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Este artigo contém fotos sensíveis que podem ser prejudiciais para crianças.

Número da edição 32.3 Cardiologia

Tromboembolismo arterial felino

Publicado 31/07/2023

Escrito por Michael Aherne

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

O tromboembolismo no gato é uma doença que pode ocorrer sem aviso prévio, na qual a avaliação e a tomada de decisão do clínico podem fazer a diferença entre a vida e a morte, conforme explica Michael Aherne neste artigo.

Gatos com tromboembolismo

Pontos-chave

O tromboembolismo arterial apendicular (i. e., que afeta as extremidades) pode ser diagnosticado com base nos achados clássicos do exame físico de rotina.


O tromboembolismo arterial é quase sempre secundário a alguma cardiopatia avançada, e cerca de 50% dos gatos afetados apresentam insuficiência cardíaca congestiva concomitante no momento do diagnóstico.


O tratamento imediato baseia-se na analgesia apropriada com agonistas opioides mu puros e no uso de antitrombóticos, embora este último agente seja necessário a longo prazo para reduzir o risco de recidivas.


O prognóstico nos estágios precoces (i. e., nas fases iniciais) é de reservado a mau, com risco de lesão por reperfusão e alta incidência de cardiopatias concomitantes, mas melhora se os pacientes sobreviverem até a alta hospitalar.


Introdução

O tromboembolismo arterial ocorre quando um trombo se transforma em um êmbolo e obstrui uma artéria periférica. De modo geral, o tromboembolismo arterial se manifesta de forma aguda ou hiperaguda, com sinais clínicos graves. Parece que os gatos têm maior tendência a desenvolver tromboembolismo arterial (com prevalência relatada de aproximadamente 0,3-0,6% 1,2), quando comparados com outras espécies. Embora isso possa ser atribuído a vários fatores, o mais notável é a maior prevalência de miocardiopatia, com consequente aumento de volume do átrio esquerdo. Uma grande proporção de gatos com tromboembolismo arterial são submetidos à eutanásia na apresentação inicial em virtude da gravidade dos sinais clínicos, mas um número significativo dos que recebem tratamento e sobrevivem à estabilização inicial pode recuperar a função motora das extremidades afetadas, mantendo uma boa qualidade de vida. Infelizmente, o tipo e a gravidade de qualquer outra doença concomitante ou subjacente podem limitar o prognóstico do gato com tromboembolismo arterial a longo prazo.

Etiologia e fisiopatologia

Os gatos parecem ter maior predisposição à formação de trombos intracardíacos, em comparação com outras espécies 3,4. A maioria desses trombos ocorre como resultado de doença cardíaca avançada, com consequente aumento de volume do átrio esquerdo. A miocardiopatia hipertrófica é a causa mais comum, mas qualquer outra miocardiopatia ou defeito congênito (por exemplo, estenose mitral) que afete o lado esquerdo do coração pode causar tromboembolismo arterial. Apesar de rara, a endocardite infecciosa pode levar à embolização sistêmica de trombos sépticos. No entanto, nem todos os casos de tromboembolismo arterial são causados por doenças cardíacas. A neoplasia pulmonar, com subsequente embolia tumoral, é a causa mais frequente de tromboembolismo arterial não cardiogênico no gato 2, e, em alguns casos, o tromboembolismo arterial se desenvolve espontaneamente, sem que nenhuma causa aparente seja identificada.

A tríade de Virchow descreve os fatores que predispõem à atividade trombótica excessiva: hipercoagulabilidade, estase do fluxo sanguíneo, e disfunção endotelial (Figura 1). Qualquer alteração que envolva um ou vários desses fatores pode dar origem ao tromboembolismo arterial. Na verdade, em muitos gatos com tromboembolismo arterial cardiogênico, é provável que todos os fatores desempenhem um papel. Um dos principais componentes identificados que contribui para a hipercoagulabilidade em gatos com tromboembolismo arterial é a hiperagregação plaquetária 5,6, mas pode ser difícil determinar o estado de hipercoagulabilidade. O método de referência para avaliar a função de plaquetas nos gatos é a agregometria plaquetária, mas os resultados desse teste são altamente dependentes da habilidade e experiência do operador (ou seja, de quem o realiza) 5,6. Pode haver uma sobreposição significativa nos intervalos de referência para o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) e o tempo de protrombina (TP) entre os animais hipercoaguláveis e os normais e, portanto, a utilidade desses testes é limitada na identificação de estados de hipercoagulabilidade, sendo mais adequados para a identificação de hipocoagulabilidade. O trombograma automatizado calibrado é uma alternativa e, recentemente, demonstrou ser um teste mais sensível do que o TP, o TTPa e a tromboelastografia rotacional 7. Esse trombograma, portanto, pode desempenhar um papel como método de medição da hemostasia em gatos no futuro. A dilatação do átrio esquerdo pode levar à estase do fluxo sanguíneo e ao dano endotelial, o que pode ser agravado pela disfunção sistólica atrial esquerda concomitante.

Fatores que influenciam a tríade de Virchow e a patogenia da trombose

Figura 1. Fatores que influenciam a tríade de Virchow e a patogenia da trombose.

Conforme mencionado anteriormente, na maioria dos gatos com tromboembolismo arterial, o trombo se forma a princípio no lado esquerdo do coração antes de se desprender, seja inteiro ou apenas um fragmento. Posteriormente, o trombo entra na circulação sistêmica e acaba se alojando em uma artéria de calibre menor que o diâmetro do trombo em si (Figura 2). A formação de trombo e a subsequente embolia não só causam obstrução mecânica direta da artéria afetada, mas também provocam uma cascata de eventos vasoativos que resultam em vasoconstrição da circulação colateral. A oclusão da circulação sistêmica na área acometida gera isquemia aguda dos tecidos irrigados pelo(s) vaso(s) obstruído(s), dando origem à manifestação clínica do tromboembolismo arterial. Na maioria dos casos, ocorrem hipoperfusão sistêmica e choque (distributivo, cardiogênico ou ambos).

Vários estudos apoiam o envolvimento de mediadores vasoativos na patogenia do tromboembolismo arterial felino 8. Estudos também demonstraram que, ao administrar ciproeptadina (antagonista serotoninérgico) ou ácido acetilsalicílico em altas doses (inibidor do tromboxano A2) antes da formação do trombo, é possível manter a circulação colateral e evitar a paralisia 9,10.

Necropsia de gato

Figura 2. Necropsia de gato eutanasiado com tromboembolismo aórtico distal (trombo em sela). Na aorta distal, pode-se observar um grande trombo, estendendo-se para ambas as artérias ilíacas externas.
© Dept. of Veterinary Pathology, University of Liverpool

Apresentação clínica

O tromboembolismo arterial felino é mais frequente em machos do que em fêmeas 1,2,11,12,13, o que provavelmente reflete a maior prevalência de miocardiopatia hipertrófica em machos 2,14. Em geral, acomete gatos entre 8 e 12 anos de idade 1,2,11,12, e entre as raças super-representadas estão o Abissínio, o Sagrado da Birmânia e o Ragdoll 2 além do Maine Coon, Himalaia, Siamês e Persa 1,2,11; no entanto, a maioria dos gatos afetados são os domésticos de pelo curto ou longo 1,2,11,12.

O tromboembolismo arterial geralmente se apresenta de forma aguda ou hiperaguda, com poucos ou nenhum sinal de alerta. Os gatos acometidos revelam um grau significativo de angústia ou ansiedade, o que pode ser muito preocupante para os tutores. Esses gatos também apresentam dor intensa na(s) extremidade(s) envolvida(s), vocalizam com frequência e exibem sinais evidentes de angústia e desconforto (Figura 3). Outros sinais clínicos podem ser observados, dependendo da localização específica do tromboêmbolo na circulação periférica; isso, por sua vez, depende tanto do diâmetro do êmbolo como do calibre do vaso do sistema arterial (ou seja, ao longo dos vários níveis da árvore arterial). A localização nas artérias que irrigam as extremidades é mais comum, mas outras artérias (por exemplo, renais, mesentéricas ou cerebrais) também podem vir a ser afetadas no tromboembolismo arterial felino.

O tromboembolismo aórtico distal (trombo em sela) ao nível da trifurcação aórtica, caracterizado por paralisia ou paresia de um ou ambos os membros posteriores, é a manifestação mais comum do tromboembolismo arterial felino. Se ambos os membros posteriores forem acometidos, um membro pode ser afetado em maior extensão do que o outro. A próxima apresentação mais comum corresponde à embolização de qualquer uma das artérias braquiais, manifestando-se com sinais do neurônio motor inferior no membro anterior acometido. Dos gatos diagnosticados com tromboembolismo arterial em uma clínica geral, 20,8% deles apresentavam o acometimento de um único membro, 77,6% dois membros e 1,2% três ou quatro membros 1. Nas extremidades afetadas, podem ser observados déficits neurológicos, e o gato frequentemente arrasta esses membros. O grau de oclusão vascular determinará a gravidade dos sinais clínicos, de tal modo que, se a oclusão for parcial, os sinais serão mais sutis (i. e., leves). Dependendo da localização da embolia, podem ser observados outros sinais (incluindo alterações do sistema nervoso central, vômitos, ou dores abdominais) 2, e o diagnóstico pode ser um desafio quando o tromboembolismo não afeta as artérias das extremidades. Os gatos acometidos costumam apresentar hipotermia, principalmente em virtude da hipoperfusão sistêmica e do choque associado à cascata vasoativa (i. e., liberação de substâncias vasoativas) após isquemia tecidual, embora a oclusão direta da irrigação arterial dos membros posteriores também possa contribuir com esse quadro.

Em alguns gatos com tromboembolismo arterial, podem ser detectados sinais da cardiopatia subjacente (p. ex., sopros, ritmo de galope, ou arritmias), mas a ausência de anomalias na auscultação não exclui a presença de doença cardíaca de base. A existência de ritmo de galope em um gato afetado é associada a um mau prognóstico 14. Alguns gatos também podem apresentar sinais de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) concomitante, como taquipneia, dispneia, ortopneia, crepitações pulmonares, e respiração de boca aberta. Entre 40-67% dos gatos com tromboembolismo arterial apresentam ICC concomitante 2,12,13, embora a respiração de boca aberta e a taquipneia também possam ser atribuídas à dor. Os sinais agudos de tromboembolismo arterial costumam ser os primeiros indicadores de doença cardíaca grave e, na maioria dos casos, o histórico não revela antecedentes conhecidos de cardiopatia.

Gatos com tromboembolismo e neuromiopatia isquêmica associada

Figura 3. Gatos com tromboembolismo e neuromiopatia isquêmica associada quase sempre apresentam dor intensa e devem receber analgesia adequada.
© Shutterstock

Achados do teste de diagnóstico

Os gatos frequentemente apresentam hiperglicemia de estresse (em virtude da liberação de epinefrina e cortisol) e azotemia pré-renal ou renal; a elevação do nitrogênio ureico sanguíneo (BUN, sigla em inglês) ou, simplesmente, ureia é mais frequente e grave que a da creatinina 2,11. A azotemia pré-renal ocorre como resultado de má perfusão sistêmica e choque; a relação BUN:creatinina pode estar aumentada. A azotemia renal ocorre como consequência direta do tromboembolismo das artérias renais (embora em alguns casos também possa ser decorrente de doença renal crônica existente ou lesão renal aguda por choque). Devido à isquemia muscular, ocorre elevação significativa da creatinoquinase (CK) sérica; além disso, é comum a ocorrência de hiperfosfatemia. Uma das complicações mais importantes e potencialmente fatais do tromboembolismo arterial felino é a hipercalemia, o que pode ser grave e frequentemente resulta de lesão por reperfusão, uma vez que a perfusão tecidual é restabelecida, embora às vezes essa anormalidade nos níveis de potássio possa ser detectada na apresentação. Outros distúrbios eletrolíticos, como hipocalcemia e hiponatremia, também podem ser observados. A concentração do dímero-D pode estar elevada em gatos acometidos, mas, conforme indicado anteriormente, os resultados dos testes de coagulação de rotina (como TP e TTPa) costumam permanecer dentro dos limites da normalidade.

O diagnóstico de tromboembolismo arterial apendicular (i. e., quando afeta as extremidades) pode ser tipicamente formulado com base apenas no exame físico, com 5 sinais cardinais associados à doença, comumente conhecidos como "os 5 P's": processo doloroso (ou, simplesmente, dor), paralisia/paresia, ausência de pulso, palidez, e poiquilotermia ou pecilotermia (Figura 4). No momento da apresentação, o gato apresenta dor nas extremidades afetadas, muitas vezes com rigidez muscular e sinais do neurônio motor inferior, o que pode variar de uma leve paresia a paralisia completa. Em um estudo, relatou-se certa manutenção da função motora nos membros afetados em aproximadamente 34% dos gatos, com maior probabilidade de preservação da função motora quando os membros anteriores ou um único membro posterior são afetados 2. Na maioria dos casos, o pulso arterial distal ao nível da embolia está ausente ou muito débil (fraco); no entanto, cabe ressaltar que pode ser difícil determinar a qualidade do pulso, particularmente nos membros anteriores, em alguns gatos sem tromboembolismo arterial; o pulso também pode ser de difícil detecção em pacientes que estão obesos ou não colaboram, sobretudo na presença de dor aguda. Nesses casos, pode ser útil a ultrassonografia com Doppler da(s) extremidade(s) afetada(s). Os coxins plantares e os leitos ungueais dos membros acometidos devem ser examinados; geralmente, observa-se palidez ou até cianose, dependendo do grau de isquemia tecidual, sendo útil a comparação com membros normais (Figura 5). A poiquilotermia (temperatura mais baixa nas extremidades afetadas em relação às demais) é consequência da redução ou ausência de fluxo sanguíneo distal à embolia. Uma diferença de 2,4°C na temperatura entre as extremidades ipsolaterais (afetadas e normais) na termografia infravermelha demonstrou ter excelente especificidade (100%) e alta sensibilidade (80%) para o diagnóstico de tromboembolismo arterial felino 15. Outro teste que auxilia no diagnóstico é a diferença entre as medições da glicemia e do lactato sérico entre os membros acometidos e normais. Em amostras de sangue venoso periférico obtidas das extremidades afetadas distalmente à embolia, a concentração de glicose é menor e a de lactato é maior do que nas amostras coletadas das veias centrais ou das extremidades não afetadas; uma diferença na glicemia absoluta de ≥ 30 mg/dL entre as amostras de sangue central e periférico demonstrou ter sensibilidade de 100% e especificidade de 90% para a identificação do tromboembolismo arterial felino 16. Não foi determinado o valor de corte ideal para a identificação de tromboembolismo arterial felino com o uso da diferença na concentração de lactato sérico entre os membros afetados e normais.

Várias modalidades de diagnóstico por imagem, como ultrassonografia, angiografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética da artéria envolvida, podem ser usadas para confirmar o diagnóstico ou investigar a presença de causas subjacentes, mas raramente são necessárias.

Os 5 ‘P’s

Figura 4. A regra dos 5'P's: Achados clínicos típicos de tromboembolismo arterial apendicular (ou seja, que afeta as extremidades).

gato com coxins plantares não pigmentados

Figura 5. No gato com coxins plantares não pigmentados, é possível detectar a presença e a gravidade do tromboembolismo pela palidez ou cianose desses coxins. Neste gato, conforme pode ser observado pela palidez dos coxins plantares, apenas o membro pélvico direito estava acometido. Os coxins plantares do membro posterior contralateral não afetado encontram-se normais.
© Michael Schaer, DVM, Dip. ACVIM, Dip. ACVECC

Tratamento e desfecho

Estabilização aguda e tratamento a curto prazo

A maioria dos gatos com tromboembolismo arterial apresenta dor e desconforto intensos; portanto, uma analgesia imediata e eficaz é uma das prioridades no tratamento inicial, de preferência com agonistas opioides mu puros (por exemplo, metadona, fentanila, oximorfona, ou hidromorfona). A oxigenoterapia é recomendada em qualquer gato com dificuldade respiratória (Figura 6). No entanto, é preciso ter uma conversa franca e aberta com os tutores sobre os vários fatores prognósticos a serem considerados ao decidir prosseguir com o tratamento versus proceder à eutanásia. Temperatura retal abaixo de 37°C 1,2, bradicardia 2,11, ausência de função motora 2, envolvimento de mais de uma extremidade 2 e ICC concomitante confirmada estão associados a menor taxa de sobrevida.

Uma vez realizada a estabilização inicial por meio de analgesia e oxigenoterapia, deve-se fazer uma avaliação do gato, mantendo a estabilidade desse paciente, para detectar uma possível ICC. A presença de edema pulmonar pode ser observada nas radiografias, enquanto a ultrassonografia no local de atendimento permite identificar a ocorrência de derrame pleural. Se o derrame pleural for significativo, deve-se realizar o procedimento de toracocentese. Em gatos com ICC confirmada (ou com alto grau de suspeita), deve-se instituir tratamento diurético (furosemida na dose de 1-2 mg/kg IV ou IM), repetindo-o em intervalos adequados até obter o efeito desejado. Posteriormente, o intervalo de dosagem pode ser ajustado, conforme a necessidade.

oxigenoterapia e analgesia

Figura 6. A oxigenoterapia e a analgesia devem ser instituídas assim que o gato com suspeita de tromboembolismo chegar ao consultório e uma breve avaliação neurológica for realizada.
© Shutterstock

Os sinais de má perfusão sistêmica e choque, presentes na maioria dos gatos com tromboembolismo arterial, devem ser tratados imediatamente. Os gatos com cardiopatia grave descompensada podem apresentar choque cardiogênico, enquanto a isquemia tecidual e a liberação de substâncias vasoativas podem causar choque distributivo; a abordagem específica para o tratamento da hipoperfusão dependerá da natureza do choque, embora isso possa ser difícil de distinguir no momento da apresentação. A fluidoterapia pode ser considerada em gatos desidratados sem evidência de ICC, mas deve-se ter cuidado com a administração de fluidos IV naqueles com cardiopatia concomitante. Inotrópicos positivos, como pimobendana (0,15 mg/kg IV ou 0,3 mg/kg VO), podem ser úteis em gatos com doença cardíaca descompensada e ICC, especialmente quando apresentam sinais de disfunção sistólica do miocárdio; entretanto, não há evidências de benefícios desses fármacos quanto à sobrevida. A má perfusão sistêmica e o choque resultam em baixa temperatura retal e, em muitos casos, até hipotermia generalizada; no entanto, deve-se evitar o aquecimento ativo até que a perfusão sistêmica seja corrigida, pois isso só servirá para piorar a perfusão central e os efeitos clínicos do choque em virtude da vasodilatação periférica, o que leva a um maior desvio de sangue a partir de órgãos vitais.

O tratamento antitrombótico deve ser iniciado assim que o paciente estiver estabilizado para evitar a disseminação de trombos existentes e prevenir a formação de novos trombos; todavia, deve-se levar em conta que esses fármacos não promovem a lise dos trombos existentes. É recomendável o uso de heparina de baixo peso molecular, como dalteparina (75-150 UI/kg SC a cada 6 horas) 17, ou heparina não fracionada (250-300 UI/kg a cada 6 horas) 17,18 suspendendo o tratamento 2-3 dias após a estabilização e uma vez iniciado o tratamento antitrombótico oral.

O clopidogrel deve ser administrado assim que a administração oral for tolerada pelo paciente. Esse fármaco é antagonista do difosfato de adenosina, inibindo de forma reversível a agregação plaquetária. Recomenda-se uma dose de ataque inicial de 75 mg/gato, VO, a cada 24 horas, seguida de uma dose de manutenção de 18,75 mg/gato, VO, a cada 24 horas 19. Muitos gatos têm aversão ao clopidogrel por conta de seu gosto amargo; por essa razão, deve-se considerar o uso de produtos disponíveis para melhorar a adesão ao tratamento, como a apresentação em cápsulas gelatinosas ou líquidos aromatizados. Normalmente, o clopidogrel costuma ser bem tolerado, embora sinais de sangramento excessivo (por exemplo, hematomas) possam ser observados em doses mais altas. Em pacientes submetidos a esse tratamento, é recomendável a obtenção de amostras de sangue de veias periféricas, utilizando bandagens compressivas apropriadas para garantir a hemostasia após a punção venosa.

O clopidogrel tem se mostrado mais eficaz do que o ácido acetilsalicílico na prevenção secundária do tromboembolismo arterial 20. No entanto, como os mecanismos de ação de ambos os fármacos são diferentes, o tratamento combinado pode ser considerado em alguns pacientes, embora não haja estudos suficientes sobre a eficácia dessa combinação. O ácido acetilsalicílico inibe a agregação plaquetária por inibir de maneira irreversível a produção de tromboxano A2 na plaqueta e costuma ser administrado em doses de 20,25-81 mg/gato, VO, a cada 72 horas. Para reduzir o risco de ulceração gastrointestinal, ele só deve ser administrado quando o paciente tiver retomado a ingestão de alimentos.

O tratamento do tromboembolismo arterial felino com trombolíticos, incluindo ativador do plasminogênio tecidual 21,22, estreptoquinase 11, e uroquinase 23 não é recomendado; não foi demonstrado nenhum benefício na taxa de sobrevida com esses fármacos, em comparação com o tratamento antitrombótico-padrão; além disso, foram relatadas complicações significativas com o uso de trombolíticos, em particular hipercalemia com risco de vida, muito provavelmente como consequência da síndrome de reperfusão.

O grau de dor do paciente deve ser avaliado de forma rotineira para manter a analgesia eficaz contínua por um período de, no mínimo, 24 a 48 horas. Após esse período, a necessidade de analgésicos agonistas opioides mu puros diminui consideravelmente, podendo ser suficiente a administração de buprenorfina (agonista opioide mu parcial). Além disso, uma vez que o paciente tenha sido estabilizado, outros testes de diagnóstico devem ser realizados para investigar as possíveis causas subjacentes. Esses exames podem incluir hemograma completo, bioquímica sérica, ecocardiografia ou ultrassonografia de qualquer artéria envolvida, dependendo da avaliação inicial do paciente.

A lesão por reperfusão nos tecidos isquêmicos pode levar ao surgimento de hipercalemia e acidose graves com risco de vida, sendo uma das complicações mais importantes do tratamento. Todos os pacientes devem ser monitorados de perto quanto à presença de anormalidades bioquímicas, especialmente nas primeiras 48-72 horas após a apresentação clínica. A síndrome de reperfusão deve ser imediatamente tratada com terapia apropriada (por exemplo, administração de dextrose, insulina e dextrose, gliconato de cálcio, ou bicarbonato de sódio), conforme a necessidade. A manipulação das extremidades afetadas (incluindo fisioterapia) deve ser evitada por pelo menos 72 horas, pois isso pode levar ao influxo agudo de potássio e lactato na circulação, aumentando o risco de lesão por reperfusão.

Michael Aherne

Existem 5 sinais cardinais associados ao tromboembolismo arterial apendicular, comumente conhecidos como os 5 P's: processo doloroso (ou, simplesmente, dor), paralisia/paresia, ausência de pulso, palidez e poiquilotermia.

Michael Aherne

Tratamento a longo prazo

O tratamento com clopidogrel (18,75 mg/gato) deve ser mantido a longo prazo e demonstrou ser superior ao ácido acetilsalicílico para a prevenção secundária do tromboembolismo arterial 20. Inibidores orais do fator Xa (por exemplo, rivaroxabana a 0,5-1 mg/kg/dia) foram sugeridos como agentes antitrombóticos alternativos para o tratamento de curto e longo prazo do tromboembolismo arterial, mas os dados prospectivos sobre sua eficácia são limitados. No entanto, estudos clínicos com rivaroxabana estão em andamento, e uma análise retrospectiva do uso de clopidogrel associado à rivaroxabana demonstrou que essa combinação era bem tolerada e tinha poucos efeitos adversos 24. Atualmente, recomenda-se que esses fármacos sejam administrados em combinação com a terapia-padrão com o clopidogrel e não como substituto do mesmo 19.

O tratamento com heparina de baixo peso molecular ou heparina não fracionada pode ser mantido em casa a longo prazo em gatos que sofreram tromboembolismo arterial grave ou naqueles que tiveram episódios recorrentes desse tipo de tromboembolismo, mas essas opções não fazem parte do tratamento de rotina a longo prazo. Além disso, os dados sobre os resultados dessa abordagem são limitados.

Dada a alta prevalência de cardiopatia subjacente, o tratamento clínico adequado dessa enfermidade é necessário na maioria dos casos de tromboembolismo arterial. Em gatos com ICC concomitante, há necessidade de tratamento contínuo com diuréticos (furosemida na dose de 0,5-2 mg/kg VO a cada 8-12 horas). A função dos rins e a concentração de eletrólitos devem ser avaliadas e, se estiverem normais, deve-se considerar o uso dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) (benazepril a 0,5-1 mg/kg ou enalapril a 0,25-0,5 mg/kg, ambos VO a cada 12-24 horas), mantendo um monitoramento rigoroso da função renal. Em gatos com azotemia ou doença renal existente conhecida, deve-se ter cautela. Em gatos com evidência de disfunção sistólica, pode-se utilizar a pimobendana (0,3 mg/kg VO a cada 12 horas), embora esse uso seja fora da indicação do rótulo. O tratamento antiarrítmico deve ser feito com base no tipo e na gravidade de qualquer arritmia concomitante; para obter mais informações sobre o tratamento a longo prazo, deve-se recorrer à literatura especializada 19.

O início da fisioterapia, incluindo exercícios de mobilidade passiva das extremidades acometidas, é recomendável assim que o paciente se encontrar estabilizado, a dor estiver bem controlada e o risco de lesões por reperfusão tiver diminuído. Os tutores devem ser instruídos sobre como realizar os exercícios. A manipulação passiva das extremidades afetadas deve continuar a ser feita em casa por, pelo menos, algumas semanas até que a função motora melhore e o risco de contratura muscular diminua.

Prognóstico

Em um estudo, observou-se que, em clínicas gerais, apenas 12% dos gatos com tromboembolismo arterial sobreviveram, no mínimo, 7 dias após a apresentação na consulta 1; 61,2% dos gatos foram submetidos à eutanásia no momento da apresentação, e 8,8% e 2,8% foram eutanasiados ou vieram a óbito, respectivamente, dentro de 24 horas após o início do tratamento e, no geral, apenas 27,2% dos gatos sobreviveram por mais de 24 horas 1. Em contrapartida, a taxa de sobrevida em clínicas de referência é de aproximadamente 30-40% (e, inclusive, até 73%) 2,11,12,13 embora a influência do viés exercida pelo fato de serem centros de referência não possa ser excluída na explicação desses números. A baixa taxa de sobrevida na clínica geral pode refletir a percepção de um prognóstico mau e a tendência inerente de realizar a eutanásia dos gatos acometidos no momento da apresentação. Por outro lado, a taxa de sobrevida em gatos com apenas um membro afetado pode ser de 70-80% 11,13 e até 90% se algum grau da função motora estiver preservado no momento da apresentação 12. Os sinais clínicos resultantes do tromboembolismo arterial costumam apresentar uma melhora significativa após as primeiras 24-48 horas de tratamento, e muitos dos pacientes que sobrevivem por mais de 48-72 horas recuperam parte ou mesmo toda a função motora em 1 ou 2 meses. Esses resultados sugerem que o tratamento por, pelo menos, as primeiras 72 horas seja justificável, o que pode aumentar as taxas de sobrevida global. Entretanto, o envolvimento de dois ou mais membros 1,2, o histórico de episódios prévios de tromboembolismo arterial 14, a ocorrência de bradicardia 2,11, a presença de ritmo de galope 14, e a temperatura retal abaixo de 37°C 1,2 são indicadores prognósticos negativos significativos. Uma temperatura retal inferior a 37,2°C no momento da apresentação está associada a uma taxa de sobrevida menor que 50% 2.

Também podem ocorrer complicações a longo prazo em gatos que sobrevivem a um episódio de tromboembolismo arterial. A incidência de contratura muscular pode ser atenuada mediante a realização de fisioterapia durante a internação e, depois, em casa após a alta hospitalar. Nas extremidades afetadas, podem ocorrer necrose e descamação da pele secundariamente à isquemia induzida pelo tromboembolismo arterial, mas essas complicações podem levar vários dias até se tornarem evidentes. Tais lesões podem estar localizadas nos dedos ou afetar áreas mais extensas da pele e, nesse caso, talvez haja necessidade de tratamento cirúrgico. A amputação da extremidade afetada pode ser necessária quando a perfusão se encontra tão deficiente a ponto de causar necrose em toda a extremidade 2. As escoriações nas patas provocadas por arrastamento dos membros e o autotraumatismo dos membros acometidos em virtude da dor neuropática são complicações que podem ser encontradas em casos com déficits neurológicos persistentes. Nesses gatos, pode-se considerar o tratamento com a gabapentina para dor neuropática, mas a utilidade desse fármaco no tromboembolismo arterial felino não foi investigada. Os riscos e sinais de alerta dessas complicações devem ser claramente comunicados aos tutores, de preferência antes de se decidir pelo tratamento ou eutanásia.

Medidas preventivas

Tal como acontece com muitas outras doenças, é melhor prevenir do que remediar, mas, apesar disso, faltam estudos que avaliem a eficácia de qualquer tratamento para a prevenção primária (ou seja, para prevenir o primeiro episódio de tromboembolismo arterial em paciente de risco). Atualmente, recomenda-se o uso do clopidogrel para prevenir o tromboembolismo arterial em gatos de risco 19 e sua eficácia tem se mostrado superior à do ácido acetilsalicílico, aumentando o período de tempo até a recorrência do tromboembolismo arterial ou a morte cardíaca em gatos após um evento inicial desse tipo de tromboembolismo 20. A identificação de gatos com risco de tromboembolismo arterial é provavelmente a barreira mais importante para a prevenção, dada a alta prevalência de gatos com doença cardíaca subclínica subjacente, o que pode passar despercebida pelos tutores. Sempre que um sopro, ritmo de galope ou arritmia for detectado em gatos assintomáticos, a cardiopatia subjacente deverá ser investigada. Vários achados ecocardiográficos foram associados a um maior risco de tromboembolismo arterial em gatos com doença cardíaca conhecida. Esses achados incluem a presença de contraste ecocardiográfico espontâneo (fumaça) (Figura 7), aumento de volume moderado a grave do átrio esquerdo, velocidade do fluxo atrial esquerdo reduzida, redução da fração de encurtamento atrial, fração de ejeção atrial esquerda diminuída, e aumento da espessura da parede ventricular esquerda, dos quais todos são considerados indicações para iniciar o tratamento com clopidogrel em gatos assintomáticos. Diretrizes recentemente desenvolvidas estabeleceram que gatos com miocardiopatia em estágio B2 (assintomáticos com aumento de volume atrial esquerdo moderado a grave) apresentam maior risco do desenvolvimento de ICC ou tromboembolismo arterial, e o uso do clopidogrel é recomendado em todos os gatos nesse estágio B2 ou superior 19. Hoje em dia, o benefício de administrar o clopidogrel juntamente com o ácido acetilsalicílico ou algum inibidor do fator Xa para prevenir o tromboembolismo arterial, em comparação com o clopidogrel isolado, é desconhecido. As recomendações atuais são limitadas em gatos com tromboembolismo arterial não cardiogênico ou pacientes sem causa subjacente identificável, pois a maioria das estratégias preventivas é direcionada a fatores associados ao tromboembolismo arterial cardiogênico.

Achados ecocardiográficos podem indicar um alto risco de tromboembolismo arterial

Figura 7. Achados ecocardiográficos podem indicar um alto risco de tromboembolismo arterial, conforme evidenciado neste ultrassom de gato com 13 anos de idade acometido por miocardiopatia hipertrófica em estágio terminal e ICC. Esta é uma projeção apical esquerda de duas câmaras, otimizando o átrio esquerdo e o apêndice atrial esquerdo, ambos aumentados de volume. A presença de trombo pode ser observada na ponta do apêndice atrial esquerdo (AE). Na porção proximal a isso, na junção do átrio esquerdo com o apêndice atrial esquerdo, observa-se um contraste ecocardiográfico espontâneo, também conhecido como imagem de “fumaça”.

LA (AE): átrio esquerdo; LAA (AAE): apêndice atrial esquerdo (ou auriculeta esquerda); RA (AD): átrio direito; RV (VD): ventrículo direito; SEC (CEE ou “fumo”): contraste ecocardiográfico espontâneo ou imagem de “fumaça”.

© Joanna Dukes-McEwan, University of Liverpool

Considerações finais

Embora o tromboembolismo arterial possa ter uma apresentação hiperaguda e alarmante, geralmente com prognóstico reservado a mau a longo prazo, não se pode considerá-lo como uma sentença de morte em todos os gatos. Se a intervenção for rápida e as decisões clínicas forem tomadas de forma criteriosa com os devidos cuidados intensivos, o prognóstico em geral é variável, dependendo da causa e da gravidade dos sinais clínicos apresentados. Muitos sinais desaparecem nas primeiras 72 horas após o início do tromboembolismo arterial; por isso, em muitos casos, é justificável considerar o tratamento pelo menos nesse período inicial.

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Michael Aherne

Michael Aherne

O Dr. Aherne é diplomado em Cardiologia pelo ACVIM e Professor Clínico Adjunto de Cardiologia na Florid University (Universidade da Flórida) Leia mais

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