Como prevenir problemas de comportamento em cães filhotes
Muitos tutores escolhem seu filhote pelos motivos errados, mas Jon Bowen identifica alguns fatores-chave que podem ajudar um filhote a se tornar um ótimo membro da família.
Número da edição 32.1 Outros conteúdos científicos
Publicado 10/08/2022
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español , English e Українська
O comportamento materno não só desempenha um papel importante na sobrevivência dos filhotes durante as primeiras semanas de vida, mas também pode ter um efeito duradouro no desenvolvimento cognitivo desses filhotes. O presente artigo oferece algumas dicas e pistas que podem ajudar o clínico ao lidar com filhotes recém-nascidos.
Uma cadela deve ser supervisionada de perto durante o parto e nos primeiros dias pós-parto.
Como a cesariana pode afetar o comportamento materno, os filhotes devem ser introduzidos com cuidado e a mãe monitorada de forma rigorosa nos primeiros dias até que ela os aceite definitivamente.
O mau comportamento materno pode potencialmente interferir no desenvolvimento cognitivo de um filhote.
Toda a fase de maternidade precisa acontecer em um ambiente livre de estresse para permitir que a cadela expresse plenamente o bom comportamento materno.
O estudo sobre o comportamento materno de mamíferos nos dá uma ideia das interações necessárias entre uma mãe e sua prole, bem como do nível de dependência entre os dois, e os comportamentos variam entre espécies precociais e altriciais. Na cadela, o bom comportamento materno é importante por duas razões principais. Em primeiro lugar, como os filhotes nascem indefesos, surdos e cegos, além de terem movimentos limitados (ou seja, uma espécie altricial), eles são totalmente dependentes de uma fonte externa para sobreviver. Para os cães domésticos, em comparação com cães errantes e alguns canídeos selvagens, o cuidado parenteral (ou seja, aquele dispensado pelos progenitores) é feito principalmente pela mãe; por essa razão, a sobrevivência dos filhotes é diretamente afetada pela qualidade das habilidades maternais (supondo que não haja intervenção humana). Em segundo lugar, o comportamento da mãe pode afetar o futuro desenvolvimento de sua prole; embora estudos recentes não sejam conclusivos, a qualidade materna parece impactar diretamente no desenvolvimento cognitivo e no desempenho de um filhote 1,2,3.
O comportamento materno canino vem sendo estudado há muitas décadas 4,5,6, mas há um consenso de que tal comportamento é uma resposta às necessidades dos neonatos. Os principais aspectos envolvem o contato direto (para termorregulação dos filhotes), a interação oral (por meio de lambeduras) e a amamentação, bem como as atividades lúdicas e disciplinares com eles. No entanto, o impacto dos cuidados maternos no desenvolvimento cognitivo dos cães é um conceito recente, em que vários estudos (1,2,3,7,8) tentam entender e prever como as interações precoces entre uma mãe e seus filhotes podem afetar as habilidades cognitivas destes últimos, quão duradouros são esses efeitos e quão grande é o impacto exercido sobre o desempenho e comportamento futuros dos cães adultos. Consequentemente, cuidados maternos deficientes podem ser a origem de comportamentos indesejados subsequentes. O presente artigo de revisão se concentrará em aspectos comuns do comportamento materno durante o parto e nas primeiras semanas de vida, além de abordar como os cuidados maternos podem influenciar as habilidades cognitivas e o temperamento de um cão.
As mudanças comportamentais na fêmea prenhe podem aparecer um ou dois dias antes do parto 9, mas os sinais podem ou não ser evidentes, dependendo da condição da cadela, ou seja, se ela é primípara ou multípara. Na maioria dos casos, ela ficará inquieta e seu apetite diminuirá 12 a 24 horas antes do parto. O comportamento de nidificação e escavação (ação de fazer ninhos e cavar, respectivamente) é mais variável, pois depende de fatores individuais e ambientais e do nível de contato humano 10. Nenhuma correlação foi estabelecida entre a intensidade da preparação para o parto e a qualidade do comportamento materno. Outros sinais também descritos incluem desatenção, sonolência, agressividade, ansiedade, imprevisibilidade, irritação e maior tendência de buscar a atenção do tutor, embora algumas cadelas possam preferir o isolamento. À medida que o nascimento se aproxima, a cadela passará mais tempo na área de parto. A diminuição da temperatura corporal pode causar calafrios ou tremores 9, e explicar outras mudanças comportamentais, mas o uso desse parâmetro como indicador de parto ainda é discutível. Uma queda de cerca de 1°C vem sendo utilizada para indicar o parto iminente 11, mas os dispositivos de registro da temperatura vaginal têm demonstrado que essa queda não tem um valor preditivo para o início do parto 12.
O parto normal (eutocia) é uma combinação de alterações fisiológicas, endocrinológicas e comportamentais que culminam no nascimento dos filhotes. O parto progride em três estágios com uma manifestação distinta de comportamentos. O primeiro estágio consiste no início das contrações uterinas subclínicas, juntamente com o relaxamento vaginal e a dilatação cervical, mas sem indicação de contrações abdominais. Algumas fêmeas não mostrarão sinais evidentes nessa fase, mas, se observados, eles mimetizarão os descritos para o parto iminente, como reorganização dos materiais constituintes da cama na tentativa de construir um ninho. A duração desse estágio pode ser afetada pela paridade da cadela, podendo chegar a 36 horas em uma fêmea primípara tensa 9, embora geralmente dure de 6 a 12 horas. O segundo estágio corresponde ao processo ativo do parto e se caracteriza por contrações abdominais fortes e coordenadas, seguidas de vocalização da cadela e liberação de líquidos fetais. Uma vez que o colo uterino esteja completamente dilatado, a presença do primeiro filhote nessa região do útero inicia o reflexo de Ferguson e desencadeia a liberação de ocitocina, com a contração dos músculos abdominais e consequente expulsão do filhote.
Assim que o filhote nascer, a cadela deve romper o saco amniótico (se essa membrana não tiver se rompido durante o parto) (Figura 1); os filhotes que permanecem dentro das membranas fetais podem morrer em questão de minutos se não forem liberados rapidamente. A cadela também deve rasgar o cordão umbilical e lamber vigorosamente o filhote recém-nascido 9, o que é importante tanto para estimular a respiração como para secar o filhote, além de ser essencial para estabelecer o vínculo materno. A inexperiência (na cadela primípara) e os altos níveis de ansiedade durante o parto podem interferir no comportamento materno e levar ao aumento da mortalidade dos filhotes. Todo o processo se repetirá até que nasçam todos os filhotes, e a cadela irá parar de lamber um recém-nascido quando as contrações recomeçarem para a expulsão de outro filhote. De fato, uma cadela pode se concentrar totalmente no processo de parição e parecer insensível ao choro dos filhotes 4, ignorando a ninhada até que o segundo estágio esteja concluído 5. Em geral, o primeiro filhote nascerá dentro de 1-2 horas após o início do segundo estágio, embora isso possa levar até 4 horas. A duração geral do estágio dois varia de acordo com o tamanho da ninhada, mas pode durar até 12 horas e, possivelmente, é postergado ou interrompido por qualquer estresse ou perturbação 4,5.
O terceiro estágio refere-se à expulsão das membranas fetais, o que pode ocorrer após o nascimento de cada filhote ou de dois ou três filhotes. Se permitido, a cadela costuma comer as placentas, o que em carnívoros é importante por vários motivos: por higiene, como fonte de energia para a fêmea 4 e (possivelmente) para diminuir a atração de predadores.
Uma vez concluído o parto, a cadela deverá apresentar um conjunto de comportamentos que permitam a sobrevivência, o crescimento e o desenvolvimento dos filhotes 13. Os estudos sobre o comportamento materno tendem a se concentrar em aspectos fáceis de mensurar, como as interações oronasais (lambendo ou cutucando os filhotes), o tempo gasto com a ninhada (tanto em contato próximo como dentro da área do parto) e a duração e posição da cadela durante a amamentação. Embora o comportamento materno seja importante até o desmame, aqui se enfatizam os períodos neonatal e transicional – quando os filhotes dependem mais da mãe. E esses estágios são cruciais para determinar como a natureza e as habilidades da mãe podem afetar o desenvolvimento dos filhotes. O período neonatal (definido como os dias 1 a 16) é a adaptação à vida extrauterina, enquanto o período de transição começa quando os filhotes abrem os olhos e se caracteriza pelo desenvolvimento da capacidade auditiva e das habilidades neurológicas 10. Ao final desse período, os sentidos de um filhote estarão totalmente funcionais, e seus níveis de dependência começam a diminuir à medida que seu comportamento exploratório aumenta.
A primeira interação da cadela com o filhote recém-nascido é a lambedura 4,6,9. Conforme abordado anteriormente, isso não só é crucial para a sobrevivência do filhote, mas também é fundamental para desencadear a conexão materna. Acredita-se que a lambedura inicie os processos de micção e defecação do filhote nas primeiras três semanas de vida 6,9,14, além de ser utilizada pela fêmea para despertar os filhotes quando ela estiver pronta para amamentá-los e direcioná-los até as glândulas mamárias. A fêmea continuará a lamber os filhotes pelo menos até o desmame, embora isso diminua ao longo do tempo e, por volta de 21 dias de vida, os filhotes já conseguem fazer as suas necessidades sozinhos.
É possível que a frequência e/ou o tempo dedicados à lambedura dos filhotes possa(m) afetar o comportamento cognitivo dos cães. Embora a atividade de lamber tenha sido usada para classificar o comportamento materno 1,2,3,7 não foi estabelecida nenhuma correlação direta entre esses aspectos; no entanto, pesquisas realizadas em roedores demonstraram que os filhotes submetidos à lambedura frequente por sua mãe são mais bem adaptados ao estresse e têm maior sinalização de genes associados à aprendizagem e à memória.
Outro comportamento materno importante é permanecer em estreito contato com os filhotes e, por essa razão, uma mãe novata se mostrará relutante em desocupar a área de parto (Figura 2) até pelo menos cerca de três dias após o nascimento 5,6,8,14. Nesta altura, ela pode ser extremamente protetora, sobretudo contra estranhos 4. Pouco a pouco, ela retomará suas atividades diárias, deixando os filhotes com mais frequência. O contato próximo entre a mãe e os filhotes é muito importante para prevenir a hipotermia; como os recém-nascidos têm uma termorregulação deficiente, é fundamental que eles tenham uma fonte de calor (da progenitora e/ou do ambiente) para mantê-los aquecidos. A hipotermia em um recém-nascido pode suprimir certas funções do corpo, inclusive os processos de digestão e respiração. Há uma queda fisiológica na temperatura corporal de um filhote logo após o nascimento 15 antes de essa temperatura aumentar gradualmente para 35-37°C – a faixa normal para filhotes recém-nascidos no dia 7. A dependência do calor externo diminui com o tempo, mas uma fonte de calor que permita aos filhotes manter uma temperatura corporal estável parece ser importante até a 4ª semana de vida 16.
Para os mamíferos, a nutrição depende basicamente do comportamento de amamentação da mãe. O aleitamento e a sucção são atividades interligadas, em que a mãe realiza a amamentação e o filhote responde por meio da sucção. Essa atividade é essencial para a sobrevivência da prole, proporcionando tanto a nutrição necessária como (nas primeiras 24 horas após o nascimento) a transferência de anticorpos colostrais. É uma manifestação do cuidado materno, controlado tanto pelo estado hormonal como pelo sistema nervoso central 17. Embora a amamentação possa ser iniciada antes do término do parto, a alimentação dos filhotes não é uma prioridade para a cadela até que o parto esteja concluído 4. Nos primeiros dias após o nascimento, a cadela amamenta seus filhotes quase constantemente 8,14. Nos primeiros 21 dias pós-parto, a cadela se deita e lambe os filhotes para motivar a amamentação; essa interação é maior à noite 14. Uma vez que tenham plena mobilidade, os filhotes iniciam o comportamento de sucção 8,14, mas a duração e a frequência da amamentação diminuem aos poucos. A posição preferida da cadela para amamentar também varia de acordo com a hora do dia; a posição sentada costuma ser mais observada durante o dia (Figura 3), enquanto a posição em decúbito é vista com maior frequência à noite (Figura 4) 14. Isso parece influenciar o desenvolvimento de um filhote, embora ainda haja necessidade de mais pesquisas a respeito. Os estudos em cães-guia mostraram que os filhotes de cadelas que amamentavam com mais frequência em decúbito (i. e., deitadas) tinham menor probabilidade de serem selecionados para adestramento do que aqueles cuja mãe amamentava principalmente na posição sentada ou em estação 2.
O filhote regula a frequência e a duração da sucção, embora não tenha sido identificada uma preferência individual de um filhote por um determinado mamilo. Uma vez alimentados, os filhotes simplesmente largam os mamilos, mas enquanto eles estiverem presos aos mamilos, a cadela raramente sai do ninho, pelo menos no início do período pós-parto. Por volta do dia 13 pós-parto, a cadela começa a interromper ativamente a atividade de amamentação 17.
À medida que os filhotes se desenvolvem, a frequência e a intensidade do comportamento materno declinam 3,4,11. O tempo dedicado à atividade de lambedura diminui conforme os filhotes evoluem 6,17, assim como o grau de contato – por haver menos dependência da mãe para se aquecerem, a cadela passa mais tempo longe dos filhotes 14. A duração e a frequência da amamentação também diminuem aos poucos 1,14 e, à medida que os filhotes se tornarem mais fortes e mamarem com mais eficiência, a cadela os deixará com maior frequência.
Um alimento úmido deve ser introduzido por volta das 3-4 semanas de vida para habituar a ninhada a alimentos sólidos e complementar a dieta dos filhotes, uma vez que a produção do leite materno começará a diminuir. Nesse momento, os filhotes também são capazes de deixar o ninho, mas embora a amamentação possa não ser necessária do ponto de vista nutricional, os filhotes continuarão a mamar, provavelmente pela satisfação emocional 18.
Durante o período neonatal, as atividades de um filhote consistem predominantemente em mamar e dormir. Após o nascimento, os filhotes procuram um lugar quente, buscam pela glândula mamária (sinais olfativos parecem impulsionar a atração) e tentam mamar o mais rápido possível. A atividade do recém-nascido é mínima nas duas primeiras semanas de vida, e os filhotes permanecerão próximos da mãe e uns dos outros (ou a alguma fonte externa de calor), presumivelmente para manter a temperatura corporal; conforme mencionado anteriormente, a interação com a mãe costuma ser iniciada por ela 14.
No momento em que os filhotes abrem os olhos e seus movimentos se tornam mais coordenados, a interação entre a mãe e os irmãos da ninhada fica mais dinâmica 6,8,14. Eles começam a procurar ativamente pela mãe 6, e os padrões de amamentação são mais variáveis 14; além disso, eles mostram maior interação com a mãe e os companheiros de ninhada, bem como com os brinquedos e seres humanos. Choramingos e/ou choros são uma indicação de angústia (p. ex., frio, fome) e normalmente incitam a mãe a responder às necessidades dos filhotes. Os criadores usam os níveis de ruídos para avaliar o nível de serenidade de uma mãe (Figura 5) 8, portanto, se uma ninhada estiver chorando com regularidade, isso pode ser uma indicação de mau comportamento materno – por exemplo, a cadela não está ficando com os filhotes o suficiente e/ou o tempo dedicado à amamentação e lambedura é insuficiente.
O comportamento materno pode ser definido em duas fases. Uma fase crítica ou sensível, associada a importantes alterações hormonais durante o parto, seguida de uma fase de manutenção, com um componente mais psicossensorial que perdura até o desmame 19. Embora haja poucas informações disponíveis sobre o que provoca o comportamento materno em cães e como ele difere entre os indivíduos, existem vários fatores possíveis envolvidos.
Vários hormônios são responsáveis pelo parto na cadela e provavelmente também estão envolvidos no comportamento materno, embora a forma como cada hormônio regula isso seja pouco compreendida. A cascata hormonal implica uma queda na progesterona, o que inicia o trabalho de parto, e um aumento na secreção de estrogênios, ocitocina, relaxina, prolactina e prostaglandinas, bem como a sub-regulação ou suprarregulação dos receptores. Em particular, ainda não está claro como a prolactina e a ocitocina regulam o comportamento materno. A ocitocina contribui para as contrações uterinas e parece ser importante para as características maternas. A influência da ocitocina é bem documentada em outras espécies, e baixos níveis desse hormônio foram associados ao canibalismo em um estudo canino 20. Os níveis de ocitocina na saliva não são um fator preditivo das qualidades maternas na cadela 21, mas a administração intranasal desse hormônio parece ajudar na expressão do comportamento materno após a cesariana 22. No entanto, não se conduziu nenhum estudo controlado para estabelecer os efeitos do hormônio e o tempo de sua eficácia. Além de ser responsável por promover a lactação, a prolactina provavelmente também contribui para o comportamento materno, embora não esteja claro como ela atua. A queda da progesterona também parece desempenhar um papel, pois explica as mudanças comportamentais observadas na pseudociese.
O parto e o estabelecimento da maternidade podem ser percebidos ou encarados como uma situação de estresse. Cadelas demasiadamente estressadas parecem ter mais dificuldade de se adaptar à maternidade e às mudanças que ela exige. Os ferormônios apaziguadores de cães podem reduzir o estresse e modular positivamente os cuidados maternos; foi demonstrado que o uso desses ferormônios aumenta a disposição da cadela para ficar com os filhotes por mais tempo, juntamente com um melhor relacionamento geral entre mãe e prole 8.
A estimulação vaginocervical parece ser importante para o comportamento materno, pois cadelas submetidas à cesariana sem iniciar o trabalho de parto podem ter problemas para exibir interações adequadas com seus filhotes, embora a importância dessa estimulação ainda não tenha sido comprovada (Figura 6).
Os líquidos amnióticos também parecem desempenhar um papel crítico na aceitação dos filhotes pela mãe 4,23. Uma cadela rejeitará um filhote retirado da mãe ao nascer e lavado, mas se o recém-nascido for coberto de líquido amniótico, ela o aceitará novamente 23; portanto, usar líquido amniótico antes de apresentar uma ninhada a uma cadela após a cesariana pode melhorar o reconhecimento materno.
O efeito da paridade sobre o comportamento parece ser relativamente sem importância, pois não foram observadas grandes diferenças ao comparar cadelas primíparas e multíparas 1,4. As cadelas multíparas tendem a apresentar cuidados maternos consistentes (constantes), enquanto as primíparas melhoram seu comportamento materno ao longo do tempo 7. Um estudo feito com criadores de cães relatou que cadelas primíparas estavam super-representadas com problemas comportamentais maternos 24, por isso, é importante monitorar o processo de parto, particularmente em cadelas primíparas tensas, pois a inexperiência da mãe pode levá-la a não exibir traços maternos corretos e até manifestar comportamentos anormais, como canibalismo. Mães com ninhadas pequenas têm mais contato com cada filhote e tendem a ter uma classificação melhor em termos de atributos maternos 1.
A genética pode desempenhar um papel importante no comportamento materno, embora seja pouco compreendida, e a seleção de bons cuidados maternos não é uma prioridade para muitos criadores. A interferência humana pode afetar negativamente a forma como a mãe interage com seus filhotes, mas talvez seja aconselhável evitar a reprodução de filhotes de uma fêmea com mau comportamento materno. Embora existam relatos anedóticos sobre como as qualidades maternas podem variar entre as raças, isso não foi investigado em profundidade; em um único estudo, nenhuma raça específica foi apontada como particularmente problemática em termos de comportamento materno 24. Contudo, em um estudo que avaliou o comportamento materno e o sucesso da seleção de filhotes como cães-guia a raça Golden Retriever pareceu ser melhor que o Pastor Alemão 2.
A qualidade dos cuidados maternos já pode ser aparente durante o parto. Uma mãe inexperiente pode não saber o que precisa ser feito para romper o saco amniótico e o cordão umbilical, aumentando a chance de problemas. Além disso, cadelas que demonstram pouco interesse em lamber seus filhotes também podem apresentar mau comportamento materno durante todo o período pós-parto. Uma cadela normalmente escolhe um ambiente calmo e seguro para dar à luz seus filhotes; portanto, se a fêmea se sentir ameaçada, ela pode se tornar agressiva. A agressividade contra os filhotes é rara e, em geral, é direcionada a estranhos e outros animais da casa. Mesmo uma fêmea muito dócil pode mostrar sinais de agressão se perceber alguma situação como uma ameaça para os seus filhotes. Caso se observe um comportamento agressivo em relação aos filhotes, isso costuma acontecer nos primeiros dias do pós-parto, tipicamente em cadelas primíparas, podendo até levar ao canibalismo materno. As possíveis causas incluem o excesso de estresse, a superlotação e a desnutrição. Há relatos de baixos níveis de ocitocina e lipídios no sangue na raça Pastor de Kangal com histórico de canibalismo materno 20. Alternativamente, na experiência da autora, uma cadela primípara tensa, ao cortar o cordão umbilical, pode matar e comer seus filhotes sem intenção. Também se pode observar a falta de produção de leite (agalactia), tipicamente em cadelas primíparas, aquelas submetidas à cesariana prematura ou outras afetadas por doença sistêmica; no entanto, não foram conduzidos estudos correlacionais entre a agalactia e o mau comportamento materno.
Natalia Ribeiro dos Santos
Estudos em ratas confirmam que a qualidade e a quantidade de interações com a mãe no período pós-parto inicial podem influenciar o desenvolvimento fisiológico, cognitivo e comportamental da prole. Todavia, não está claro se isso pode ser extrapolado para uma cadela e seus filhotes, e em que grau. Os períodos neonatal e transicional dos cães caracterizam-se por um rápido desenvolvimento neurológico, e vários estudos que avaliaram o impacto do comportamento materno sobre o desenvolvimento de um animal são contraditórios 1,2,3, até o momento, os resultados aparentemente dependem da raça do cão e/ou de seu principal aspecto funcional. Assim, para filhotes de Pastor Alemão do exército, um escore materno elevado teve um impacto positivo nas características cognitivas necessárias para a realização do trabalho deles 1, ao selecionar cães-guia, entretanto, os filhotes de mães que demonstraram maiores níveis de comportamento materno apresentaram características que diminuíram suas chances de seleção. Por exemplo, eles eram mais propensos a ter níveis mais altos de atividade quando deixados sozinhos, exibiam um curto período de latência antes de vocalizar quando apresentados a um novo objeto e mostravam baixo desempenho e perseverança em tarefas para a resolução de problemas 2. Além disso, os resultados de testes com filhotes (de dois meses de vida) para lidar com situações de estresse também foram paradoxais; um maior cuidado materno melhorou a capacidade dos filhotes em um ambiente laboratorial 25, mas teve um efeito negativo naqueles criados em um ambiente doméstico 3.
Não há dúvida de que a interação precoce entre a mãe e os filhotes pode afetar a capacidade cognitiva deles. Contudo, existem várias incógnitas a esse respeito: em que momento há uma janela crítica durante o período pós-parto? Qual o efeito a longo prazo sobre o desempenho e comportamento dos cães? É possível compensar o mau comportamento materno em uma fase mais tardia – e, em caso afirmativo, com que eficácia? O período de socialização, que começa por volta de 3 semanas de vida e termina em torno de 12-14 semanas, pode ser de maior importância, pois os filhotes estão mais maduros nessa fase e, portanto, mais suscetíveis aos efeitos positivos e negativos das interações com a mãe, seus companheiros de ninhada, outros cães e humanos. Em virtude dos inúmeros fatores envolvidos, os efeitos das experiências no início da vida exigem mais estudos e observações para entender melhor seu impacto sobre o desenvolvimento de um cão.
Embora ainda seja necessário analisar com maior profundidade muitos aspectos do comportamento materno na cadela, o médico-veterinário deve estar ciente de alguns fatores que podem, em particular, influenciar consideravelmente o período periparto. Talvez o mais importante seja quantificar os fatores ligados a cada cadela individualmente e como eles se relacionam com seu comportamento materno. Cadelas primíparas ansiosas, e qualquer cadela que tenha sido submetida à cesariana, requerem maior atenção nos primeiros dias do pós-parto, e o mau comportamento materno deve ser tratado o mais rápido possível na tentativa de evitar quaisquer efeitos negativos duradouros sobre os filhotes e minimizar comportamentos indesejáveis no futuro.
Agradecimentos
A autora gostaria de agradecer a Cindy Maenhoudt por sua assistência na edição deste artigo e aos muitos criadores de cães que a ajudaram a entender melhor o comportamento materno na cadela.
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