Revista médica e científica internacional dedicada a profissionais e estudantes de medicina veterinária.
Veterinary Focus

Número da edição 31.3 Nutrição

Dietas caseiras – boas ou ruins?

Publicado 15/02/2023

Escrito por Marjorie Chandler

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e 한국어

Os clínicos muitas vezes se deparam com um tutor que deseja alimentar seu pet com uma dieta caseira. Este artigo analisa os possíveis inconvenientes e vantagens desse tipo de alimentação.

© Shutterstock

Os resultados de uma análise computadorizada utilizando o software BalanceIt®.com para avaliar uma receita de dieta caseira da Internet para um cão adulto à base de peru, arroz e vegetais mistos.

Pontos-chave

Apesar de serem menos utilizadas que as dietas comerciais, as receitas caseiras podem ser consideradas como a “melhor” opção pelo tutor devido à falta de confiança e compreensão dos alimentos industrializados.


A maioria das receitas de dietas caseiras disponíveis em sites e livros didáticos não atende às necessidades nutricionais de um pet, podendo levar ao surgimento de doenças.


Quando se utilizam alimentos crus, há um risco potencial de contaminação por bactérias patogênicas e excreção fecal de patógenos, colocando em risco tanto os tutores como outras pessoas.


Para garantir uma alimentação completa e balanceada dos pets, é necessário entender a escolha do tutor e se comunicar com ele, oferecendo-lhe informações de forma clara e compreensiva.


Introdução

O termo “caseiro”, quando aplicado a alimentos para pets, refere-se a qualquer dieta não comercial e compreende um amplo espectro de possibilidades, desde receitas exclusivamente à base de carne até dietas vegetarianas ou veganas, incluindo ingredientes cozidos e crus. A maioria dos tutores que decidem preparar o alimento de seu pet desejam fornecer o que consideram uma excelente nutrição para seu cão ou gato. Embora eles possam procurar a ajuda de um médico-veterinário especialista em nutrição, eles também podem – e talvez sejam mais propensos a – obter receitas de livros, Internet, amigos e outras pessoas que não possuem formação adequada em nutrição de pequenos animais. Este artigo oferece uma visão geral desse tipo de alimentação, analisando os possíveis riscos e benefícios.

Marjorie L. Chandler

Os tutores de pets geralmente modificam as receitas caseiras recomendadas, um processo conhecido como desvio de receitas. As modificações podem consistir em mudanças nas quantidades dos ingredientes, substituição de ingredientes ou omissão de suplementos. Qualquer variação pode alterar a composição nutricional da dieta e torná-la potencialmente inadequada

Marjorie L. Chandler

A prevalência de dietas caseiras

Pode ser difícil determinar com exatidão o número de pets que recebem uma dieta caseira. Por exemplo, em uma pesquisa realizada em 2008 nos EUA e na Austrália, verificou-se que mais de 93,2% dos cães e 98,9% dos gatos se alimentavam, pelo menos em parte, com alimentos comerciais 1. No entanto, 30,6% dos cães e 13,1% dos gatos também recebiam restos de comida (sobras) ou comida caseira. A refeição principal de 16,2% dos cães e de 9,6% dos gatos incluía ossos ou alimentos crus. Mais de 80% dos tutores que forneciam ossos ou alimentos crus na dieta de seus pets residiam na Austrália. Menos de 3% dos tutores alimentavam seus pets exclusivamente com dietas caseiras, e cerca de 7% dos cães recebiam pelo menos metade de sua alimentação sob a forma de comida caseira.

Em outro estudo do mesmo ano, constatou-se que 95,5% dos tutores de gatos utilizavam produtos comerciais, e apenas 2,7% usavam uma dieta não comercial, de acordo com os critérios do estudo, enquanto 86,8% dos tutores de cães foram classificados no estudo como usuários de "alimentos comerciais", 10,0% como usuários de "alimentos não comerciais", e os 3,2% restantes não puderam ser classificados em nenhuma dessas categorias por não atenderem aos critérios exigidos 2. Em outro estudo internacional mais recente, foi relatado que 79% dos cães e 90% dos gatos consumiam alimentos comerciais convencionais, embora somente 13% dos cães e 32% dos gatos tenham sido alimentados exclusivamente com essas dietas 3. A comida caseira foi oferecida a 64% dos cães e 46% dos gatos, sendo que 66% dos cães e 53% dos gatos receberam alimentos crus. Conforme observado no estudo anterior, a alimentação caseira e/ou crua foi outra vez mais prevalente na Austrália, mas obviamente existem diferenças geográficas consideráveis quando se trata das práticas de alimentação dos pets. Em contraste com os estudos anteriores, no Sri Lanka, foi relatado que 42% dos cães recebiam comida caseira, enquanto apenas 18% foram submetidos à dieta comercial, e os 40% restantes foram alimentados com uma combinação de ambas as opções. Além disso, no mesmo estudo, descobriu-se que 49% dos cães receberam leite como uma refeição separada, além de sua dieta habitual, e 57% receberam suplementos alimentares 4.

Em geral, essas e outras pesquisas indicam que a prevalência de cães alimentados com comida caseira pode ser em torno de 7-10% e a de gatos menos de 4%; entretanto, esses resultados talvez não reflitam a população total, devido à tendenciosidade amostral (também conhecida como viés estatístico) dos entrevistados. Por exemplo, em um dos estudos anteriores 3, os tutores que participaram da pesquisa foram escolhidos por meio de autosseleção de grupos de redes sociais com interesse em cães e gatos. Esse tipo de amostragem pode influenciar ou distorcer os resultados em virtude do feedback de determinados setores da população com viés em potencial ¾ por exemplo, os tutores que utilizam dietas caseiras podem estar mais interessados em preencher uma pesquisa sobre o tipo de alimentação dos seus pets ou, por outro lado, podem ser menos propensos a revelar suas práticas alimentares em uma pesquisa; por isso, é difícil determinar a porcentagem real de tutores que usam dietas caseiras para os seus pets.

Por que escolher uma dieta caseira?

Os pets são frequentemente considerados como membros da família, e o tipo de alimentação escolhida pode refletir as crenças culturais, as ideologias e a identidade de um tutor. Assim, as pessoas podem querer alimentar seus animais, de acordo com sua própria filosofia de alimentação, utilizando, por exemplo, apenas alimentos veganos, orgânicos ou naturais. A humanização dos pets torna atrativa a ideia de alimentar o cão ou gato com uma dieta semelhante à do tutor. Outras razões para o uso de alimentos caseiros incluem palatabilidade (ou seja, a possibilidade de escolher os alimentos preferidos pelo animal), desconfiança e/ou incompreensão sobre o processamento dos alimentos comerciais, desejo de excluir certos ingredientes (como grãos, subprodutos ou derivados da carne) ou anseio por um “maior” e “melhor” controle da dieta do pet (Figura 1). Os tutores também relataram que, entre outros motivos, usam alimentos crus ou caseiros, porque (a) querem mimar seu pet, (b) ficam preocupados com a possibilidade de os alimentos comerciais serem menos saudáveis ou nutritivos do que o desejado ou (c) desejam obter um benefício médico, real ou percebido 2 (Tabela 1).

Tabela 1. Algumas razões apontadas pelos tutores para o fornecimento de dietas caseiras.

• Palatabilidade – a possibilidade de escolher os alimentos preferidos pelo animal
• Desejo de mimar o pet
• Dieta adaptada à filosofia alimentar do tutor, por exemplo, com alimentos vegetarianos, orgânicos, etc.
• Desconfiança ou incompreensão em relação ao processamento de alimentos para pets ou crença de que os alimentos processados (cozidos) não sejam saudáveis
• Falta de confiança no que diz respeito às empresas de petfoods
• Desejo de excluir determinados ingredientes, como grãos e subprodutos
• Anseio por um maior controle da dieta
• Desejo de alimentar o cão com uma dieta rica em proteínas ou “carnívora”
• Uso para fins nutricionais específicos nos casos em que uma dieta comercial não está disponível, por exemplo, comorbidades ou reações adversas a vários ingredientes

 

Em pelo menos um estudo, foi sugerido que exista uma associação entre as preocupações dos tutores de pets em relação aos alimentos comerciais e a prática de fornecer alimentos preparados em casa. Os tutores que alimentavam seus pets com uma dieta composta de pelo menos 50% de alimentos não comerciais tinham mais preocupações e dúvidas sobre os alimentos comerciais, seu processamento e a indústria de petfoods do que aqueles que ofereciam uma dieta constituída de no mínimo 75% de produtos comerciais 2. Esses tutores que ofereciam alimentos não comerciais também eram mais propensos a uma alimentação crua e caseira do que aqueles que usavam alimentos comerciais. Os tutores que utilizaram dietas caseiras apresentavam maior tendência a acreditar que: (a) os alimentos comerciais não eram saudáveis, (b) os nutrientes essenciais se destruíam durante o processo de cozimento e (c) os alimentos orgânicos eram mais seguros e saudáveis do que outros alimentos. Algumas pessoas também gostam de preparar a comida do seu pet, o que poderia influenciar nas respostas 2.

Segundo relatos, os defensores da alimentação crua acreditam que os alimentos crus e ricos em proteínas sejam mais naturais e comparativamente mais semelhantes ao que é consumido pelos canídeos e felinos selvagens 1. Em um estudo com 218 tutores que alimentavam seus cães com dieta crua, 26% indicaram que o principal motivo para o uso desse tipo de alimentação era respeitar a natureza carnívora do cão, 24% melhorar a saúde do animal, 21% devido a problemas com alimentos comerciais no passado, 19% não confiavam em alimentos comerciais, 6% porque o cão não comia alimentos comerciais e 4% por outro motivo 5Um total de 57% desses tutores consideravam que a principal vantagem da alimentação crua era o controle total da dieta e o conhecimento de sua composição, enquanto 23% citaram a preferência por proteínas de origem animal como o principal componente da dieta; 11% dos tutores mencionaram que a principal vantagem era o benefício percebido de maior tempo em que o cão passava comendo, aliado com uma satisfação aparentemente maior. Apenas 3% dos entrevistados consideravam como vantagem a boa palatabilidade, 1% a ausência de carboidratos e 1% o fato de o alimento ser cru.

Os tutores podem escolher uma dieta que considerem mais palatável e agradável para o seu pet.

Figura 1. Os tutores podem escolher uma dieta que considerem mais palatável e agradável para o seu pet.
Créditos: Shutterstock 

Dietas caseiras para terapia nutricional

Embora haja uma grande variedade de alimentos comerciais disponíveis para pets saudáveis e para aqueles que necessitam de manejo dietético, as dietas caseiras podem ser úteis nos casos em que não existe uma opção comercial adequada para os problemas específicos de determinado animal. Por exemplo, para um cão com pancreatite crônica e doença renal, um médico-veterinário especialista em nutrição pode formular uma dieta caseira adequada com nível reduzido de gordura e baixo teor de fósforo ou, em certos distúrbios intestinais, como linfangiectasia, uma dieta caseira com um teor de gordura inferior ao encontrado em alimentos comerciais pode ser útil. Alguns animais também apresentam reações adversas a vários ingredientes alimentares e podem se beneficiar de uma dieta formulada sob medida. As dietas caseiras também podem ser mais palatáveis em algumas situações, já que os tutores (e seus pets) podem escolher seus ingredientes preferidos; isso pode ser particularmente útil em animais doentes com apetite reduzido, como aqueles acometidos por doença renal crônica, embora também possa ser prejudicial em outros casos, como animais com excesso de peso.  

Foi sugerido que as dietas caseiras possam ser mais digeríveis do que os alimentos comerciais disponíveis no mercado, tanto secos como úmidos, favorecendo a formação de fezes de melhor qualidade ou em menor volume. No entanto, existem vários fatores que afetam a digestibilidade do alimento, incluindo os ingredientes, a quantidade e os tipos de fibra, e as diferentes técnicas de processamento térmico. Em um estudo em gatos, foi comparada a digestibilidade fecal aparente de um alimento seco, uma dieta crua e a mesma dieta “crua”, porém cozida; nessa comparação, observou-se que a digestibilidade era maior com as dietas crua e caseira do que com o alimento seco 6. Em outro estudo com filhotes de gatos, comparou-se a digestibilidade fecal de duas dietas cruas e um alimento seco cozido; esse estudo revelou que a digestibilidade da matéria orgânica, das proteínas e da energia era maior com as dietas cruas, resultando em um menor volume de fezes, mas sem diferenças em relação ao escore fecal 7Esses estudos compararam dietas com vários ingredientes e diferentes tipos de processamento; por essa razão, fica difícil determinar apenas os efeitos do processamento.

Desde que a digestibilidade do alimento seja alta o suficiente para fornecer uma nutrição adequada, o aumento da digestibilidade não é algo necessariamente benéfico para todos os pets. Os animais com excesso de peso que necessitam de uma densidade calórica menor e aqueles que precisam de muita fibra para manter a saúde do cólon podem se beneficiar do aumento da fibra alimentar na dieta – que, no caso, terá uma menor digestibilidade. Por outro lado, a alta digestibilidade pode beneficiar alguns pacientes com certas doenças intestinais ou aqueles que necessitam de maior densidade calórica.

Problemas potenciais com dietas caseiras

Desequilíbrios nutricionais

Existem inúmeros relatos de casos clínicos e séries de casos publicados de problemas decorrentes da alimentação com dietas caseiras nutricionalmente desbalanceadas e/ou incompletas (Tabela 2). Muitos desses casos envolvem filhotes de cães ou de gatos em crescimento, nos quais os desequilíbrios nutricionais são mais críticos, mas também são relatados em cães e gatos adultos 8,9. A doença óssea metabólica e o hiperparatireoidismo nutricional secundário ocorrem quando há deficiência de cálcio na dieta ou uma relação de cálcio:fósforo inadequada (Figura 2), podendo se desenvolver juntamente com raquitismo por deficiência de vitamina D. As anormalidades descritas em cães alimentados com dietas caseiras incluem hipovitaminose D, hipocalcemia, deficiência de vitamina A 10, hiponatremia, hipocloremia, hiperfosfatemia e deficiência de taurina 11. Em filhotes de gatos, existem relatos do desenvolvimento de doenças esqueléticas associadas a dietas caseiras desbalanceadas por deficiências de cálcio e/ou vitamina D 12. Foi relatada a ocorrência de pan-esteatite por consumo de dietas ricas em gordura e deficientes em vitamina E em gatos alimentados com dieta caseira desbalanceada 13Uma dieta composta principalmente de fígado para gatos pode resultar em hipervitaminose A, com a consequente formação de osteófitos e exostoses de uma maneira extensa e irreversível, resultando em dor e claudicação. Evidentemente, também existem muitos outros casos relacionados com a nutrição que passam despercebidos e não são notificados na prática clínica; por essa razão, a prevalência real desses distúrbios não é conhecida.

Tabela 2. Deficiências nutricionais comuns em dietas caseiras de manutenção para pets saudáveis.

•  Cálcio
•  Vitamina D
•  Zinco
•  Ácidos graxos essenciais (ácido linoleico e outros ácidos graxos ômega-3)
•  Vitamina E
•  Colina
•  Cobre
•  Ferro
•  Tiamina
•  Manganês
•  Selênio

 

Radiografia dorsoventral do crânio de um cão com doença renal crônica alimentado com dieta caseira deficiente em nutrientes

Figura 2. Radiografia dorsoventral do crânio de um cão com doença renal crônica alimentado com dieta caseira deficiente em nutrientes, resultando em hiperparatireoidismo nutricional secundário e provavelmente hiperparatireoidismo renal secundário. A osteopenia é generalizada, com adelgaçamento cortical de alguns ossos.
Créditos: Dr Pauline Jamieson, VetsNow Referrals 

Análises nutricionais de receitas caseiras

Vários estudos analisaram receitas de dietas caseiras e, em todos eles, foram identificadas deficiências na maioria das receitas publicadas 14,15,16 (Figura 3). Em um estudo, analisaram-se 200 dietas caseiras de manutenção para cães (64,5% elaboradas por médicos-veterinários e 35,5% por não médicos-veterinários) obtidas de 34 fontes diferentes; nesse estudo, verificou-se que a maioria não era nutricionalmente completa 14. Dessas receitas, 92% continham instruções imprecisas ou incompletas (por exemplo, em relação aos ingredientes, ao método de preparo e aos suplementos) e 29% omitiam a incorporação de suplementos nutricionais. As calorias fornecidas por cada receita variavam de 380 a 16.348 kcal e, em 95% das receitas, pelo menos um nutriente essencial se encontrava abaixo do nível recomendado pelo NRC* ou pela AAFCO**, e 83,5% apresentavam múltiplas deficiências nutricionais. As deficiências mais comuns foram a falta de vitamina D, vitamina E, zinco, colina, cobre, ácidos graxos ômega-3 e cálcio. Um estudo que incluiu 114 receitas de dietas caseiras para gatos constatou instruções vagas e inadequadas semelhantes, além de deficiências nutricionais, principalmente em colina, ferro, tiamina, zinco, manganês, vitamina E e cobre. Nenhuma das receitas atendia às recomendações nutricionais do NRC 16.

* NRC = National Research Council (Conselho Internacional de Pesquisas) 
** AAFCO = Association of American Feed Control Officials 
(Associação Norte-Americana de Agentes de Controle de Alimentos)

Com relação às dietas terapêuticas, outro estudo relatou que, das 67 receitas de dietas renais caseiras para cães e gatos (retiradas de livros veterinários, livros para tutores de pets, e sites), nenhuma atendia a todas as recomendações nutricionais do NRC. Além de serem frequentemente deficientes em aminoácidos, muitas receitas eram pobres em colina, selênio, zinco e cálcio 17. Contudo, um relato descreveu o caso de 18 cães com doença renal crônica e hipercalemia que eram alimentados com dietas renais comerciais; ao mudar a alimentação, sob a supervisão de um médico-veterinário especialista em nutrição, para uma dieta caseira com baixo teor de potássio para doença renal, as concentrações séricas desse elemento voltaram ao normal em todos os cães, exceto em um, dentro de uma a duas semanas 18.

Muitas receitas publicadas incluem o uso de suplementos vitamínicos e minerais inespecíficos. Esses suplementos podem variar em sua composição, e a maioria dos que se encontram à venda para cães e gatos não foi formulada para uso em dietas caseiras. Além disso, alguns suplementos destinados à utilização em pessoas podem conter níveis de vitamina D que podem ser excessivos para cães e gatos. Também é pouco provável que os suplementos humanos contenham taurina, um aminoácido essencial para gatos, e as dietas caseiras podem ou não conter uma quantidade suficiente desse nutriente. Por exemplo, em um estudo, foi demonstrado que amostras inteiras de coelhos não atendiam às necessidades recomendadas de taurina, variando de 20 a 90% do valor mínimo recomendado 19.

Com frequência, sugere-se que alternar a alimentação com diferentes fórmulas proporciona uma variedade de nutrientes que compensa quaisquer deficiências em qualquer uma das dietas; no entanto, em um estudo que analisou o efeito da alternância de sete receitas diferentes, ficou demonstrado que as deficiências não foram eliminadas nem corrigidas 14Como muitas receitas caseiras apresentam deficiências semelhantes (por exemplo, zinco), o ato de alternar entre elas não proporcionará uma alimentação completa e balanceada.

Figura 3. Os resultados de uma análise computadorizada utilizando o software BalanceIt®.com para avaliar uma receita de dieta caseira da Internet para um cão adulto à base de peru, arroz e vegetais mistos. As barras de cor cinza indicam níveis suficientes de um determinado nutriente, enquanto as de cores vermelha e branca representam níveis deficientes.
Créditos: Balanceit.com 

Nutriente % da necessidade Quantidades
(por Mcal)
Faixa
Proteína 170.4% 76.702 g 45 a (sem máximo) g
Arginina 434.1% 5.556 g 1.28 a (sem máximo) g
Histidina 458.9% 2.203 g 0.48 a (sem máximo) g
Isoleucina 362.9% 3.448 g 0.95 a (sem máximo) g
Leucina 364.6% 6.199 g 1.7 a (sem máximo) g
Lisina 391.3% 6.182 g 1.58 a (sem máximo) g
Metionina 246.8% 2.049 g 0.83 a (sem máximo) g
Metionina – cistina 176.0% 2.869 g 1.63 a (sem máximo) g
Fenilalanina 276.2% 3.121 g 1.13 a (sem máximo) g
Fenilalanina – tirosina 312.2% 5.776 g 1.85 a (sem máximo) g
Treonina 283.2% 3.398 g 1.2 a (sem máximo) g
Triptofano 218.8% 0.875 g 0.4 a (sem máximo) g
Valina 301.4% 3.707 g 1.23 a (sem máximo) g
Lipídios totais  189.7% 26.181 g 13.8 a (sem máximo) g
Carboidratos 100.0% 114.014 g 0 a (sem máximo) g
Colina 81.4% 273.063 mg 335.429 a (sem máximo) mg
Folato 162.3% 87.653 mcg 54 a (sem máximo) mcg
Niacina 780.7% 26.543 mg 3.4 a (sem máximo) mg
Ácido pantotênico 132.6% 3.978 mg 3 a (sem máximo) mg
Riboflavina 69.6% 0.905 mg 1.3 a (sem máximo) mg
Tiamina 124.2% 0.696 mg 0.56 a (sem máximo) mg
Vitamina A
185.5% 695.680 mcg 375 a 18750 mcg
Vitamina B12 41.7% 0.003 mg 0.007 a (sem máximo) mg
Vitamina B6 549.0% 2.086 mg 0.38 a (sem máximo) mg
Vitamina E 11.8% 1.477 IU 12.5 a (sem máximo) IU
Cálcio 14.3% 0.179 g 1.25 a 6.25g
Cloro 219.0% 0.657 g 0.3 a (sem máximo) g
Cobre 49.5% 0.906 mg 1.83 a (sem máximo) mg
Iodo 0.0% 0.000 mg 0.25 a 2.75 mg
Ferro 73.7% 7.368 mg 10 a (sem máximo) mg
Magnésio 181.5% 0.272 g 0.15 a (sem máximo) g
Manganês 328.7% 4.102 mg 1.25 a (sem máximo) mg
Fósforo 97.6% 0.976 g 1 a 4 g
Potássio 86.3% 1.295 g 1.5 a (sem máximo) g
Selênio 126.2% 0.101 mg 0.08 a 0.5 mg
Sódio 146.0% 0.292 g 0.2 a (sem máximo) g
Zinco 52.9% 10.580 mg 20 a (sem máximo) mg
Relação Ca:P  100.0% 0.183 0 a 2 n/a
EPA + DHA 100.0% 0.042 g 0 a 10.53 g
Vitamina D 14.0% 17.642 IU 125 a 750 IU

 

Formulações dos alimentos

Mesmo com dietas caseiras bem formuladas, podem ocorrer desequilíbrios nutricionais, uma vez que a dieta fornecida só corresponderá à receita formulada por um sistema computacional se os ingredientes utilizados nessa receita forem consistentes com os da base de dados empregada. Em um estudo, foi demonstrada uma boa consistência entre a análise química das dietas e a análise do computador 14mas é possível que os tutores não escolham exatamente o mesmo ingrediente recomendado e, (por exemplo), a quantidade de gordura na carne moída pode variar consideravelmente. Mais pertinente é o fato de que os tutores de pets costumam modificar as receitas caseiras, um processo conhecido como desvio da dieta. As modificações podem consistir em alterar as quantidades dos ingredientes; adicionar, omitir ou substituir ingredientes; ou omitir ou alterar suplementos nutricionais. Qualquer uma dessas variações pode mudar a composição nutricional de uma dieta e torná-la potencialmente inadequada.

Também foram identificados problemas nutricionais em alimentos comerciais para pets; nos EUA, por exemplo, foram constatadas concentrações de tiamina (vitamina B1) abaixo do mínimo recomendado pela AAFCO em 12 de 90 alimentos enlatados para gatos, principalmente em produtos tipo patê e em outros fabricados por pequenas empresas 20Já foram feitos recalls de produtos comerciais para pet, associados ao excesso de vitamina D, resultantes, por exemplo, de um erro em uma pré-mistura utilizada em alimentos para cães. Esses erros devem ser detectados em testes de qualidade e, quando for o caso, procede-se com a retirada e eliminação dos lotes afetados. Portanto, considerando a possibilidade de desequilíbrio nos alimentos comerciais para pets, é particularmente importante a realização do controle de qualidade e da análise nutricional desses alimentos com regularidade. Esta é uma desvantagem inerente às dietas caseiras, uma vez que não há controle de qualidade envolvido em sua preparação e, ao contrário dos alimentos comerciais, tais receitas não costumam ser testadas quanto ao equilíbrio de nutrientes e à segurança. Basicamente, o “teste de alimentação” é feito no próprio animal. Mesmo que o tutor selecione os ingredientes corretamente e não altere a receita, não é possível garantir uma correspondência exata com a base de dados, principalmente a longo prazo, pois os fornecedores de alimentos podem fazer mudanças, de acordo com sua disponibilidade. Isso é particularmente importante no caso de dietas caseiras para animais enfermos, já que o tratamento das doenças pode vir a ser comprometido.

Custo

Outra razão pela qual os tutores podem preferir as dietas caseiras é a crença de que isso irá economizar dinheiro; no entanto, um estudo mostrou que as dietas caseiras para cães costumam ser mais caras do que os alimentos secos comerciais, embora possam ser mais baratas do que alguns alimentos úmidos 21.

Riscos dos alimentos crus

As dietas caseiras podem incluir ossos e produtos à base de carne crua. Mastigar ossos grandes não fornece um nível suficiente de cálcio, não previne a placa dentária nem a periodontite e ainda pode causar fraturas nos dentes. As dietas à base de carne crua, sejam elas caseiras ou comerciais, podem representar um risco para a saúde de cães e gatos, bem como de seus tutores, devido à potencial contaminação por patógenos. Embora ocasionalmente relatada, a contaminação em alimentos secos comerciais é rara, uma vez que tais produtos são processados a altas temperaturas, o que mata as bactérias. A contaminação é ainda menos provável em alimentos enlatados fechados, em virtude do processo de esterilização. A contaminação microbiológica é muito mais provável em alimentos crus e já foi relatada inúmeras vezes; por exemplo, vários estudos mostraram que os alimentos comerciais crus, sejam congelados ou liofilizados, para pets estavam contaminados com uma variedade de patógenos bacterianos e parasitários zoonóticos 22,23.

Não é possível saber qual percentual de dietas caseiras cruas contaminadas, pois elas não são monitoradas (ou seja, nenhum controle é realizado); todavia, é conhecida a prevalência da contaminação de produtos de carne e de aves para consumo humano. Uma metanálise de 78 estudos conduzidos em 21 países europeus mostrou que o Staphylococcus aureus era o principal patógeno, sendo detectado em 38,5% da carne de aves (com uma variação de 25,4–53,4%), seguido por espécies de Campylobacter em 33,3% (22,3–46,4%). Listeria monocytogenes e Salmonella spp. estiveram presentes em menor prevalência em 19,3% (14,4–25,3%) e 7,1% (4,60–10,8%), respectivamente 24.

É importante ressaltar que, embora os tutores possam não observar sinais clínicos evidentes de infecção bacteriana em animais submetidos a alimentos crus contaminados, os patógenos ainda poderão ser eliminados através das fezes e da saliva. A excreção fecal de patógenos constitui um perigo para a saúde pública e um risco para os membros da família, especialmente aqueles que são imunocomprometidos, jovens, idosos ou grávidas. A alimentação crua também pode contribuir para o surgimento de resistências bacterianas a antibióticos; esses alimentos foram identificados como um fator de risco para a disseminação de Enterobacteriaceae produtoras de betalactamase de espectro estendido em gatos domésticos 25.

Abordando a escolha da dieta com os tutores

Os tutores podem ter fortes convicções sobre as escolhas da dieta de seu pet; por isso, falar sobre nutrição com eles pode ser um grande desafio. É importante perguntar ao tutor sobre a alimentação do cão ou gato como parte da avaliação nutricional e ter uma conversa (sem juízo de valor) sobre os motivos da dieta escolhida (Figura 4). Os tutores podem ter uma percepção equivocada sobre os ingredientes ou em relação ao processamento dos alimentos comerciais para pets e talvez tenham obtido seus próprios “dados” a partir de informações parciais, tendenciosas ou erradas na Internet ou em livros; portanto, pode ser pertinente perguntar aos tutores se eles gostariam de receber mais orientações e/ou conselhos. Particularmente, se houver suspeita de que a dieta escolhida não seja completa nem balanceada, como é o caso da maioria das dietas caseiras, pode ser útil fornecer informações sobre as necessidades nutricionais do pet e, nos casos em que houver o risco ou a presença de algum distúrbio relacionado com a alimentação (como hiperparatireoidismo nutricional secundário em um animal jovem), existirá certa urgência em corrigir a dieta. As informações fornecidas de maneira bastante visual e por escrito são mais eficazes do que aquelas puramente verbais, uma vez que estas podem não ser lembradas da forma correta ou ser mal-interpretadas.

A equipe veterinária deve entender que o tutor provavelmente fez sua escolha alimentar pensando que fosse o melhor para o seu pet. Os aspectos positivos do manejo e cuidados dispensados pelo tutor ao seu animal devem ser comentados; se os tutores sentirem que estão sendo julgados por um manejo ruim de seu pet, é mais provável que eles se tornem defensivos e menos propensos a fazer as modificações necessárias na dieta. Uma vez que o tutor esteja disposto a aceitar uma mudança na dieta, deve-se traçar um plano de transição para uma alimentação completa e balanceada, o que pode incluir um alimento comercial, uma dieta caseira e um suplemento nutricional, utilizando um programa de computador, como aquele fornecido em sites de boa reputação (por exemplo, Balanceit.com), ou uma dieta caseira formulada por um médico-veterinário especialista em nutrição.

A avaliação nutricional, incluindo uma discussão sobre a dieta atual do pet, deve fazer parte de todas as consultas.

Figura 4. A avaliação nutricional, incluindo uma discussão sobre a dieta atual do pet, deve fazer parte de todas as consultas.
Créditos: Shutterstock

Considerações finais

Embora os tutores possam optar pela alimentação de seu pet com uma dieta caseira (porque acreditam ser a opção mais saudável ou – possivelmente a única – disponível), eles devem estar cientes dos riscos envolvidos em potencial, além dos benefícios percebidos. Em última análise, a dieta sempre deve ser o mais segura possível contra patógenos e proporcionar uma nutrição completa e balanceada, incluindo os suplementos nutricionais apropriados. O clínico deve se esforçar para incluir aconselhamento nutricional, sempre que pertinente, durante as consultas, uma vez que a omissão (ou seja, a falha em fazê-lo) pode resultar em um distúrbio relacionado com a alimentação a curto ou longo prazo no pet.

Referências

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Marjorie Chandler

Marjorie Chandler

Marge Chandler é médica-veterinária e nutricionista clínica da Vets Now Referrals (Glasgow) e consultora particular em nutrição e medicina de pequenos animais. Leia mais

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