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Veterinary Focus

Doenças hepáticasa

Perguntas e respostas sobre enzimas hepáticas caninas

Publicado 06/02/2025

Escrito por Stefanie Klenner-Gastreich

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

A coleta de sangue para avaliação do estado do fígado é uma prática diária na clínica veterinária, mas a interpretação dos resultados pode ser mais difícil do que parece à primeira vista.

Raio-X de um pet

Pontos-chave

Os resultados das enzimas hepáticas sempre devem ser interpretados levando em consideração o histórico, os sinais clínicos e os achados diagnósticos adicionais do paciente.


Em casos de neoplasia do fígado, qualquer aumento geral na atividade das enzimas hepáticas depende do grau de dano hepatocelular e/ou da quantidade de necrose tecidual associada à lesão neoplásica.


Um dos motivos frequentes para o aumento das enzimas hepáticas consiste na administração de fármacos, em particular os glicocorticoides (inclusive pomadas tópicas) e os anticonvulsivantes.


As provas de estimulação de ácidos biliares podem ser um bom indicador da função hepática, mas os resultados devem ser interpretados com cautela.


Introdução

A maioria dos clínicos de pequenos animais coleta amostras de sangue várias vezes ao dia para avaliação de seus pacientes (Figura 1). Contudo, a interpretação dos resultados nem sempre é simples e direta, especialmente quando se trata dos diversos parâmetros hepáticos; assim, pode ser útil saber quais provas são as mais valiosas na hora de buscar um diagnóstico ou monitorar determinadas condições. Este artigo oferece uma abordagem de perguntas e respostas para algumas das dúvidas mais comuns sobre enzimas hepáticas.

coleta de amostras de cão

Figura 1. A coleta de amostras de cão é um procedimento diário na clínica de pequenos animais, mas a interpretação dos níveis de enzimas hepáticas pode conter armadilhas para os desavisados.
© Ewan McNeill

Quando um nível alto de ALT/AST/ALP (fosfatase alcalina) é significativo?

Normalmente, um aumento de duas vezes nos níveis de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST) é considerado expressivo. Em termos de fisiopatologia, o aumento das atividades enzimáticas hepatocelulares é o resultado do extravasamento de enzimas das células (ALT, AST) ou da indução de enzimas (fosfatase alcalina [ALP]). No entanto, os testes sempre devem ser interpretados levando em conta o histórico, os sinais clínicos e os achados diagnósticos adicionais do paciente; por exemplo, os resultados podem variar dependendo da presença de doença aguda ou crônica. A doença crônica pode se apresentar com atrofia ou fibrose hepática e, consequentemente, a atividade das enzimas hepáticas pode estar dentro do intervalo de referência ou exibir apenas um leve aumento. Como a função do fígado estará comprometida em casos de doença grave, níveis normais de enzimas hepáticas, em combinação com alterações nos parâmetros da função hepática (ou seja, hipoalbuminemia, diminuição do nitrogênio ureico sanguíneo [BUN], hipoglicemia, hiperbilirrubinemia, concentração alterada de colesterol e triglicerídeos, tempos de coagulação prolongados) são o quadro clássico de distúrbios graves, como desvio (shunt) portossistêmico. Portanto, a conclusão de que a atividade normal das enzimas hepáticas é indicativa de um fígado saudável é claramente errônea. A interpretação dos resultados das enzimas hepáticas sempre justifica a avaliação concomitante dos parâmetros da função do fígado e sua correlação com o histórico e os sinais clínicos do paciente.

Quais são os melhores exames laboratoriais para um desvio (shunt) hepático?

Pacientes com desvio (shunt) portossistêmico sofrem de anomalias vasculares, nas quais uma veia do sistema porta se conecta diretamente à veia cava caudal ou à veia ázigos. Em função desse desvio, o sangue não chega aos hepatócitos em quantidade suficiente, resultando em um fígado pequeno e atrofiado. A perda de hepatócitos pode estar associada a uma ampla variedade de alterações laboratoriais. As enzimas hepáticas, como a enzima citosólica ALT, ou a AST, encontradas predominantemente nas mitocôndrias dos hepatócitos, podem apresentar níveis normais ou aumentados nos pacientes afetados. Entretanto, se o número de hepatócitos tiver diminuído significativamente, as células remanescentes talvez não liberem quantidades significativas dessas enzimas, levando a níveis séricos baixos ou normais. Quando restam apenas 20-30% da massa hepática, os sinais de insuficiência hepática se tornarão evidentes. Em tais casos, o fígado não consegue mais manter suas funções fisiológicas, levando a alterações no metabolismo de carboidratos, lipídios, vitaminas e proteínas, além de comprometimento da capacidade de destoxificação. Os resultados dessa insuficiência podem incluir hipoglicemia, alterações nas concentrações de colesterol e triglicerídeos, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia, tempos de coagulação prolongados, redução das concentrações de ureia e aumento dos ácidos biliares e/ou hiperamonemia. Juntamente com essas alterações, é possível observar anemia microcítica e menor densidade urinária com frequência.

Então, qual é o melhor teste a ser utilizado na suspeita de desvio (shunt) hepático e se os testes mencionados anteriormente não fornecerem um diagnóstico claro? Na presença de insuficiência hepática, é de grande valor avaliar os ácidos biliares em jejum e pós-prandiais/estimulados. Convém salientar que, se a hiperbilirrubinemia estiver presente, é de se esperar concentrações aumentadas de ácidos biliares; portanto, é possível que um teste de estimulação de ácidos biliares não acrescente muito mais informações em relação ao paciente. O mecanismo é o seguinte: as doenças que levam ao comprometimento da excreção de bilirrubina conjugada pelos hepatócitos para os canalículos biliares também provocam uma excreção diminuída de ácidos biliares e o subsequente aumento nas concentrações dos parâmetros.

Se houver sinais neurológicos sugestivos de encefalopatia hepática (por exemplo, estupor ou tremor), a avaliação dos níveis de amônia é mais útil. No entanto, este é um parâmetro muito sensível e, se as amostras não forem manuseadas da forma correta, poderão ocorrer resultados falsamente elevados com facilidade. A centrifugação imediata da amostra com separação das células do plasma, a medição no prazo de 1 hora após a coleta da amostra e a limitação da exposição ao ar são fatores muito importantes para limitar a variabilidade nos resultados e, subsequentemente, um possível diagnóstico falso em um paciente.

Por que um cão com tumor primário no fígado teria enzimas hepáticas normais?

Isso pode acontecer! Para compreender quais mecanismos levam a uma maior atividade enzimática, é útil recorrer à fisiopatologia. As enzimas hepáticas não são um grupo homogêneo; normalmente, a ALT e a AST são consideradas "enzimas hepáticas", enquanto a fosfatase alcalina (ALP) e a gamaglutamiltransferase (GGT), apesar de frequentemente incluídas nesta categoria, também se originam da membrana celular das células epiteliais biliares e, portanto, são marcadores clássicos para distúrbios colestáticos intra ou extra-hepáticos. O aumento da atividade de ALT e AST ocorre como consequência de danos hepatocelulares reversíveis ou irreversíveis (necrose). Uma ampla variedade de tumores pode afetar o fígado; a neoplasia hepática primária pode ser um tumor focal nodular (ou seja, a maioria dos carcinomas hepatocelulares) ou crescer em um padrão difuso, infiltrando-se no tecido hepático de uma forma mais disseminada. Lesões focais podem causar aumentos significativos na atividade das enzimas hepáticas em virtude de uma destruição hepatocelular e necrose tecidual graves. Dependendo do grau de colestase intra-hepática, os níveis de fosfatase alcalina (ALP) podem permanecer normais ou estar aumentados. Infiltrados hepáticos difusos por tumores de células redondas (por exemplo, linfoma ou mastocitoma) podem não estar associados a danos hepatocelulares significativos e, em tais casos, as enzimas hepáticas podem, portanto, exibir apenas um leve aumento ou nenhum aumento na atividade.

Em suma, qualquer aumento geral na atividade das enzimas hepáticas em casos de neoplasia do fígado depende do grau de dano hepatocelular e da subsequente liberação de enzimas e/ou da quantidade de necrose tecidual associada à lesão neoplásica. Infiltrados neoplásicos focais ou difusos podem ou não produzir um aumento das enzimas hepáticas; portanto, as técnicas de diagnóstico por imagem (ultrassonografia abdominal) e os aspirados por agulha fina são etapas adicionais importantes para identificar a hepatopatia (Figura 2).

Raio X de neoplasia hepática

Figura 2. A neoplasia hepática focal ou difusa pode ou não levar ao aumento das enzimas hepáticas; portanto, as técnicas de diagnóstico por imagem e outros exames, como aspirados por agulha fina, são passos adicionais importantes para identificar a doença hepática.
© Anja Luther, Scil animal care company GmbH, an Antech company. 

Quais doenças não relacionadas ao fígado podem afetar significativamente as enzimas hepáticas?

Como o fígado é o principal órgão do corpo responsável pela regulação de muitas funções metabólicas, hepatopatias secundárias são um achado frequente. Por exemplo:

  • Colestase, seja intra ou pós-hepática, classicamente conduz a uma elevação na atividade das enzimas hepáticas. Em virtude de sua localização fisiológica nas células epiteliais biliares, as enzimas fosfatase alcalina (ALP) e GGT são indicadores sensíveis para essa condição. A colestase intra-hepática como resultado de tumefação hepatocelular e subsequente obstrução dos canalículos biliares pode ser observada em casos de hepatite secundária a qualquer causa. Nessas doenças, os níveis das enzimas ALT e AST também estão frequentemente aumentados. A colestase pós-hepática se origina de condições em que ocorre obstrução do ducto biliar. Isso pode incluir inflamação, neoplasia, ou colelitíase. Em função da estreita proximidade dos dois órgãos, a pancreatite é uma razão frequente de colestase pós-hepática e, em tais casos, é útil a avaliação da lipase DGGR.
  • Doenças sistêmicas que podem ter um impacto no fígado são inúmeras e incluem condições inflamatórias como distúrbios gastrointestinais, pancreatite, e sepse. Não só nutrientes, minerais, oligoelementos e vitaminas são absorvidos pelos intestinos através da veia porta e chegam ao fígado, mas também fármacos, toxinas, bactérias e/ou citocinas são transportados em doenças gastrointestinais. As alterações citológicas associadas em hepatócitos compreendem o acúmulo de água e/ou glicogênio e costumam ser de natureza leve. Por conseguinte, o aumento da atividade da enzima ALT também costuma ser apenas leve. Condições infecciosas, incluindo bacterianas (por exemplo, leptospirose), virais (por exemplo, infecção por adenovírus canino tipo-1) ou fúngicas (por exemplo, histoplasmose) podem ser associadas a níveis de enzimas hepáticas significativamente elevados. O aporte de oxigênio é vital para o fígado, e a hipóxia, que pode ser secundária à anemia, hemólise ou doença cardiovascular, pode levar à ocorrência de danos hepatocelulares e a atividades anormais das enzimas hepáticas.
  • Danos musculares também devem ser considerados; a atividade da enzima AST não é específica do fígado e também pode aumentar após lesões musculares em virtude de sua localização no tecido muscular cardíaco e esquelético. Em função da natureza inespecífica da AST, é útil avaliar essa enzima, juntamente com outros parâmetros laboratoriais. A ALT também pode aumentar em algumas distrofias musculares raras; na maioria dos casos, a doença muscular ativa não está associada ao extravasamento da enzima ALT. Portanto, nos casos em que há um aumento concomitante nos níveis de ALT, é provável que a origem seja hepática. Se o histórico clínico e a anamnese do paciente revelarem um possível traumatismo ou inflamação muscular, a medição da atividade da enzima creatina quinase (CK) pode ajudar a identificar a doença muscular como a razão para o aumento da AST.
  • Ruptura hemolítica das hemácias (um processo também conhecido como hemólise) pode produzir leves aumentos na atividade da AST, pois a enzima também está presente nos eritrócitos. Este exemplo mostra que é fundamental fazer a avaliação hematológica, juntamente com os resultados bioquímicos.
  • Toxicidades são uma causa frequente de aumento das enzimas hepáticas, particularmente os fármacos administrados. O mecanismo mais importante é a indução da produção enzimática por essas substâncias. Essas toxicidades também constituem uma das principais causas de aumento da atividade da fosfatase alcalina (ALP). Os medicamentos de destaque são os anticonvulsivantes fenobarbital e primidona. Também é necessário mencionar os glicocorticoides (sobretudo a prednisolona e a prednisona), pois até mesmo as pomadas tópicas podem influenciar a atividade da fosfatase alcalina (Figura 3). Nesse caso, é de suma importância realizar uma pesquisa meticulosa do histórico clínico do paciente, uma vez que os tutores podem não considerar a influência de tais terapias e podem mencioná-las apenas se forem especificamente questionados. Os glicocorticoides estimulam a produção da isoforma da fosfatase alcalina induzida por corticosteroides específica para cães. Aumentos na atividade da enzima fosfatase alcalina (ALP) podem ser observados sete dias após o início do tratamento, declinando só seis semanas depois da interrupção da terapia. A interpretação da atividade da fosfatase alcalina em resposta ao tratamento é ainda mais complicada, uma vez que as alterações enzimáticas dependerão do tipo de esteroide e da dosagem aplicada, bem como da duração do tratamento e da via de administração (oral, intravenosa ou tópica). Para complicar ainda mais a interpretação, alguns pacientes podem apresentar uma resposta altamente individualizada a certos tratamentos.
  • Condições ósseas também podem afetar a atividade das enzimas hepáticas, pois a fosfatase alcalina (ALP) existe em várias isoformas. A fosfatase alcalina óssea origina-se dos osteoblastos e, portanto, pode-se observar um aumento de até 3 vezes nessa isoforma em animais jovens em crescimento em função da atividade osteoblástica elevada. O osteossarcoma pode ser acompanhado por aumento da remodelação óssea; portanto, a neoplasia óssea é um dos diagnósticos diferenciais se pacientes adultos apresentarem elevações na fosfatase alcalina (Figura 4). Também se devem considerar outros distúrbios ósseos (por exemplo, necrose, fraturas e intervenções ortopédicas).
  • Endocrinopatias também costumam causar um aumento da atividade das enzimas hepáticas. Altos níveis de glicocorticoides endógenos, tais como aqueles que ocorrem em casos de hiperadrenocorticismo (síndrome de Cushing), induzem a atividade da isoforma da fosfatase alcalina induzida por corticosteroides, um achado característico desse distúrbio. De fato, se não houver um aumento dessa enzima, a síndrome de Cushing é menos provável; no entanto, o diagnóstico ainda precisa se basear nos sinais clínicos compatíveis, nos achados laboratoriais e nos resultados de testes específicos, como o teste de supressão com dexametasona em baixa dose. Outros distúrbios endócrinos, como hiperparatireoidismo e diabetes mellitus, também são possíveis candidatos capazes de aumentar os níveis das enzimas hepáticas.
Aplicar uma pomada na mandíbula inferior de um cão

Figura 3. As pomadas tópicas que contêm glicocorticoides podem influenciar na atividade da fosfatase alcalina (ALP); no entanto, ainda que os tutores saibam que devem usar luvas ao aplicar pomadas, é possível que eles não considerem que o  medicamento possa influenciar os resultados do exame de sangue de seu pet
© Shutterstock 

Radiografia de um animal com osteossarcoma no úmero

Figura 4. Condições ósseas que induzem o aumento da atividade dos osteoblastos podem afetar os níveis de enzimas hepáticas, uma vez que a fosfatase alcalina (ALP) existe em várias isoformas. Um osteossarcoma pode ser acompanhado por aumento da remodelação óssea; portanto, a neoplasia óssea é um dos diagnósticos diferenciais caso pacientes adultos apresentem um aumento da fosfatase alcalina.
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Qual a utilidade das provas de enzimas hepáticas no monitoramento do diabetes mellitus?

A base do monitoramento do diabetes mellitus é a avaliação dos níveis de glicose. Entretanto, pacientes diabéticos apresentam metabolismo lipídico alterado e subsequente aumento da metabolização lipídica no fígado, tornando o monitoramento das enzimas hepáticas uma ferramenta útil para avaliar o estado da doença. Ao exame citológico, pode-se observar a presença de esteatose hepática, embora isso seja mais proeminente em gatos do que em cães. O acúmulo de lipídios nos hepatócitos leva a danos hepatocelulares, podendo-se observar um aumento nos níveis das enzimas ALT ou fosfatase alcalina (esta última enzima, inclusive, constitui um marcador particularmente sensível para detectar lipidose hepática em gatos); nesse caso, uma amostra de sangue pode mostrar lipemia acentuada (Figura 5).

Uma amostra de sangue mostrando lipemia acentuada

Figura 5. Uma amostra de sangue com lipemia acentuada pode ser indicativa de alteração do metabolismo lipídico, por exemplo, em diabetes mellitus não tratado.
© Shutterstock 

Quais testes devo fazer em um cão sob medicação de longo prazo para convulsões?

Conforme descrito previamente, medicamentos anticonvulsivantes como fenobarbital podem induzir a produção da enzima fosfatase alcalina (ALP). Durante a terapia, é importante avaliar os níveis de fenobarbital, pois níveis farmacológicos > 35 μg/mL são hepatotóxicos; além disso, o monitoramento da saúde geral do fígado é recomendado duas vezes por ano para cão em tratamento crônico com fenobarbital. Tal como foi dito anteriormente, os níveis das enzimas hepáticas dentro do intervalo de referência não descartam insuficiência significativa do fígado; portanto, deve-se considerar um teste de estimulação de ácidos biliares na suspeita de disfunção hepática em cão que esteja sob terapia anticonvulsivante.

É necessário realizar provas de coagulação em cão com doença hepática?

O fígado não só produz fatores de coagulação, mas também proteínas anticoagulantes, como Proteínas S e C, além de antitrombina e plasminogênio. Portanto, alterações na função hepática influenciam a produção e função de proteínas pró- e anticoagulantes, e o subsequente quadro clínico de coagulopatias pode variar de grave, como sangramento espontâneo, a apenas um prolongamento subclínico nos tempos de coagulação. Não é uma tarefa fácil prever como cada paciente reage. De modo geral, é necessária uma redução acentuada da massa hepática e subsequente insuficiência hepática grave para que a síntese dos fatores e proteínas descritos seja significativamente comprometida. Como o fator VII tem a meia-vida mais curta (6 horas) de todos os fatores de coagulação, espera-se que o tempo de protrombina (TP) se altere inicialmente.

Em muitos casos de suspeita de hepatopatia, há necessidade de aspirados por agulha fina ou biopsia do fígado para caracterizar melhor a natureza da doença, mas a determinação de fatores de coagulação, como TP e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa), antes da coleta da biopsia, facilita a avaliação de risco em pacientes com insuficiência hepática, embora a correlação dos resultados com possíveis tendências clínicas de sangramento não seja direta. Embora o prolongamento intenso dos tempos de coagulação possa estar associado a sangramento espontâneo ou relacionado com a biopsia, também foi constatado que nesses casos os tempos de coagulação às vezes se encontram levemente prolongados ou até mesmo normais.

Stefanie Klenner-Gastreich

A conclusão de que a atividade normal das enzimas hepáticas é indicativa de um fígado saudável é, portanto, claramente errônea. A interpretação das enzimas hepáticas sempre justifica a avaliação concomitante dos parâmetros da função hepática, bem como sua correlação com o histórico e os sinais clínicos do paciente.

Stefanie Klenner-Gastreich

Qual é o melhor protocolo para um teste de estimulação de ácidos biliares?

A maior sensibilidade ao avaliar os ácidos biliares para insuficiência hepática é alcançada através da realização de um teste dinâmico de estimulação desses ácidos. Isso envolve a medição dos ácidos biliares em jejum (normalmente após um jejum de 12 horas), e os resultados desse valor basal são comparados a uma amostra coletada 2 horas após a ingestão de alimentos contendo um teor moderado de gordura. O consumo de alimentos estimula a contração da vesícula biliar e a liberação de ácidos biliares na circulação êntero-hepática. Embora o momento da contração da vesícula biliar seja incerto com o valor basal, é mais provável que essa contração seja estimulada pela ingestão de alimentos e, portanto, isso permite uma melhor visão da função hepática.

A interpretação dos resultados dos testes de estimulação pode ser um desafio, já que, em primeiro lugar, é necessário garantir a ingestão alimentar; além disso, doenças gastrointestinais que possam causar retardo do esvaziamento gástrico ou absorção ileal diminuída da bile devem ser descartadas. A contração da vesícula biliar pode ocorrer em momentos imprevisíveis, e é possível que nem toda a bile armazenada seja liberada ou, então, a vesícula pode não se encher completamente de bile após sua liberação, o que também pode influenciar os resultados. A circulação êntero-hepática dos ácidos biliares é ainda mais influenciada pelo metabolismo das bactérias intestinais. Como regra geral para interpretar os resultados, pode-se avaliar o maior valor obtido, independentemente de a amostra ser basal ou estimulada. Se ambas as amostras tiverem ácidos biliares > 25 μmol/L, isso apoia o diagnóstico de insuficiência hepática. Os ácidos biliares em jejum também podem estar aumentados na colestase ou em outras hepatopatias secundárias. É provável que resultados > 50 μmol/L ainda sejam de disfunção relacionada a hepatopatias primárias. Resultados de ácidos biliares pré e pós-prandiais entre 20-50 μmol/L são inconclusivos e devem conduzir à repetição da análise em 2-3 semanas, juntamente com a correlação com outros achados de testes laboratoriais e/ou das técnicas de diagnóstico por imagem. Por fim, cabe ressaltar que resultados anormais de ácidos biliares podem ocorrer como consequência de várias doenças hepatobiliares subjacentes e são um achado inespecífico.

Considerações finais

Como praticamente todo perfil bioquímico de rotina realizado em cão incluirá uma variedade de parâmetros que podem ser utilizados para avaliar a função hepática, é importante saber quando um resultado anormal é significativo e quando um resultado dentro do intervalo de referência normal não é suficiente para excluir um possível diagnóstico. É aconselhável que o clínico sempre interprete os resultados das enzimas hepáticas em conjunto com o histórico e os sinais clínicos do paciente e repita determinados testes, além de buscar outras opções diagnósticas, quando for o caso.

 

Sugestões de leitura

  • E. Villiers, Ristić J. BSAVA Manual of Canine and Feline Clinical Pathology, 3rd ed. Gloucester, British Small Animal Veterinary Association, 2016
  • Stockham SL, Scott MA. Fundamentals of Veterinary Clinical Pathology, 2nd edition. Ames, IA; Blackwell Publishing, 2008
  • Lawrence YA, Steiner JM. Laboratory evaluation of the liver; a review. Vet. Clin. North Am. Small Anim. Pract. 2017;47(3):539-553. Doi: 10.1016/j.cvsm.2016.11.005. Epub 2017 Jan 4.
  • Konstantinidis AO, Patsikas MN, Papazoglou LG, et al. Congenital portosystemic shunts in dogs and cats: classification, pathophysiology, clinical presentation and diagnosis. Vet. Sci. 2023;10(2):160. Doi: 10.3390/vetsci10020160.
  • Charalambous M, Muñana K, Patterson EE, et al. ACVIM Consensus Statement on the management of status epilepticus and cluster seizures in dogs and cats. J. Vet. Intern. Med. 2024;38(1):19-40. Doi: 10.1111/jvim.16928. Epub 2023 Nov 3.

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Stefanie Klenner-Gastreich

Stefanie Klenner-Gastreich

A Dra. Klenner-Gastreich se formou como médica-veterinária em 2004 pela Universidade de Medicina Veterinária de Hannover na Alemanha Leia mais