Insuficiência pancreática exócrina em cães
A insuficiência pancreática exócrina é uma doença debilitante, subdiagnosticada em cães.
Número da edição 29.3 Doenças hepáticasa
Publicado 08/11/2021
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A hepatite crônica é uma doença comum em cães, mas frequentemente pode passar despercebida, sobretudo nos estágios precoces (iniciais). Cynthia Webster apresenta uma visão geral da doença, com ênfase nas opções diagnósticas e terapêuticas.
Um diagnóstico preciso (exato) de hepatite crônica requer avaliação histopatológica de múltiplas biopsias hepáticas – de preferência, daquelas obtidas por laparoscopia – de diferentes lobos do fígado.
Todas as amostras de biopsia hepática devem ser avaliadas quanto à concentração quantitativa de cobre, uma vez que o excesso desse mineral no fígado é uma importante causa tratável de hepatite crônica.
Uma inflamação hepática significativa pode estar presente em cães que não apresentam sinais clínicos ou imagens diagnósticas de hepatopatia.
Em cães com hepatite crônica idiopática em que se realizou uma busca meticulosa por outras causas, indica-se um ensaio terapêutico com medicamentos imunossupressores para determinar a presença de hepatite imunomediada.
• Inflamação portal, lobular ou centrolobular, linfoplasmocitária e/ou granulomatosa moderada a acentuada • Hepatite de interface (inflamação que rompe a placa limítrofe e se estende para o lóbulo). • Graus variados de morte dos hepatócitos (apoptose ou necrose). • +/- Proliferação do ducto biliar • +/- Fibrose • +/- Regeneração nodular |
Quadro 1. Principais aspectos histopatológicos de hepatite crônica.
A hepatite crônica pode ocorrer em qualquer raça de cão, e o início pode ser insidioso. Esse tipo de hepatite evolui para cirrose em estágio terminal quando se desenvolve um quadro significativo de fibrose e regeneração nodular. A hepatite crônica é definida ao exame histopatológico por certas características importantes, conforme descrito no Quadro 1 1. É fundamental diferenciar a hepatite crônica de um diagnóstico histológico de hepatite reativa inespecífica, em que há infiltrados inflamatórios leves a moderados nas regiões portal, lobular e centrolobular sem evidências de morte ou degeneração celular. Esses infiltrados se devem ao escape de citocinas e endotoxinas inflamatórias de doenças em outros locais do leito esplâncnico 2.
Na maioria dos cães com hepatite crônica, não se consegue determinar a etiologia; nesse caso, a hepatite crônica é conhecida como idiopática 3 4No entanto, várias causas ou causas em potencial são dignas de nota (i. e., devem ser mencionadas).
Embora vários estudos tenham falhado em identificar vírus hepatotrópicos em cães com hepatite crônica, evidências histopatológicas e/ou sorológicas de bactérias Leptospira foram identificadas em colônias laboratoriais de cães; mais recentemente, métodos moleculares identificaram leptospiras em cães com hepatite granulomatosa5. Não se sabe se é o microrganismo ou uma reação imunológica a esse microrganismo o responsável pela hepatite crônica. A leishmaniose está associada à hepatite crônica granulomatosa, enquanto outras infecções por bactérias ( Bartonella), riquétsias ( Ehrlichia, Anaplasma) e protozoários ( Neospora, Toxoplasma, Sarcocystis ) podem causar hepatite crônica canina. Essas infecções, entretanto, são mais frequentemente agudas a subagudas e fazem parte de um processo patológico mais sistêmico.
Vários fármacos e suplementos têm o potencial de causar hepatite crônica em cães e, por essa razão, os clínicos devem ficar atentos para obter um histórico medicamentoso completo 6. A maioria dos medicamentos pode causar lesão hepática aguda, mas alguns, incluindo anticonvulsivantes (fenobarbital, primidona e fenitoína), oxibendazol, lomustina (CCNU), amiodarona, mitotano e AINEs, podem levar à inflamação hepática crônica.
A intoxicação pelo cobre também é uma etiologia em potencial. Normalmente, muitos cães consomem cobre (Cu) em excesso em suas dietas. O cobre que ingressa no fígado precisa se unir a proteínas de ligação desse metal ou ser excretado na bile, uma vez que o Cu livre provoca estresse oxidativo com consequente morte hepatocelular. As concentrações hepáticas normais de Cu no cão são de 120-400 µg/g de peso seco 7.Os danos hepáticos (conforme evidenciados pelo aumento na atividade sérica da alanina aminotransferase [ALT] e por alterações morfológicas) começam quando os níveis ultrapassam 1.000 µg/g de peso seco; tais danos estão invariavelmente presentes com valores de 1.500 µg/g de peso seco ou mais 7 8 Há, no entanto, considerável variabilidade fenotípica na resposta individual de cada cão ao excesso de Cu. Alguns cães têm níveis hepatotóxicos de Cu, mas sem evidência de danos hepáticos, enquanto outros têm apenas leves aumentos de Cu e danos graves 9 10 11.Embora qualquer raça de cão possa acumular esse mineral, algumas raças exibem predileção (Tabela 1) 7. Em alguns cães (p. ex., Bedlington Terrier), o acúmulo de Cu se deve a aberrações genéticas nas proteínas de controle desse metal. Evidências acumuladas, entretanto, sugerem que o excesso de cobre na dieta também contribua para o aumento na incidência de hepatite crônica associada a esse mineral relatada nas últimas duas décadas 10 11. Há cerca de 20 anos, muitas empresas de alimentos para pets trocaram a suplementação dietética de óxido de cobre (que possui uma biodisponibilidade muito baixa) para quelatos de cobre mais biodisponíveis. Essa mudança, somada ao fato de que o National Research Council (Conselho Nacional de Pesquisas) dos Estados Unidos não estabeleceu um limite máximo para o cobre na dieta, resultou em algumas dietas comerciais contendo quantidades excessivas de cobre altamente biodisponível 12 13. Na Europa, a FEDIAF1 estabeleceu um valor máximo para as concentrações de cobre em dietas caninas, apesar de os estudos sugerirem que os cães, particularmente aqueles com predileções raciais, possam acumular o cobre no fígado quando submetidos a dietas com concentrações desse mineral abaixo desse nível 14 15. Vários estudos já demonstraram que os cães (com ou sem hepatite crônica) nas últimas duas décadas apresentam maiores concentrações hepáticas de cobre, em comparação com populações caninas semelhantes antes de 1998 10 11. O diagnóstico de hepatite crônica associada ao cobre requer a avaliação de amostra obtida por biopsia hepática, a qual revelará a presença de hepatite crônica acompanhada por acúmulo de cobre positivo para o corante rodamina, principalmente nos hepatócitos centrolobulares, e níveis hepáticos elevados de cobre (> 400 µg/g de peso seco, tipicamente superior a 1.000 µg/g de peso seco). Contudo, existem vários desafios para formular o diagnóstico de hepatite crônica associada ao cobre. Tais desafios incluem: (a) a variabilidade na concentração de cobre entre os lobos, (b) a presença de fibrose significativa, o que pode diminuir os níveis desse mineral, (c) a ausência de acúmulo de cobre em nódulos regenerativos e (d) a dificuldade de determinar a distribuição lobular por conta de alterações inflamatórias/fibróticas em estágio mais avançado.
Raça | Etiologia | Base genética |
---|---|---|
Bedlington Terrier | Cobre | Sim; gene COMMD1 (maioria) ou ABCB12 |
Dálmata | Cobre | Sim, no entanto, nenhum gene foi identificado |
Labrador Retriever |
Cobre (1/3 dos casos)
Idiopática/imunomediada |
Sim; geneATP7Bem cerca de 1/3 dos cães |
Doberman Pinscher |
Cobre/imunomediada | Desconhecida |
Cocker Spaniel inglês e americano | Idiopática/imunomediada | Desconhecida |
English Springer Spaniel | Idiopática/imunomediada | Desconhecida |
West Highland White Terrier | Cobre
Idiopática |
Sim; no entanto, nenhum gene foi identificado |
Tabela 1. Predisposições raciais à hepatite crônica
1 Fédération européenne de l'industrie des aliments pour animaux familiers (Federação Europeia da Indústria de Alimentos para Pets)
O diagnóstico de hepatite crônica imunomediada é frequentemente considerado quando não se identifica nenhuma outra etiologia. Embora critérios específicos para tal diagnóstico não tenham sido elaborados, sugere-se uma base imunológica em cães com hepatite crônica idiopática pela presença de infiltrado linfocitário moderado a acentuado ao exame histopatológico, autoanticorpos séricos positivos, histórico familiar de hepatite crônica, associação com outras doenças autoimunes (p. ex., hipotireoidismo, atopia, enteropatia inflamatória), sexo (em geral, é mais provável que as fêmeas sejam acometidas) e resposta favorável à terapia imunossupressora 13 O diagnóstico clínico presuntivo de hepatite crônica imunomediada requer o descarte meticuloso de outras etiologias em potencial (toxinas infecciosas, ambientais ou alimentares, medicamentos)
Embora a hepatite crônica possa ocorrer em qualquer cão (inclusive raças mestiças), existem algumas predileções raciais (Tabela 1) 1. A hepatite crônica costuma ser uma doença de cães de meia-idade, mas há relatos de casos em animais de 5 meses até 17 anos de idade. Há uma predisposição em fêmeas nas raças Labrador, Doberman, Dálmata e Springer Spaniel inglês, enquanto os cães da raça Cocker Spaniel exibem uma predisposição em machos (Figura 1).
Os sinais clínicos mais comuns em cães acometidos são inespecíficos e podem incluir letargia/depressão e anorexia. Poliúria e polidipsia são dois dos sinais mais precoces (iniciais). Os sinais mais específicos de hepatopatia, como icterícia, encefalopatia hepática e ascite, são menos comuns e normalmente indicam a presença de doença avançada (Figura 2a,b,c).
Em função da capacidade de reserva do fígado, muitos cães com hepatite crônica apresentam um quadro subclínico; nesses casos, a doença é detectada em exames de sangue de rotina, revelando um aumento na atividade sérica das enzimas hepáticas. É nesse estágio que se deve explorar o diagnóstico, uma vez que a intervenção terapêutica em casos avançados da doença costuma ter menos êxito.
A alanina aminotransferase (ALT) sérica é o melhor teste de triagem para hepatite crônica, embora sua sensibilidade seja de apenas 70-80%. Portanto, pode haver lesões histopatológicas significativas na ausência de uma elevação concomitante da ALT. A magnitude de elevação na atividade dessa enzima é normalmente maior do que aquela observada para a atividade sérica da fosfatase alcalina, e os aumentos desta última enzima ocorrem mais tardiamente na doença. Em casos de cirrose em estágio avançado, os níveis séricos das enzimas hepáticas podem apresentar uma queda acentuada, uma vez que os hepatócitos são substituídos por tecido fibroso. A frequência de outros sinais clinicopatológicos está resumida na Tabela 2.
Parâmetro | % de cães com alteração | Número de estudos (número de cães) |
---|---|---|
ALT aumentada | 85 +/-15 | 10 (250) |
Fosfatase alcalina elevada | 82 +/-18 | 10 (250) |
AST aumentada | 78 +/-10 | 3 (56) |
GGT elevada | 61 +/-12 | 5 (121) |
BUN reduzido | 40 +/-29 | 5 (65) |
Hipoalbuminemia | 49 +/-19 | 15 (323) |
Hipocolesterolemia | 40 +/-12 | 4 (118) |
Tabela 2. Alterações bioquímicas comuns em cães com hepatite crônica.
Os ácidos biliares séricos totais não são um teste de triagem para hepatite crônica. Utilizando 20-25 µmol/L como valor de corte, a sensibilidade de ácidos biliares pré e pós-prandiais para detectar a hepatite crônica é de cerca de 50%. Como os ácidos biliares são muito sensíveis ao desvio de sangue ao redor do fígado, a sensibilidade para cirrose na presença de hipertensão portal e múltiplos desvios (shunts) portossistêmicos adquiridos aumenta para quase 100%. Não é aconselhável esperar até que os ácidos biliares totais séricos estejam elevados antes de prosseguir com a biopsia hepática, pois a essa altura já ocorreram alterações hepáticas significativas e talvez irreversíveis.
Como a combinação de poliúria/polidipsia é um sinal clínico comum em casos de hepatite crônica, observa-se isostenúria concomitante na urinálise. Uma síndrome de Fanconi adquirida transitória (glicosúria com normoglicemia) já foi relacionada com hepatite crônica associada ao cobre 7.
O exame radiográfico do fígado em cães acometidos é geralmente normal; por essa razão, a ultrassonografia é uma parte necessária da avaliação de rotina em todos os cães com suspeita de hepatite crônica. A Tabela 3 apresenta um resumo das alterações ultrassonográficas descritas na literatura especializada. É importante notar que vários estudos demonstraram que não há critérios ultrassonográficos capazes de predizer a presença de hepatite crônica; na verdade, o fígado pode parecer normal em uma varredura, mesmo na existência de doença significativa 17 18 19.
Anormalidade | % de cães que exibem a alteração |
---|---|
Micro-hepatia | 39 |
Ascite | 29 |
Fígado heterogêneo/não homogêneo/mosqueado | 23 |
Fígado hiperecoico | 18 |
Fígado nodular | 17 |
Margens irregulares | 17 |
Normal | 14 |
Hepatomegalia | 7.8 |
Múltiplos desvios (shunts) portossistêmicos adquiridos | 4.3 |
Linfonodos hepáticos infartados | 2.8 |
Fígado hipoecoico | 2 |
Tabela 3. Alterações ultrassonográficas observadas em hepatite crônica.
Em casos de hepatite crônica avançada, o fígado pode aparecer pequeno e exibir margens irregulares (Figura 3) ao ultrassom, com sinais de hipertensão portal. Tais sinais incluem ascite, edema (especialmente visível na vesícula biliar e no pâncreas), velocidade reduzida do fluxo portal (velocidade média 10 cm/s, em comparação com uma faixa normal de 10,5-25,7 cm/s) ou fluxo hepatofugal e visualização de múltiplos desvios portossistêmicos adquiridos, geralmente observados como um plexo complexo de pequenos vasos tortuosos caudais ao rim esquerdo 20.
O diagnóstico de hepatite crônica requer a amostragem de tecido hepático. Aspirados por agulha fina não são adequados para formular o diagnóstico e frequentemente resultam em uma classificação equivocada do processo patológico. Biopsia percutânea guiada por ultrassom com agulhas de calibre grande (14 ou 16G) pode fornecer amostras adequadas para o diagnóstico caso se coletem vários núcleos ou porções centrais 21. A acurácia (precisão) diagnóstica de biopsias com agulha de calibre 18, no entanto, é questionável, pois essas biopsias resultam em um tamanho de amostra relativamente pequeno, são sujeitas à fragmentação na presença de fibrose e talvez não permitam a amostragem de alterações localizadas em outros lobos que não os lobos medial ou lateral esquerdo facilmente acessíveis. Isso representa um problema, uma vez que geralmente há heterogeneidade entre os diferentes lobos hepáticos em termos de gravidade das lesões histopatológicas e do depósito de cobre. Em geral, o diagnóstico preciso (exato) de hepatite crônica requer a avaliação de 10-12 regiões portais pelo patologista, o que é difícil de obter, a menos que se adquiram múltiplas biopsias percutâneas. Todavia, várias biopsias aumentam o risco de sangramento.
A laparoscopia é a técnica preferida para a obtenção de biopsias hepáticas. Isso possibilita a avaliação macroscópica de todo o fígado, do sistema biliar extra-hepático e das estruturas circundantes, ao mesmo tempo em que permite a aquisição de várias amostras grandes que consistentemente resultam em amostras com uma média de 16-18 tríades portais por amostra de biopsia. Para o diagnóstico de hepatite crônica, são obtidas cinco amostras de pelo menos dois lobos diferentes; três para avaliação histopatológica e uma para cultura aeróbia/anaeróbia e outra para quantificação de metais pesados.
Parâmetro de avaliação | Critérios de alto risco |
---|---|
Volume globular (hematócrito) | < 30% |
Contagem de plaquetas | < 80,000 |
TP/TTPa | > 1.5 × o limite superior normal |
vFvW (em raças suscetíveis) | < 50% |
Tempo de sangramento da mucosa buca | > 5 minutos |
Fibrinogênio | < 100 mg/dL |
Quadro 2. Avaliação do risco de sangramento em biopsia hepática.
Os riscos da biopsia incluem complicações anestésicas (sobretudo em pacientes com hepatopatia avançada), hemorragia, embolia gasosa (no momento da laparoscopia), infecção, pneumotórax e choque vagotônico. A principal preocupação é a ocorrência de hemorragia 22. É difícil avaliar o risco de sangramento em cães com hepatopatia que apresentam deficiências de pró-coagulantes e anticoagulantes, bem como de reguladores da fibrinólise. Em cerca de 40% dos cães acometidos, ocorre prolongamento do tempo de protrombina e do tempo de tromboplastina parcial ativada. Em muitos cães, também ocorre uma diminuição do fibrinogênio, da antitrombina e da atividade da proteína C. Uma leve anemia e trombocitopenia estão ocasionalmente presentes. Com base na literatura especializada da medicina humana e nos trabalhos limitados até o momento em cães, as diretrizes para avaliação do risco de sangramento estão descritas no Quadro 213 21 22.
A biopsia percutânea guiada por ultrassom (Figura 4) apresenta um risco maior de sangramento, em comparação às técnicas em que é possível o controle local da hemostasia (p. ex., laparoscopia), embora o risco de complicações (definidas como a necessidade de transfusão sanguínea ou ressuscitação fluídica) aparentemente seja baixo para ambos os métodos, em torno de 1-5% 13 22.
Quando os pacientes de alto risco são identificados, não se sabe se as intervenções terapêuticas – como a administração de hemoderivados ou da vitamina K – reduzirão o risco de hemorragia após a coleta de amostra do fígado. Cães com baixa atividade do fator de von Willebrand são uma exceção, pois esse tipo de paciente deve receber crioprecipitado e desmopressina. Assim, a recomendação em cães de alto risco é prestar uma atenção especial à técnica e monitorá-los com rigor em ambiente hospitalar durante 12 horas após o procedimento de biopsia e, se necessário, ficar preparado para um suporte com hemoderivados 13.
A avaliação de amostras de biopsia hepática requer as colorações de hematoxilina & eosina (H&E), vermelho Sirius ou tricrômico de Masson (para fibrose) e rodamina (para cobre) 21. O patologista deve mencionar o tipo, a localização e a quantidade de inflamação, fibrose e alteração degenerativa (lipidose, vacuolização, lipogranulomas), bem como a presença, o local e a extensão de morte celular e reação ductular, além de citar a distribuição e a quantidade de cobre corado nos lóbulos (Figura 5). Em alguns casos, são indicados corantes especiais para microrganismos infecciosos, particularmente em hepatite piogranulomatosa. Talvez seja necessária uma troca de informações entre o clínico e o patologista para maximizar o valor obtido nas biopsias. Em outros casos, deve-se considerar a avaliação de amostras por um patologista (e internista) com experiência em histopatologia hepática e medicina interna.
A conduta terapêutica é direcionada à etiologia. A suspeita de agentes infecciosos deve ser tratada com terapia antimicrobiana adequada, e os agentes ou medicamentos tóxicos eliminados ou removidos do ambiente do cão. Qualquer aumento no cobre hepático em um cão com hepatite crônica deve ser tratado. O tratamento de hepatite crônica associada ao cobre está resumido na Tabela 4 e envolve a restrição de Cu na dieta e a implementação de métodos para promover a quelação ou impedir a absorção intestinal desse mineral (penicilamina e zinco)7.É indicada a administração concomitante de medicamentos hepatoprotetores e antioxidantes (S-adenosilmetionina, vitamina E ± ácido ursodesoxicólico). Alguns cães com hepatite crônica associada ao cobre apresentam infiltrados inflamatórios acentuados e podem se beneficiar de um breve curso terapêutico com a dose anti-inflamatória de corticosteroides.
Terapias e dosagens | Mecanismo de ação e observações |
---|---|
Dieta com restrição de cobre (Cu) Fornecer dieta comercial ou caseira apropriada com < 5 mg/kg com base no peso seco (0,1-0,12 mg/100 kcal) < 0,1 µg/g de Cu na água; utilizar água destilada ou água de teste para Cu |
Limita a absorção intestinal de Cu. As dietas disponíveis com restrição de Cu geralmente apresentam uma restrição desnecessária de proteína; considerar a suplementação desse nutriente. A maioria dos cães necessita uma dieta pobre em Cu pelo resto de suas vidas. Com as tubulações de Cu, pode-se deixar a água correr por alguns minutos para eliminar esse mineral. |
D-penicilamina 10-15 mg/kg a cada 12 horas VO com o estômago vazio |
Quelante de Cu Os efeitos colaterais comuns incluem náusea e vômitos. Os efeitos colaterais mais raros compreendem deficiência de Cu, Fe ou Zn, deficiência de vitamina B12, erupções cutâneas, proteinúria e discrasias sanguíneas. Pode causar um leve aumento na fosfatase alcalina sérica, além de hepatopatia vacuolar. Não administrar com zinco. |
Zinco (gliconato de zinco) 50 mg a cada 12 horas com o estômago vazio |
Induz a síntese de metalotioneína citoplasmática no intestino e fígado,
reduzindo a absorção de Cu e protegendo o fígado. Remove o cobre lentamente; por isso, é
adequado apenas para a manutenção. Costuma causar náusea e vômitos; raramente se observa anemia hemolítica. Os níveis séricos precisam ser obrigatoriamente monitorados, devendo estar acima de 200 mg/dL, porém abaixo de 1.000 mg/dL. |
S-adenosilmetionina (SAMe) 20 mg/kg VO a cada 24 horas com o estômago vazio |
Aumenta os níveis de glutationa (GSH), além de participar da biossíntese de
poliaminas anti-inflamatórias e da metilação de DNA e membranas, promovendo a estabilidade
celular. Ocasionalmente, causa vômitos; como o composto é instável, utilize produtos com farmacodinâmica comprovada no cão. |
Vitamina E 10 UI/kg VO a cada 24 horas, sem exceder 400 UI/cão/dia |
Antioxidante: previne a peroxidação lipídica de membranas. Administre junto com o alimento. Pode ser pró-oxidante e interferir na coagulação em altas doses. |
Ursodiol 10-15 mg/kg VO a cada 24 horas, administrado junto com o alimento |
Colerético, antioxidante e antiapoptótico. Indicado na presença de hiperbilirrubinemia ou evidências de alterações ultrassonográficas na árvore biliar. Ocasionalmente, causa vômitos. As formulações genéricas costumam ter boa biodisponibilidade. |
Tabela 4. Tratamento de hepatite crônica associada ao cobre.
É provável que os cães jovens, bem como aqueles pertencentes às raças Bedlington Terrier e Dálmata, com níveis hepáticos acentuadamente elevados de cobre (> 3.000 µg/kg de peso seco) necessitem de terapia dietética combinada com quelação desse mineral pelo resto da vida. Em outros cães, o tempo necessário para alcançar o equilíbrio normal de Cu com penicilamina e dieta com baixos teores desse mineral não é muito bem estabelecido. Algumas pesquisas em cães da raça Labrador Retriever sugerem que o tempo de quelação esteja relacionado com a concentração hepática inicial de Cu; sendo assim, são necessários cerca de 6, 9 e > 12 meses para 1.000, 1.500 e 2.000 µg/g de peso seco, respectivamente (Figura 6). Não se sabe se isso é válido para outras raças. A opinião de especialistas é de que alguns cães se livram do cobre com mais facilidade do que outros e que isso muitas vezes não depende da concentração hepática desse mineral 13.
O ideal é que uma nova biopsia com determinação qualitativa e quantitativa de Cu defina o momento em que a quelação pode ser interrompida. Se isso não for possível, a ALT sérica é utilizada como um marcador substituto, embora se reconheça que os níveis podem estar normais apesar da inflamação histológica contínua; portanto, a quelação deve ser mantida por 2-3 meses após a normalização da ALT no soro. Embora alguns trabalhos limitados sugiram que os aspirados por agulha fina corados com rodamina possam ser úteis no monitoramento do cobre hepático, isso não é recomendado até que outros estudos sejam feitos.
Em alguns cães, embora o equilíbrio normal de Cu seja restabelecido, a ALT sérica e a evidência histológica de doença inflamatória persistem. Esses cães não tinham hepatite crônica associada ao cobre ou, então, o dano causou a exposição de neoepítopos, incitando uma doença imunológica autoperpetuante.
Normalmente, todos os cães acometidos permanecem com uma dieta restrita em cobre, mas isso não costuma ser suficiente para manter níveis hepáticos normais desse mineral; no entanto, é difícil prever quais cães necessitarão de terapia adicional. Em termos gerais, os cães com Cu hepático inicial elevado (> 2.000 µg/g), aqueles com histórico familiar de hepatopatia crônica associada a esse mineral e outros em que a ALT não normaliza dentro de um período de 6-8 meses de quelação frequentemente receberão uma dieta adequada, em combinação com terapia de manutenção com penicilamina ou zinco.
Cynthia RL Webster
Estudos limitados sugerem que alguns cães com hepatite crônica idiopática associada ao cobre realmente tenham doença imunomediada e entrem em remissão sob terapia adequada, embora os ensaios clínicos prospectivos sobre imunossupressão na suspeita de hepatite crônica imunomediada sejam escassos. Medicamentos como corticosteroides, azatioprina, micofenolato e ciclosporina são defendidos para tratar um diagnóstico presuntivo de hepatite imunomediada em cães (Tabela 5), apesar de também não haver ensaios clínicos prospectivos a respeito. Muitas vezes, os cães com doença imune presuntiva também são submetidos a agentes hepatoprotetores concomitantes.
Medicamentos e dosagem | Comentários e possíveis efeitos colaterais |
---|---|
Azatioprina 1 mg/kg VO a cada 24 horas por 7 dias; em seguida, 1 mg/kg a cada 48 horas |
Aumento nas enzimas hepáticas séricas (tipicamente reversível após suspensão) Mielossupressão reversível |
Prednisolona 2 mg/kg VO a cada 24 horas (não mais do que 40 mg/dia), reduzidos gradativamente para 0,5 mg/kg a cada 48 horas |
Poliúria/polidipsia/polifagia Desarranjo gastrointestinal Hipercoagulabilidade Indução de fosfatase alcalina e GGT séricas Desenvolvimento de hepatopatia induzida por esteroides Aumento na suscetibilidade a infecções (p. ex., infecção do trato urinário) Catabolismo Retenção de sódio Utilize dexametasona em pacientes com ascite |
Ciclosporina 5 mg/kg VO a cada 12 horas |
Náusea/vômitos Hiperplasia gengival Aumento da suscetibilidade a infecções (p. ex., infecção do trato urinário e fungos oportunistas) Utilize apenas preparações emulsificadas A terapia inicial não deve ser com produtos genéricos |
Micofenolato 10 mg/kg VO a cada 12 horas |
Diarreia |
Tabela 5. Terapia imunossupressora para o diagnóstico presuntivo de hepatite crônica imunomediada.
Novamente, o desfecho terapêutico ideal para avaliar a resposta ao tratamento é a normalização das lesões histopatológicas hepáticas, embora isso muitas vezes não seja possível; nesse caso, conforme já foi dito, a atividade da ALT pode ser utilizada como um marcador substituto. Não se conhece o tempo para remissão em cães com hepatite crônica imune. O controle das enzimas hepáticas pode levar de 2 a 3 anos em seres humanos, embora se observe uma resposta mais satisfatória a longo prazo quando a atividade enzimática é controlada dentro de 3 meses. Como a melhora das lesões histológicas acontece depois da melhora clínica e laboratorial (em seres humanos, há um lapso de 3-8 meses), os ajustes nas recomendações terapêuticas devem prosseguir por alguns meses após a remissão laboratorial antes de tentar suspender o tratamento. Dados laboratoriais estáveis dentro dos intervalos de referência ao longo de 12-18 meses podem ser suficientes para considerar a redução gradual dos medicamentos. A taxa de recidiva em cães não é conhecida, mas em humanos chega até 50%. Com frequência, a retomada do controle da doença com a reindução da terapia primária é alcançada rapidamente.
Uma vez diagnosticados, os cães com hepatite crônica geralmente apresentam uma doença progressiva. O tempo de sobrevida foi relatado em diversos estudos, todos retrospectivos 13,e os cães foram tratados com uma variedade de medicamentos e dietas. Em 10 estudos com dados relativos à sobrevivência dos animais afetados (n = 364 cães), a sobrevida média foi de 561 dias ± 268 dias. Em cães com cirrose comprovada por biopsia, a sobrevida foi consideravelmente menor, 23 ± 23 dias (n = 39). Os fatores clinicopatológicos associados a um prognóstico mau incluem hiperbilirrubinemia e hipoalbuminemia, bem como o aumento no TP e TTPa. A presença de ascite e o grau de fibrose à biopsia também são sinais prognósticos negativos; os cães da raça Cocker Spaniel acometidos por hepatite crônica talvez sejam a única exceção, pois podem ter uma sobrevida prolongada mesmo com ascite.
As complicações de hepatite crônica no cão compreendem hipertensão portal, ascite, encefalopatia hepática, ulceração gastrointestinal e coagulopatias (sangramento e trombose)20 23 24. O sangramento é mais comum na doença em estágio terminal, enquanto a trombose ocorre com mais frequência nos casos em que há o envolvimento de outros fatores pró-trombóticos, como inflamação sistêmica, cirurgia ou corticoterapia20. A incidência de infecção bacteriana secundária é pouco documentada em cães com hepatite crônica, mas parece ser baixa, em torno de 5% 24.
A hepatite crônica pode ocorrer em qualquer raça de cão, e o início pode ser insidioso; além disso, pode haver lesões histopatológicas significativas na ausência de elevação sérica concomitante das enzimas hepáticas. Para obter o diagnóstico definitivo, há necessidade de múltiplas amostras de biopsia; esse procedimento, no entanto, pode acarretar certo risco ao paciente. Sempre que possível, é preferível instituir um tratamento direcionado e específico, embora o agente causal nem sempre é identificado em muitos casos. A terapia deve ser mantida por alguns meses após a resolução dos sinais clínicos.
Subcommittee on Dog and Cat Nutrition, Committee on Animal Nutrition, National Research Council. Nutrient Requirements of Dogs and Cats. Washington, DC: The National Academy Press; 2006.
http://www.fediaf.org/images/FEDIAF_Nutritional_Guidelines_2019_Update_030519.pdf
Cynthia RL Webster
A Dra. Webster se formou na Cornell University em 1985 e, depois de trabalhar em uma clínica particular, retornou à universidade para realizar uma residência na Faculdade de Medicina Veterinária de Cummings. Leia mais
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