutâneos, é crucial descartar ambas as enfermidades ao diagnosticar a Síndrome Cutânea Atópica Felina. Além disso, outras doenças cutâneas pruriginosas, incluindo as etiologias parasitárias (Demodex gatoi, Otodectes cynotis, Notoedres cati, Cheyletiella blakei), infecciosas (dermatite por Malassezia, piodermite superficial, dermatofitose), e autoimunes (pênfigo foliáceo), precisam ser avaliadas e descartadas ou tratadas.
Dermatite miliar
A dermatite miliar, ou dermatite papulocrostosa, é caracterizada clinicamente pela existência de inúmeras pápulas eritematosas e crostosas de pequeno tamanho, localizadas ou generalizadas (Figura 1). Trata-se da apresentação mais frequente em dermatologia de pequenos animais, e as lesões costumam ser detectadas à palpação da pele, principalmente em gatos de pelo longo. Fatores como a presença, extensão e gravidade do prurido, o aparecimento de lesões cutâneas em animais ou pessoas em contato com o paciente, a sazonalidade e a resposta a medicamentos prévios são úteis na elaboração de uma lista de diagnósticos diferenciais.
Alopecia autoinfligida
Esse padrão pode ter diversas causas; geralmente se deve a uma dermatite por hipersensibilidade, embora em raras ocasiões se trate de um transtorno psicogênico (Figura 2). Contudo, é frequente a combinação de fatores comportamentais e alérgicos, sobretudo em raças excessivamente ansiosas e nervosas, como Siamês e Abissínio. A perda de pelos também pode estar associada a eflúvio telógeno ou a endocrinopatias, como hipertireoidismo ou outros problemas internos. As doenças infecciosas e parasitárias também devem ser consideradas, conforme mencionado anteriormente. Caso o tutor do gato não observe uma lambedura excessiva, pode-se realizar um tricograma para avaliar as extremidades das hastes pilosas; se essas pontas estiverem quebradas, o mais provável é que a alopecia seja autoinfligida. Para descartar ou confirmar os possíveis diagnósticos diferenciais, devem-se realizar várias provas, incluindo a citologia e o raspado de pele, bem como o exame direto dos pelos, a avaliação com lâmpada de Wood e a cultura fúngica.
Complexo granuloma eosinofílico
Esse padrão inclui placas eosinofílicas, granulomas eosinofílicos e/ou úlceras indolentes. As úlceras indolentes aparecem como lesões erosivas ou ulceradas, uni ou bilaterais, no lábio superior (Figura 3). As úlceras bem circunscritas (i. e., delimitadas) com bordas elevadas não costumam ser dolorosas nem pruriginosas e não causam grande desconforto ao gato. Os diagnósticos diferenciais incluem doenças neoplásicas (como carcinoma espinocelular, também chamado de carcinoma de células escamosas), e úlceras infecciosas. O diagnóstico é confirmado por meio de biopsia. O tratamento antimicrobiano prévio é recomendado se a citologia indicar a presença de infecção. As placas eosinofílicas são lesões elevadas, eritematosas, exsudativas e gravemente pruriginosas que costumam aparecer na região ventral do abdômen ou na face medial e caudal das coxas e, com menor frequência, na face e no pescoço. Os granulomas eosinofílicos são lesões elevadas, firmes, amareladas, lineares a nodulares, não pruriginosas, cuja ocorrência é mais comum na face caudal das coxas (lineares), na cavidade oral, nos espaços interdigitais e no queixo (nodulares). O diagnóstico diferencial de placas eosinofílicas e granulomas inclui etiologias neoplásicas, bacterianas e fúngicas.
Os testes de diagnóstico incluem a citologia e biopsia de pele e, uma vez confirmado o diagnóstico, é necessário identificar e tratar a causa subjacente. Se as causas infecciosas e neoplásicas forem descartadas, o mais provável é que a etiologia seja alérgica.
Prurido na cabeça e no pescoço
O prurido na cabeça e no pescoço (ou cervicofacial) no gato está frequentemente associado a lesões importantes de trauma autoinfligido, alopecia, erosões, crostas e ulcerações (Figura 4). Os diagnósticos diferenciais incluem enfermidades alérgicas, bem como ectoparasitas e dermatoses infecciosas (bacterianas, fúngicas, virais). Nas erosões e úlceras, são frequentes as infecções secundárias por bactérias ou fungos, os quais devem ser identificados por citologia e tratados da devida forma. Na avaliação diagnóstica, é importante realizar a prova com dieta de eliminação, o teste terapêutico contra ectoparasitas e o controle de pulgas. Caso não se observe nenhuma melhora, podem-se considerar a realização de biopsia e teste de PCR para detecção de doenças virais (p. ex., herpes-vírus).
Alergia à pulga e diagnósticos diferenciais
Como a dermatite alérgica à pulga é o tipo mais comum de dermatite alérgica em gatos, esta é a primeira condição que a autora busca descartar na presença de prurido. O prurido é variável, mas pode ser grave, resultando em escoriações importantes e piodermite secundária. Atualmente, há uma grande variedade de produtos contra pulgas disponíveis no mercado, e alguns deles que contêm isoxazolinas são eficazes não só frente a infestações por pulgas, mas também contra outros ectoparasitas, incluindo ácaros Otodectes spp., Notoedres spp., Demodex spp., e Cheyletiella spp. Em geral, trata-se de preparações spot-on, embora também exista um fármaco de administração oral contendo lotilaner disponível no mercado. Vale ressaltar que o FDA dos EUA divulgou um folheto informativo para tutores de pets e médicos-veterinários sobre as isoxazolinas e seus potenciais eventos adversos, afirmando os que “produtos com isoxazolina são associados a reações neurológicas adversas, incluindo tremores musculares, ataxia e convulsões em alguns gatos e cães”. Ao realizar um tratamento empírico parasiticida, o ideal é que todos os animais da casa sejam tratados ao mesmo tempo. Também pode ser indicado o controle de pulgas do ambiente (p. ex., residências com vários pets ou áreas com alta densidade populacional desses animais); os reguladores de crescimento de insetos, como metopreno ou piriproxifeno, podem ser opções seguras e eficazes para o controle ambiental.
Embora o D. gatoi seja um ácaro pouco frequente, também é importante considerá-lo no diagnóstico diferencial; caso se identifique a presença desse ácaro, a realização de imersão em calda sulfocálcica (cal e enxofre) por, no mínimo, seis semanas pode ser eficaz. Recentemente, foi relatado que o tratamento com um produto spot-on comercial contendo imidacloprida a 10%/moxidectina a 1%, administrado na dose recomendada pelo fabricante segundo o peso corporal, uma vez por semana (esquema off-label), é eficaz para o controle do D. gatoi 1, observando-se a resolução dos sinais clínicos após oito semanas de tratamento. Nesse relato, recomendaram-se outros dois tratamentos adicionais após a resolução dos sinais clínicos. Há pouco tempo, também se demonstrou a eficácia do fluralaner em dois gatos com D. gatoi que receberam o fármaco na forma de comprimidos mastigáveis orais disponíveis para cães na dose de 26-34 mg/kg 2. Contudo, o fluralaner está disponível atualmente sob a forma de solução tópica aprovada para uso em gatos em muitos países.
Caso o prurido seja intenso, pode-se lançar mão dos glicocorticoides orais por um breve período de tempo para interromper o ciclo vicioso de coceira e arranhões. A prednisolona/prednisona é uma boa escolha inicial; de modo geral, a autora começa com cerca de 1 mg/kg a cada 24 horas por 3 a 5 dias, depois a cada 48 horas por 3 a 5 dias e, em seguida, a medicação é interrompida.
Normalmente, uma consulta de reavaliação é agendada em quatro semanas, momento em que os gatos com alergia à pulga já terão apresentado uma melhora significativa.
Testes de diagnóstico adicionais
Na avaliação diagnóstica inicial, também se deve realizar uma citologia cutânea para avaliar a presença de infecções secundárias. Os achados citológicos também são úteis no diagnóstico de pênfigo foliáceo (Figura 5), pois a presença de um número significativo de queratinócitos acantolíticos sugere a enfermidade; a exclusão de causas infecciosas, juntamente com os achados histopatológicos, ajuda a confirmar o diagnóstico de pênfigo foliáceo. A dermatofitose também pode se manifestar com um padrão de dermatite miliar, e seu diagnóstico se baseia no exame com lâmpada de Wood, no tricograma (i. e., avaliação direta dos pelos), e na cultura fúngica. É importante ressaltar que, uma vez que a dermatofitose pode mimetizar muitas outras doenças de pele do ponto de vista clínico, ela deve ser considerada e descartada em todos os gatos com lesões cutâneas.
A dermatite causada por reações adversas a alimentos também é um diagnóstico diferencial muito importante para um gato com qualquer um dos padrões de reação cutânea mencionados anteriormente. No presente momento, o método mais preciso para diagnosticar ou descartar uma reação adversa a alimentos, incluindo alergias alimentares, é a prova com uma dieta de eliminação. Embora o conceito teórico dessa prova seja muito simples, geralmente é difícil colocá-la em prática, sobretudo para os tutores de gatos. Para essa prova, podem ser utilizados alimentos com proteínas novas ou ingredientes limitados (comerciais ou caseiros) ou com proteínas hidrolisadas. Contudo, deve-se levar em conta que a maioria dos alimentos hidrolisados disponíveis atualmente contém proteínas com peso molecular entre 6-12 kD, exceto um alimento comercial, cuja proteína hidrolisada é de ≤ 1 kD*. Apesar de a autora ter preferência por alimentos com ingredientes limitados (selecionados com base no histórico alimentar prévio) ou com proteína hidrolisada ≤ 1 kD, no final das contas é o próprio gato quem determina “o alimento ideal”, com base no que ele decidir comer. O gato deve receber exclusivamente o alimento selecionado por, no mínimo, 8 semanas; em uma análise recente, baseada em evidências, concluiu-se que, para diagnosticar reações adversas a alimentos em mais de 90% dos gatos e cães, a prova com dieta de eliminação deve durar pelo menos esse período 3. Ao final de 8 semanas, caso se observe uma melhora dos sinais clínicos, deve-se realizar o teste provocativo com o alimento original (por até 2 semanas) para comprovar se os sinais clínicos reaparecem ou se eles se agravam. Se os sinais clínicos apresentarem recorrência e, depois, desaparecerem com a reintrodução do alimento utilizado durante o teste com a dieta de eliminação, isso confirma o diagnóstico de reação adversa a alimentos. Alguns tutores mais dedicados podem estar dispostos a realizar um “teste sequencial” para identificar o alérgeno alimentar, introduzindo uma nova fonte proteica na alimentação a cada duas semanas. Uma vez identificada a proteína agressora, seu consumo deverá ser evitado no futuro. Caso se utilize um alimento caseiro, procure orientação de um médico-veterinário especialista em nutrição para uso a longo prazo, a fim de garantir que a alimentação seja balanceada.
*Anallergenic (Royal Canin)
Se nenhuma dessas provas levar a um diagnóstico definitivo, então a hipersensibilidade a alérgenos ambientais é o diagnóstico mais provável. Nesse momento, o cliente tem a opção de prosseguir com terapia sintomática e/ou imunoterapia alérgeno-específica.
Terapia para Síndrome Cutânea Atópica Felina
Imunoterapia alérgeno-específica
Para formular a imunoterapia alérgeno-específica, será preciso identificar os alérgenos agressores (ou seja, causais). É recomendável a realização de testes de alergia (através de testes cutâneos e/ou sorológicos) se os clientes optarem por tratar seus gatos com essa opção. Cerca de 60 a 75% dos pacientes apresentam uma resposta de boa a excelente à imunoterapia alérgeno-específica, mas pode levar até um ano para observar uma melhora clínica; além disso, uma terapia sintomática adjuvante é frequentemente necessária durante os primeiros 6 a 12 meses de tratamento. Uma vez controlados os sinais clínicos de forma bem-sucedida com a imunoterapia alérgeno-específica, outras terapias podem ser reduzidas gradualmente e muitas vezes descontinuadas. A descontinuação prematura do tratamento é uma causa relativamente comum de falha terapêutica e, na clínica da autora, prescreve-se 1 ano de imunoterapia alérgeno-específica, tornando menos provável a descontinuação precoce.
Embora a imunoterapia alérgeno-específica seja um tratamento relativamente seguro e bem tolerado para os gatos diagnosticados com síndrome cutânea atópica, a orientação do cliente e o acompanhamento de rotina são essenciais para o sucesso terapêutico; os folhetos de empresas ou laboratórios especializados em alergia são um bom recurso para informar os clientes e oferecer assistência técnica. Os técnicos ou assistentes veterinários da clínica também podem prestar um excelente apoio aos clientes durante o tratamento dos pets. Para realizar testes de alergia e definir a imunoterapia alérgeno-específica, é sempre bom consultar ou encaminhar o caso para uma clínica veterinária especializada em dermatologia.
Terapia sintomática
As opções de tratamento sintomático mais frequentes incluem a administração de ácidos graxos, anti-histamínicos, glicocorticoides, e ciclosporina. A suplementação de ácidos graxos e o uso de anti-histamínicos têm uma taxa de sucesso de aproximadamente 25%, embora essa porcentagem possa ser maior, quando administrados em conjunto, por terem um efeito sinérgico. Clorfeniramina (2-4 mg VO por gato a cada 12 horas), hidroxizina (10 mg VO por gato a cada 12 horas) e clemastina (0,68 mg VO por gato a cada 12 horas) são os anti-histamínicos utilizados com mais frequência pela autora. A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico com propriedades anti-histamínicas, anti-inflamatórias e sedativas, o qual pode ser administrado por via oral ou intradérmica; esta última via de administração pode ser benéfica para os tutores que têm dificuldades em medicar seus gatos. A autora começa com a amitriptilina a uma dose de 10 mg por gato a cada 24 horas. Embora não sejam comuns, os efeitos adversos dos anti-histamínicos em gatos incluem sedação, hipersalivação, retenção urinária, anorexia, vômitos/náuseas e arritmias; por isso, é importante avaliar qualquer problema preexistente que possa aumentar o risco de desenvolvimento desses efeitos colaterais e monitorar o paciente de perto durante o tratamento. Antes do tratamento, é recomendável a realização de exames de sangue e urina, além de consultas de acompanhamento a cada 6 meses.
Os glicocorticoides são utilizados com frequência, e existem diversos produtos e apresentações. Embora os efeitos adversos induzidos por esses agentes sejam menos comuns em gatos do que em cães, podem ocorrer alterações importantes e únicas. Em vários estudos, foram descritos riscos cardiovasculares associados ao uso de glicocorticoides em gatos; por exemplo, foi observada uma associação entre o uso de corticosteroides de depósito de ação prolongada (p. ex., acetato de metilprednisolona) e o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva em gatos sem cardiopatia preexistente 4. O diabetes também é um efeito colateral relativamente comum; em um estudo, até 75% dos gatos apresentaram hiperglicemia após uma única injeção subcutânea de 5 mg/kg de acetato de metilprednisolona 5. O diabetes pode ser transitório ou permanente após a descontinuação da terapia.
A dose inicial da prednisolona ou metilprednisolona pode ser de 0,5-1 mg/kg VO a cada 24 horas por 5-7 dias e, depois, em dias alternados, reduzindo progressivamente até a dose mínima eficaz. Caso não seja possível obter um controle satisfatório nos gatos com ≤ 0,5 mg/kg a cada 48 horas ou menos, poderão ser necessárias outras terapias alternativas. Se a prednisolona não for eficaz, pode-se tentar a triancinolona ou a dexametasona. A triancinolona pode ser instituída a uma dose inicial de 0,2 mg/kg VO a cada 24 dias por 5-7 dias e, depois, reduzida gradualmente para a dose mínima eficaz, de preferência ≤ 0,08 mg/kg a cada 48-72 horas. A dexametasona é administrada inicialmente a uma dose de 0,25-1 mg por gato, VO, a cada 24 horas, por 5-7 dias e, depois, reduzida de forma gradativa para a dose mínima eficaz, idealmente ≤ 0,125 mg a cada 48-72 horas. Em gatos sob glicocorticoide de manutenção, é recomendável a realização de exames, incluindo hemograma completo, perfil bioquímico e urinálise, no início como valor de referência (basal) e a cada 6-12 meses.
Para o controle do prurido a longo prazo em gato com síndrome cutânea atópica, a autora prefere utilizar a ciclosporina. Estudos demonstraram que esse fármaco se trata de uma opção terapêutica segura e eficaz 6, e, em geral , a autora começa com uma dose de 5-7 mg/kg a cada 24 horas. Em um estudo recente, foi sugerida uma dose ideal de 7 mg/kg 7. Embora a melhora inicial possa ser observada na segunda semana de tratamento, pode levar de 4 a 6 semanas para alcançar uma resposta completa. O tratamento costuma ser bem tolerado; embora possam ocorrer vômitos e/ou diarreia, na maioria dos casos os sinais desaparecem, sem a necessidade de interromper o tratamento. Apesar de ser uma complicação rara, há relatos de toxoplasmose fatal 8. Para gatos soronegativos com acesso ao ar livre, não se recomenda o tratamento com ciclosporina; os gatos soropositivos para Toxoplasma parecem estar protegidos da doença aguda fatal. A decisão de tratar gatos soropositivos deve ser tomada com base na possibilidade de recidivas, e as complicações em potencial devem ser discutidas com o cliente. Os mesmos testes de pesquisa (no mesmo intervalo) recomendados para gatos sob glicocorticoides também são indicados para aqueles que recebem terapia de manutenção com ciclosporina.
Outras opções de tratamento
O oclacitinibe, um inibidor da Janus quinase, é utilizado em um esquema off-label (i. e., fora da indicação do rótulo) para o tratamento da síndrome cutânea atópica felina. Os estudos farmacocinéticos demonstraram que esse fármaco é absorvido e eliminado mais rapidamente em gatos do que em cães 9, portanto, talvez seja necessário um intervalo de dosagem mais curto e uma dose mais elevada em felinos. Em um estudo realizado para avaliar a segurança do fármaco administrado a gatos saudáveis na dose de 1 ou 2 mg/kg a cada 12 horas durante 28 dias, observaram-se vômitos e fezes amolecidas naqueles submetidos a 2 mg/kg 10. Em outro estudo controlado com metilprednisolona, constatou-se que o oclacitinibe administrado a 0,7-1,2 mg/kg a cada 12 horas tinha a mesma eficácia que esse corticosteroide no controle dos sinais clínicos da síndrome cutânea atópica felina 11. Além disso, não há estudos de segurança a longo prazo em gatos tratados com o oclacitinibe; por essa razão, seu uso off-label deve ser discutido com o cliente antes de iniciar o tratamento. Os efeitos colaterais descritos incluem anemia e vômitos, bem como aumento de ALT, creatinina e ureia; em gatos positivos para Giardia, relata-se a ocorrência de fezes amolecidas 9. Há relato do caso de um gato tratado com o oclacitinibe que desenvolveu toxoplasmose aguda fatal 12.
O maropitant é um antagonista dos receptores da neurocinina-1 (NK-1 R), cuja ação é inibir a substância P. Essa substância P ativa receptores em mastócitos e neurônios sensoriais, provocando o prurido. Em um estudo aberto em que se administrou o maropitanto VO na dose de 2,2 mg/kg a cada 24 horas para o controle da síndrome cutânea atópica felina 13, os tutores relataram uma resposta de boa a excelente em 83,3% dos casos após um curso terapêutico de 4 semanas. Nos Estados Unidos, não é aprovado o uso do citrato de maropitanto em gatos; além disso, não se realizou nenhum estudo de segurança a longo prazo em felinos submetidos a esse fármaco; portanto, novamente, seu uso off-label também deve ser abordado com o cliente antes de iniciar o tratamento. Em um ensaio clínico recente, indicou-se que a aplicação transdérmica do maropitanto em gatos com vômitos pode ser uma alternativa boa e eficaz; no entanto, há necessidade de mais estudos para determinar a dosagem e a farmacocinética 14.
Os canabinoides são substâncias biologicamente ativas semelhantes ao principal composto psicoativo encontrado na Cannabis sativa. Eles podem ser derivados de plantas, sintéticos, ou endógenos (endocanabinóides). Os endocanabinóides são produzidos naturalmente pelo corpo e incluem a araquidonoiletanolamida (AEA), o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), e a N-palmitoiletanolamida (PEA). Os endocanabinoides se ligam aos receptores canabinoides (CB) 1 e 2. A ativação dos receptores CB2 nos mastócitos diminui a liberação de citocinas inflamatórias, como a IL-2, e aumenta a IL-10, uma citocina anti-inflamatória. Os receptores canabinoides também podem ser encontrados nas fibras nervosas sensoriais da pele, e a ativação desses receptores pode reduzir a sensação de prurido. Em um estudo recente, observou-se uma maior expressão dos receptores CB1 e CB2 em gatos com alergias, quando comparados com outros animais saudáveis da mesma espécie. Isso sugere que o uso de agonistas dos receptores canabinoides, como a PEA, possa ser útil no tratamento da síndrome cutânea atópica felina 15. Em alguns países, o uso de canabinoides já foi autorizado; por exemplo, nos Estados Unidos, está disponível atualmente um suplemento em pó, sem gosto e sem cheiro, contendo 60 mg de PEA por medida de 2 mL; a dose recomendada é de 1 colher/dia em gatos com peso de até 4 kg e 1 colher e meia/dia naqueles com peso superior a 4 kg. Esse produto pode ser aspergido nos alimentos e é bem tolerado, com efeitos colaterais mínimos.
A gabapentina é um agente neuroativo utilizado para o tratamento da dor neuropática. O prurido crônico provoca uma sensibilização neuronal, com hipersensibilidade dos neurônios sensoriais ao estímulo da coceira. Os gabapentinoides, como a gabapentina e a pregabalina, são utilizados para as formas neuropáticas de prurido crônico em seres humanos, com uma resposta satisfatória. A gabapentina vem sendo empregada em gatos para o tratamento da síndrome de hiperestesia, seja como terapia isolada ou em combinação com outra terapia antipruriginosa 16. A autora administra inicialmente 10 mg/kg VO a cada 12 horas, muitas vezes em combinação com PEA, ou com glicocorticoides para reduzir a dose desses agentes. Apesar de pouco frequentes, os efeitos colaterais descritos incluem sedação, ataxia, fraqueza, e tremores musculares.
Caso o tutor não observe uma lambedura excessiva, pode-se realizar um tricograma para avaliar as extremidades das hastes pilosas; se essas pontas estiverem quebradas, o mais provável é que a alopecia seja autoinfligida
Sandra Diaz
Considerações finais
Como as condições dermatológicas felinas tendem a se manifestar com relativamente poucos padrões clássicos, o diagnóstico diferencial pode não ser uma tarefa fácil. Com frequência, uma abordagem sistemática rigorosa, juntamente com a realização de alguns testes de diagnóstico simples, permite a identificação das causas mais frequentes. Existem várias opções de tratamento, e a escolha da mais adequada depende basicamente da etiologia. O controle das pulgas e o tratamento do prurido costumam ajudar a melhorar a qualidade de vida dos gatos com alergia cutânea.
Leitura adicional
- Kirk’s Current Veterinary Therapy XV, 1st ed. Bonagura J, Twedt DC (eds). Oxford, Elsevier Saunders 2014.
- Feline Dermatology: cats are not small dogs. Today’s Veterinary Practice. November/December 2013.
- 2023 AAHA Management of Allergic Skin Diseases in Dogs and Cats Guidelines. J. Am. Anim. Hosp. Assoc. 2023;59(6):255-284.
- Mueller RS, Nuttal T, Prost C, et al. Treatment of the feline atopic syndrome – a systematic review. Vet. Dermatol. 2021;32:43-e8.
Referências
-
Short J, Gram D. Successful treatment of Demodex gatoi with 10% Imidacloprid/1% Moxidectin. J. Am. Anim. Hosp. Assoc. 2016;52(1):68-72.
-
Duangkaew L, Hoffman H. Efficacy of oral fluralaner for the treatment of Demodex gatoi in two shelter cats Vet. Dermatol. 2018;29(3):262.
-
Olivry T, Mueller RS, Prélaud P. Critically appraised topic on adverse food reactions of companion animals (1): duration of elimination diets. BMC Vet. Res. 2015;11:225.
-
Ployngam T, Tobias AH, Smith SA, et al. Hemodynamic effects of methylprednisolone acetate administration in cats. Am. J. Vet. Res. 2006;67(4):583-587.
-
Scott DW, Kirk RW, Bentinick-Smith J. Some effects of short-term methylprednisolone therapy in normal cats. Cornell Vet. 1979;69(1):104-105.
-
Roberts ES, Vanlare KA, Strehlau G, et al. Safety, tolerability, and pharmacokinetics of 6-month daily dosing of an oral formulation of cyclosporine (ATOPICA for cats®) in cats. J. Vet. Pharmacol. Ther. 2014;37(2):161-168.
-
Colombo S, Sartori R. Ciclosporin and the cat: Current understanding and review of clinical use. J. Feline Med. Surg. 2018;20(3):244-255.
-
Last RD, Suzuki Y, Manning T, et al. A case of fatal systemic toxoplasmosis in a cat being treated with cyclosporin A for feline atopy. Vet. Dermatol. 2004;15(3):194-198.
-
Ferrer L, Carrasco I, Cristòfol C, et al. A pharmacokinetic study of oclacitinib maleate in six cats. Vet. Dermatol. 2020;31(2):134-137.
-
Lopes NL, Campos DR, Machado MA. A blinded, randomized, placebo-controlled trial of the safety of oclacitinib in cats. BMC Vet. Res. 2019;15(1):137.
-
Noli C, Matricoti I, Schievano C. A double-blinded, randomized, methylprednisolone-controlled study on the efficacy of oclacitinib in the management of pruritus in cats with nonflea nonfood-induced hypersensitivity dermatitis. Vet. Dermatol. 2019;30(2):110-e30.
-
Moore A, Burrows AK, Malik R, et al. Fatal disseminated toxoplasmosis in a feline immunodeficiency virus-positive cat receiving oclacitinib for feline atopic skin syndrome. Vet. Dermatol. 2022;33(5):435-439.
-
Maina E, Fontaine J. Use of maropitant for the control of pruritus in non-flea, non-food-induced feline hypersensitivity dermatitis: an open-label, uncontrolled pilot study. J. Feline Med. Surg. 2019;21(10):967-972.
-
Boukaache Y, Ferret M-L, Delteil-Prévotat V, et al. Evaluation of the efficacy of transdermal administration of maropitant in managing vomiting in cats. Open Vet. J. 2022;12(5):618-621.
-
Miragliotta V, Ricci PL, Albanese F, et al. Cannabinoid receptor types 1 and 2 and peroxisome proliferator-activated receptor-α: distribution in the skin of clinically healthy cats and cats with hypersensitivity dermatitis. Vet. Dermatol. 2018. DOI: 10.1111/vde.12658. Epub ahead of print.
-
Matsuda KM, Sharma D, Schonfeld AR, et al. Gabapentin and pregabalin for the treatment of chronic pruritus. J. Am. Acad. Dermatol. 2016;75(3):619-625.
Sandra Diaz
A Dra. Diaz recebeu seu diploma de bacharel em Ciências Veterinárias na Universidade Santo Tomás, no Chile Leia mais