Revista médica e científica internacional dedicada a profissionais e estudantes de medicina veterinária.
Veterinary Focus

Número da edição 32.1 Outros conteúdos científicos

Consultas bem-sucedidas de filhotes felinos

Publicado 09/08/2022

Escrito por Elizabeth O’Brien

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español , English e Українська

O êxito das visitas de filhotes felinos à clínica veterinária irá preparar o paciente para uma vida inteira de cuidados veterinários, conforme explica Elizabeth O'Brien.

A well-designed cat examination room, with a blanket sprayed with pheromone and treats

Pontos-chave

Os médicos-veterinários precisam entender tanto a mentalidade felina como a mentalidade do tutor do gato para alcançar o sucesso em uma consulta de filhotes dessa espécie.


A consulta bem-sucedida dos filhotes felinos começa muito antes de o tutor e o pet chegarem à clínica veterinária; um bom preparo antes da visita diz tudo.


Os adultos e filhotes felinos são “obcecados por controle” e devem se sentir no comando durante toda a consulta.


Um gato saudável começa com boas experiências como filhote, juntamente com uma comunicação clara entre o médico-veterinário e o tutor do pet.


Introdução

Segundo Leonardo Da Vinci, “O menor dos felinos é uma obra-prima”; por isso, talvez não seja nenhuma surpresa que os filhotes de gatos sejam incrivelmente populares entre os apaixonados por animais e, portanto, representem uma parcela significativa da população de pacientes veterinários tanto em clínicas gerais de pequenos animais como em clínicas de especialidades felinas. É fundamental proporcionar uma experiência positiva para cada tutor e filhote, tanto nas consultas iniciais como nas subsequentes, pois os primeiros estágios de vida de um paciente felino constituem uma oportunidade para a equipe veterinária orientar o cliente e desenvolver um relacionamento de confiança a longo prazo com esse tutor, estabelecendo as bases para uma vida inteira de cuidados de saúde preventivos para o seu pet.

 

Compreendendo o paciente felino

É vital entender o paciente felino, não apenas em suas necessidades, mas também como ele – e seus tutores – encaram a consulta veterinária. Mais do que qualquer outra espécie, os gatos precisam de bons cuidados preventivos e da detecção precoce de doenças, o que só é possível com visitas regulares ao médico-veterinário. Os gatos são mestres em esconder doenças, e seus sinais de enfermidades são sutis. Contudo, apesar da necessidade de cuidados preventivos regulares, os tutores de gatos visitam as clínicas veterinárias em uma frequência muito menor do que os de cães, embora uma pesquisa de 2006 nos EUA indique que 78% das famílias que possuíam gatos consideravam seus pets como verdadeiros membros da família 1. Parte da razão pela qual os gatos são menos propensos a serem levados à clínica veterinária é o “estresse” da visita ao médico-veterinário, tanto para o gato como para o cliente. Um estudo recente revelou que 58,2% dos clientes detestam levar seu gato ao médico-veterinário e 38% ficam estressados só de pensar nisso 2, e, de fato, essas visitas costumam ser extremamente desafiadoras para os gatos, os clientes e a equipe veterinária também. Outro fator a ser considerado é a percepção do tutor. Na América do Norte, a maioria dos gatos é mantida exclusivamente como pet indoor ou de interior (ou seja, dentro de casa) e, muitas vezes, seus tutores acreditam falsamente que esses animais estejam livres dos riscos de doenças. Esse “mito do gato de interior” pode gerar dificuldades para que as equipes veterinárias convençam os clientes a trazerem seus gatos para uma consulta anual ou semestral. No entanto, as várias visitas requeridas para concluir as etapas necessárias de cuidados de saúde preventivos para um filhote felino oferecem a oportunidade de criar uma maravilhosa experiência “cat-centric” (centrada nos gatos) – que, além de ser apreciada pelo cliente, não resulta em um estresse demasiado no paciente. Além disso, as consultas e comunicações proporcionam um momento ideal para orientar o cliente e plantar as sementes para um futuro de cuidados veterinários regulares.

Elizabeth O’Brien

Mais do que qualquer outra espécie, os gatos precisam de bons cuidados preventivos e da detecção precoce de doenças, o que só é possível com visitas regulares ao médico-veterinário.

Elizabeth O’Brien

É essencial reconhecer que, tanto para o gato como para o cliente, uma visita veterinária felina dura muito mais do que o tempo da consulta agendada. Na verdade, ela começa bem antes da chegada à clínica e termina muito mais tarde – às vezes dias – após a consulta, pois uma casa com vários gatos fica conturbada e instável depois da visita. Da caixa de transporte ao trajeto, passando pela exposição a imagens, cheiros e sons estranhos na clínica, o gato tem muitas razões válidas para desconfiar. A natureza solitária dos gatos e o fato de terem evoluído sob risco de predação os levam a terem uma natureza autodefensiva, com a necessidade de buscar proteção para si mesmos o tempo todo. Além disso, como os gatos têm boa memória de longo prazo (ou seja, por um longo período), experiências negativas prévias podem afetar sua resposta em uma situação semelhante mais tarde e, portanto, uma visita insatisfatória ou desagradável à clínica pode afetar negativamente o bem-estar de um paciente felino a curto e longo prazo 3,4. Por essa razão, é imperativo que o pessoal da clínica priorize uma experiência centrada nos gatos para todos os pacientes felinos e clientes de forma indistinta e igualitária. Felizmente, com recursos como o Cat Friendly Practice® Program (Programa de Clínica Cat-Friendly) da AAFP*/ISFM** e o Cat Friendly Certificate Program (Programa de Certificação Cat-Friendly) da AAFP, as equipes veterinárias estão desenvolvendo uma compreensão muito melhor dessa espécie incrível e agora elas são capazes de tomar medidas para evitar fatores indutores de estresse ambiental e aqueles decorrentes do manuseio, resultando em melhores experiências tanto para os pacientes como para os clientes.

* American Association of Feline Practitioners

** International Society for Feline Medicine

A aquisição de um filhote felino pela primeira vez – ou a introdução de outro filhote da mesma espécie a uma casa que já tenha gatos – é um momento emocionante e empolgante para o tutor, e a comunicação inicial entre a clínica e o novo pai do gato é fundamental. Essa comunicação precisa ser envolvente, atrativa, educativa e compassiva. Mesmo que já exista um relacionamento de longa data com um cliente, esta é a oportunidade de compartilhar do entusiasmo dele e criar ou aumentar o seu vínculo com esse tutor. Os clientes precisam sentir desde o início que toda a equipe veterinária tem uma verdadeira consciência e preocupação com o seu gato. Por exemplo, a recepcionista precisa mostrar interesse e se conectar com o cliente, fazendo perguntas sobre onde ele adquiriu o filhote e como escolheu o nome, além de descobrir pequenos detalhes que são exclusivos do novo membro da família. É benéfico incluir essas informações nos prontuários do gato, pois isso permite que todos os membros da equipe se relacionem com o cliente de uma forma mais pessoal.

 

Tornando o percurso mais fácil

Como mencionado anteriormente, a visita ao médico-veterinário para o gato e sua família começa muito antes da consulta. Para muitos gatos, a caixa de transporte é o entrave inicial para uma consulta bem-sucedida. Colocar um filhote felino em uma caixa de transporte pela primeira vez pode não ser um grande desafio, mas é muito provável que se torne mais um problema com visitas frequentes. Na opinião da autora, as melhores caixas de transporte são as de baixo custo e paredes rígidas, que se abrem tanto pela parte de cima como pela frente, podendo também ser desmontadas ao meio (Figura 1). A alternativa inclui as caixas de transporte macias “tipo câmara” que possuem uma cama onde o gato pode dormir, com um fechamento de zíper. Qualquer uma das opções admite uma parte superior facilmente removível, evitando que o gato seja arrastado ou despejado de forma traumática de sua caixa de transporte. Também permite que um animal com medo, ansiedade ou dor permaneça na metade inferior da caixa de transporte durante todo o exame. Embora a parte superior da caixa deva ser facilmente removível, ela precisa ser robusta o suficiente para não desmontar nem se desfazer durante o transporte; ademais, todas as caixas devem ser duplamente avaliadas quanto à estabilidade antes do uso.

An ideal cat carrier must be secure but should also have a top

Figura 1. Uma caixa de transporte ideal para gatos deve ser não só segura, mas também ter uma parte superior facilmente removível, a fim de permitir o exame de um filhote assustado ou medroso enquanto ele permanece na metade inferior.

Créditos: Shutterstock

O ideal é que os gatos filhotes e adultos sejam adestrados para que eles gostem de sua caixa de transporte e se acostumem a viajar dentro dela. A natureza autodefensiva dos felinos significa que eles suspeitam fortemente de qualquer coisa nova no ambiente, e o aparecimento da caixa de transporte costuma ser um sinal para se esconder rapidamente debaixo da cama o máximo possível. Por sorte, os filhotes são naturalmente curiosos e mais aventureiros do que suas contrapartes adultas e, a princípio, eles não se preocupam com a presença de uma caixa de transporte; por essa razão, os tutores devem ser incentivados a tirar proveito disso. Aconselhe o cliente a deixar a caixa de transporte (com a porta aberta ou removida) em um cômodo da casa frequentado pelo filhote. A caixa deve ter uma cama confortável, complementada com um cobertor grosso, brinquedos e petiscos. É uma boa ideia acostumar os filhotes a passear de carro, aconselhando os clientes a levá-los para fazer passeios breves em sua caixa de transporte; no entanto, enfatize a importância de nunca deixar um pet no veículo, sozinho sem supervisão. O local mais seguro para se colocar uma caixa de transporte é a área onde ficam os pés das pessoas atrás dos bancos dianteiros; caso contrário, a caixa de transporte deverá ser mantida no lugar com um cinto de segurança. Outra vez, o ato de cobrir parcialmente a caixa com uma toalha borrifada com ferormônios sintéticos proporciona um conforto adicional ao filhote. 

Embora a regra geral para gatos adultos seja 1 gato por caixa de transporte, a autora se mostra confortável com a possibilidade de levar um casal de filhotes (ou até mesmo toda a ninhada) até a clínica em uma única caixa de transporte nas primeiras visitas. Quando eles começarem a ficar um pouco maiores e se tornarem mais independentes, é fundamental que cada filhote tenha a sua própria caixa de transporte. De preferência, os gatos adultos devem ficar em jejum antes de uma visita à clínica, para que os petiscos, que são excelentes distrações, sejam mais interessantes ao paciente e mais prontamente recebidos. No entanto, os filhotes felinos são tão curiosos que os brinquedos funcionam como ótimas diversões, e os petiscos podem ser tão interessantes de se ver quanto de comer. Isso faz com que o jejum de filhotes não seja algo benéfico e, de qualquer forma, não é uma prática recomendada, pois eles têm uma taxa metabólica muito alta.

O preparo adequado por parte da equipe de recepção antes da consulta definirá o sucesso da primeira e das próximas visitas dos filhotes; assim, o ato de postar ou enviar por e-mail uma carta de boas-vindas e um folheto informativo abrangendo os tópicos importantes descritos anteriormente, incluindo fotos dos modelos preferidos de caixas de transporte, antes da consulta será de enorme benefício.

 

Experiências em clínicas cat-friendly e cat-centric

 

A sala de espera/recepção

O novo paciente chegou em uma caixa de transporte que lhe agrada, totalmente relaxado (i. e., sem estresse) com a ida à clínica; então, o objetivo é continuar tendo sucesso nessa consulta. Os gatos se sentem inseguros se forem colocados no chão; por isso, todas as clínicas devem ter uma área claramente identificada na recepção, longe de cães e outros gatos, onde a caixa de transporte possa ficar distante do chão – o ideal é 48 polegadas/120 cm ou mais acima do nível do solo. Os gatos gostam de ficar no alto, para que possam olhar o mundo de cima, e os filhotes não são exceção (Figura 2). Toalhas pré-tratadas com ferormônios sintéticos devem estar prontamente disponíveis para cobrir pelo menos parte da caixa de transporte (se, obviamente, ainda não tiverem sido feitas pelo cliente); deixar as toalhas em um cesto – no mesmo estilo de um spa – com um letreiro educativo, mas atrativo, é uma ideia bacana e extremamente bem recebida pelos tutores. Tais toques demonstram o profundo compromisso da equipe com o paciente felino.

All clinics should have a clearly identified area in the reception area away from dogs

Figura 2. Todas as clínicas devem ter uma área claramente identificada na sala de recepção, longe dos cães, onde a caixa de transporte possa repousar distante do chão.

Créditos: Royal Canin

Curiosamente, muitas clínicas parecem estar focadas em cães. É aconselhável que a equipe veterinária entre no consultório pelo mesmo trajeto feito pelo cliente e observe a área da recepção e as salas de exame; a clínica e a equipe passam a impressão de que todos gostam de gatos ao novo pai do pet felino? A área da recepção e as salas de exames devem transmitir essa mensagem, garantindo que os gatos sejam ao menos tão bem representados quanto os cães em termos de materiais educativos e produtos (p. ex., brinquedos, caixas de transporte e coleiras para gatos) (Figura 3). Embora isso obviamente seja para benefício do cliente e não do gato, a clínica e a equipe devem conquistar o tutor primeiro para cuidar do paciente felino. É fundamental ser “Cat-Centric”, onde tudo tem a ver com o gato e o cliente. Até mesmo as imagens ou obras de arte nas paredes devem ser inclinadas para a espécie felina – embora seja recomendável evitar fotos de gatos de verdade que possam ser vistas da mesa de exame ou da área de repouso da caixa de transporte, pois se sabe que isso pode desencadear uma reação negativa em alguns gatos. Imagens ou quadros abstratos e decorativos são os preferidos.

Toys, collars and an overall “cat focus” at the front desk

Figura 3. Brinquedos, coleiras e, no geral, “foco no gato” na área da recepção, juntamente com um “embaixador” felino residente, mostra que a equipe da clínica é "cat-centric” (ou seja, centrada nos gatos).

Créditos: Elizabeth 0’Brien

Dando início à consulta

Idealmente, é uma boa ideia levar o filhote para uma das salas de exame o mais rápido possível, em parte porque as áreas da recepção tendem a ser movimentadas e barulhentas. As salas de exame exclusivas para gatos (“feline only”) são ideais e devem incluir um difusor de ferormônio. A caixa de transporte deve ser colocada no chão ou em um banco baixo e, em seguida, aberta, para que o filhote seja incentivado a sair por conta própria. Petiscos, alimentos e brinquedos do lado de fora da caixa são úteis. A autora também gosta de ter um tapete de grau industrial (tipo piso emborrachado) na sala de exame; como os gatos são obcecados por controle, um tapete proporciona maior tração e segurança ao filhote, além de permitir que o pet brinque enquanto o clínico adquire o histórico antes de iniciar o exame (Figura 4).

Se o filhote estiver assustado e decidiu ficar na caixa de transporte, a tampa poderá ser removida ou aberta (se, no caso, for de zíper), permitindo que ele permaneça sentado com segurança na metade inferior dela. A maioria dos filhotes nesse momento decidirá explorar; entretanto, é preciso ter cuidado caso isso seja feito na mesa de exame. Não deixe o filhote saltar, pois isso pode causar lesões ou ferimentos; em vez disso, com a sua ajuda, conduza-o delicadamente até o chão. Deve-se permitir que o filhote circule livremente pela sala e também persiga e se distraía com brinquedos antes do exame e, se houver mais de um gatinho, todos eles devem ficar à vontade na sala de exame juntos. Os gatos adultos e filhotes precisam sentir que são “donos da sala de exames” e estão “no comando” da consulta. O ideal é lhes dar a oportunidade de brincar e marcar a sala com seus próprios ferormônios faciais, esfregando-se contra a mesa, os cantos, os armários – e até mesmo no médico-veterinário. Também deve haver um lugar para se esconder, pois alguns filhotes são medrosos; a tampa da caixa de transporte ou tendas para pets são ideais para essa finalidade. É fundamental e necessário se referir ao filhote pelo seu nome e sexo correto para o sucesso contínuo da relação cliente/paciente.

A well-designed cat examination room, with a blanket sprayed with pheromone and treats

Figura 4. Uma sala de exame bem projetada para gatos, com um cobertor borrifado com feromônio e petiscos para criar uma experiência positiva para o filhote e o cliente, juntamente com imagens de felinos (desenhos, quadros, etc.) nas paredes.

Créditos: Elizabeth 0’Brien

Realizando o exame

A sala de exame deve não só estar equipada com tudo o que o clínico necessita para as consultas prontamente disponível, mas também ser lúdica e educativa. Balanças para gatos ou balanças pediátricas devem estar na mesa ou no chão para uma medição fácil e precisa (exata) do peso (Figura 5). A mesa de consulta deve ser coberta por uma manta ou toalha grossa, o que dará segurança e tração ao filhote, com um tapete de ioga ou tapete de borracha colocado embaixo para mantê-la no lugar. Lembre-se de que até os filhotes são obcecados por controle; assim, escorregar em uma mesa de aço inoxidável ou laminado é uma experiência assustadora para a espécie felina. O ideal é que haja difusores de feromônio na sala; entretanto, caso esses difusores não estejam disponíveis, o revestimento da mesa poderá ser borrifado com feromônios antes da consulta para ajudar a manter o filhote tranquilo e à vontade. E, claro, a toalha ou o cobertor também podem ser úteis para envolver o filhote delicadamente caso ele esteja inquieto ou nervoso; após a consulta, o tapete e a mesa poderão ser desinfetados, e a toalha ou o cobertor colocados para lavar.

Normalmente, a autora trabalha com um checklist de avaliação em sua mente, mas ela permite que o filhote perambule com liberdade e, muitas vezes, o exame em si acontece em vários locais da sala – no tapete ou na bancada, na mesa de exame, no peitoril da janela, nos locais para escalar ou em qualquer outro lugar em que o filhote se sentir mais confortável.

A pediatric scale

Figura 5. Uma balança pediátrica, juntamente com tudo o que é necessário para o exame, deve estar prontamente disponível e ao alcance do clínico.

Créditos: Elizabeth 0’Brien

Todas as vacinas necessárias, bem como a vermifugação e os testes de retrovírus, podem ser feitos dessa forma – o filhote controla onde e como o exame deve prosseguir e avançar. Os Cat Healthy Preventive Healthcare Protocols (Protocolos de Cuidados de Saúde Preventivos para Gatos) e, em particular, os Cat Healthy Simplified Protocols (Protocolos Simplificados de Saúde para Gatos) do Canadá, são uma excelente referência para as necessidades de saúde dos filhotes em seu primeiro ano de vida*.

* https://www.cathealthy.ca/

Além de o manuseio suave e delicado do filhote ser muito importante, todos os procedimentos devem ser feitos sobre um cobertor previamente borrifado com ferormônios, distraindo o pet com petiscos, alimento úmido e, às vezes, brinquedos. Mova-se devagar e silenciosamente, pois “menos é sempre mais”. Os filhotes felinos, tais como as crianças, apresentam uma menor capacidade de atenção e concentração; por isso, faça um procedimento de cada vez com uma breve atividade lúdica entre eles. É fundamental que tanto o filhote como o cliente tenham uma excelente experiência. Então, por exemplo, ao vacinar os filhotes de gatos, utilize uma nova agulha estéril de calibre 25 e aplique o conteúdo em um dos locais designados recomendados pela AAFP. Enquanto a injeção está sendo aplicada, peça a um assistente para acalmar e segurar delicadamente o filhote, ao mesmo tempo em que ele(a) oferece um petisco ou uma pequena quantidade de alimento em um pequeno prato ou um abaixador de língua. Se bem distraídos, a injeção passará despercebida pela maioria dos filhotes, e o cliente ficará satisfeito. Todos os filhotes podem ser submetidos ao corte das garras em cada consulta e, assim, os clientes são ensinados e incentivados a fazer isso rotineiramente em casa. Por fim, é preciso evitar as interrupções constantes dos membros da equipe, pois a entrada e a saída do pessoal da sala impedirão que o filhote relaxe.

 

Orientando os tutores de filhotes felinos

A base para o sucesso começa com uma boa comunicação e orientação, e a sala de consulta também é uma oportunidade para criar tópicos de discussão com o cliente. Por exemplo, o uso de alimentos e outros petiscos é o momento perfeito para falar sobre a importância da nutrição e, de modo geral, os clientes ficam surpresos com a possibilidade de os gatos adultos e filhotes receberem dietas úmidas como uma parte importante de sua alimentação diária. A autora acredita que essas conversas educativas informais durante a consulta, enquanto o filhote está brincando, resultam em uma vida inteira de conformidade por parte dos tutores, uma vez que esses clientes estão ansiosos, animados e dispostos a se comprometer com o futuro de seu novo membro felino da família. No entanto, as discussões devem ser estruturadas e ordenadas. Os novos tutores de filhotes geralmente têm uma longa lista de perguntas, muitas vezes em parte devido ao recebimento de conselhos confusos e conflitantes vindos de abrigos, criadores, Internet, grupos de resgate, amigos e vizinhos; por isso, a equipe veterinária precisa ser flexível e responder às principais dúvidas do cliente primeiro e, ao mesmo tempo, destacar em meio a tantas informações uma lista de tópicos que devem ser tratados em algum momento durante as consultas planejadas de filhotes felinos.

Uma lista geral de tópicos é ideal para que nada seja omitido, e cada consulta pode abranger diferentes aspectos. Isso talvez ajude a sinalizar o que o tutor pode esperar na próxima visita. Por exemplo, instruir o novo tutor interessado sobre a dentição e mencionar que o filhote tem 26 dentes de leite (também conhecidos como dentes decíduos) – que, em breve, serão substituídos por dentição permanente – inicia uma conversa sobre a importância da higiene bucal. É muito importante que um tutor de gato entenda as necessidades ambientais de filhotes e adultos, abordando os tipos e locais de postes de arranhar, vasilhas de água, áreas de repouso, horários de atividade lúdica e alimentação, bem como a localização, os tipos, os números e a higiene das bandejas sanitárias. As brincadeiras são uma necessidade ambiental de todo gato. Incentivar os clientes a começar a usar petiscos para o adestramento é muito gratificante e, muitas vezes, eles virão em visitas subsequentes, mostrando com orgulho o seu filhote “high five” (um gesto ou cumprimento que acontece quando dois indivíduos tocam suas mãos no alto, simbolizando parceria, amizade e/ou vitória) ou outros truques. Nunca se esqueça de orientar os tutores que não mais de 10% da dieta do filhote deve ser composta de petiscos, verificando também a contagem de calorias. Recomendações como “colocar a caça na hora das refeições” através do uso de dispensadores de alimentos tipo quebra-cabeça e jogos de busca são mais bem introduzidas durante a fase de filhote.

Além da carta de boas-vindas enviada antes da consulta, é bom mandar cada filhote de volta para casa com um “pacote de boas-vindas”. Isso pode conter informações adicionais e folhetos, juntamente com um boletim ou checklist do que foi feito naquela visita e do que ainda precisa ser concluído. Acrescente o brinquedo com o qual o gato brincou na sala de exames – bolas amassadas ou similares são ideais – e outros itens apropriados. A equipe pode se divertir criando “brindes” com vários itens, tais como coleiras antienforcamento, tampas plásticas de geladeira para alimentos enlatados, petiscos, dispensadores de alimentos tipo quebra-cabeça, cobertores e afins, muitos dos quais são frequentemente doados por parceiros do setor para essa finalidade.

À medida que o filhote se desenvolve, programas de saúde devem ser elaborados para se preparar para a transição à idade adulta. Isso incluirá um cronograma para a administração de parasiticidas preventivos de amplo espectro e informações sobre quais vacinas os gatos adultos exigirão para os anos seguintes e consecutivos. O monitoramento rigoroso do peso e da condição corporal do pet em cada consulta, bem como o compartilhamento de seus achados com orientações sobre o tipo de alimentação a ser fornecida, o que oferecer à medida que o gato envelhece e a quantidade de alimento, serão informações bem recebidas; além disso, é importante não negligenciar esse assunto na alta hospitalar da castração, que é o momento ideal para reforçar as recomendações nutricionais e informar o tutor que essa cirurgia reduz as necessidades metabólicas do gato em 25-30%.

 

Considerações finais

Nos gatos, o estágio de vida de filhote é uma oportunidade para a equipe veterinária orientar o cliente e estabelecer as bases para uma vida inteira de cuidados de saúde preventivos. Também é um momento divertido e gratificante para a equipe; por isso, aproveite e desfrute dessa experiência. Os clientes de gatos muitas vezes não são como os clientes de cães; tal como acontece com os próprios gatos, é necessário trabalhar duro e se esforçar para conquistar a confiança e obter a conformidade dos tutores. No entanto, assim como os gatos, uma vez que você ganhou a confiança e o respeito dos clientes, na maioria dos casos eles serão seus para sempre. 

References

  1. Taylor P, Funk, Craighill P. Gauging family intimacy: dogs edge cats (dads trail both). Washington DC: Pew Research Center; 2006

  2. Volk JO, Felsted KE, Thomas JG, et al. Bayer Veterinary Care Usage Study. J. Am. Vet. Med. Assoc. 2011;238(10):1275-1282.

  3. Fiset S, Dore FY. Duration of cats’ (Felis catus) working memory for disappearing objects. Anim. Cogn. 2006;9:62-70.

  4. Vitale Shreve KR, Udell MA. What’s inside your cat’s head? A review of cat (Felis sylvestris catus) cognition research past, present and future. Anim. Cogn. 2015;18(6):1195-1206.

Elizabeth O’Brien

Elizabeth O’Brien

A Dra. Elizabeth O'Brien é médica-veterinária gestora de dois consultórios exclusivos para felinos em Ontário, onde ela continua a exercer a clínica, além de ser defensora apaixonada do bem-estar dos gatos. Leia mais

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