Urolitíase do trato urinário superior
A cirurgia renal e ureteral em pequenos animais pode ser...
Número da edição 30.1 Nefrologia
Publicado 13/09/2022
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español , English e ภาษาไทย
Por muitas décadas, o fornecimento de uma dieta restrita em proteínas vem sendo considerado um fator-chave na abordagem terapêutica do gato com doença renal crônica; no entanto, ainda existem controvérsias a respeito. Meredith Wall e Nick Cave nos oferecem uma revisão dos conhecimentos atuais e fornecem alguns conselhos úteis para o médico-veterinário.
De acordo com os conhecimentos atuais, pode-se recomendar a restrição proteica próxima às necessidades mínimas em gatos com doença renal crônica em estágio 2 ou 3 segundo a IRIS ou, inclusive, antes disso na presença de proteinúria.
Os benefícios de um alimento com teor reduzido de proteínas podem incluir o menor acúmulo de resíduos nitrogenados e toxinas urêmicas nocivas, a diminuição da proteinúria e a redução do estresse oxidativo renal.
As comidas caseiras ou os alimentos à base de carne crua podem ser muito ricos em proteínas; por isso, deve-se consultar um nutricionista para garantir a adequação da dieta.
Uma atenção especial deve ser dada ao monitoramento de aspectos como apetite, ingestão calórica, peso corporal, condição corporal e massa muscular, a fim de minimizar o risco de desnutrição proteico-energética e emaciação.
A doença renal crônica é uma condição frequente em medicina felina 1 2, em gatos com mais de 15 anos de idade, foi demonstrada uma prevalência da doença acima de 30% 3. Na maioria dos casos, a etiologia subjacente não é identificada no momento do diagnóstico, mesmo quando se realiza o exame histopatológico 1. Embora a doença renal crônica seja geralmente de natureza progressiva em todas as espécies, também se trata de um processo patológico surpreendentemente dinâmico e heterogêneo, influenciado – particularmente nos gatos – por inúmeros fatores, muitos dos quais ainda precisam ser determinados 1 4.
Apesar dessa variabilidade, o manejo nutricional continua a ser a base do tratamento da doença renal crônica felina nos últimos 60 anos 4 5 6 7. Atualmente, oferecer alimentos da linha veterinária renal (sejam eles formulados por um médico-veterinário especialista em nutrição ou fabricados especialmente para o controle de animais com doença renal) a gatos com doença renal crônica em estágios 2 a 41 segundo o estadiamento da IRIS constitui o tratamento-padrão (Tabela 1) 8. De fato, o manejo nutricional é considerado como a intervenção terapêutica com maior probabilidade de aumentar a sobrevida a longo prazo e melhorar a qualidade de vida em gatos com doença renal crônica em estágios 3 e 4 de acordo com a IRIS 8. Os alimentos da linha veterinária renal também ajudam a: (a) amenizar ou prevenir as consequências clínicas da doença renal crônica e da uremia, (b) retardar a evolução da doença, (c) minimizar os distúrbios do equilíbrio eletrolítico, mineral e acidobásico, e (d) manter o peso corporal adequado, bem como os escores de condição corporal e muscular. O ato de iniciar a terapia com alimentos da linha veterinária renal também é considerado como parte do padrão de cuidados para o controle de proteinúria em gatos (Tabela 2) 8.
Estágio | Creatinina sanguínea µmol/L (mg/dL) |
---|---|
Em risco* | < 140 (< 1.6) |
1 | < 140 (< 1.6) |
2 | 141-250 (1.6-2.8) |
3 | 251-440 (2.9-5.0) |
4 | > 440 (> 5.0) |
Relação proteína:creatinina urinária | Subestágio |
---|---|
< 0.2 | Não proteinúrico |
0.2-0.4 | Proteinúrico limítrofe |
> 0.4 | Proteinúrico |
1 http://iris-kidney.com/guidelines/index.html
Apesar de seu papel amplamente aceito, há controvérsias quanto ao uso dos alimentos da linha veterinária renal para gatos, em particular no quesito relacionado com a restrição proteica. A crescente popularidade da alimentação crua rica em proteínas e dos alimentos grain-free (i. e., livres de grãos) levou a um declínio no interesse do público pelo uso de alimentos renais restritos em proteínas. Também houve um aumento na conscientização dos possíveis riscos, como definhamento proteico-energético. É um grande desafio avaliar os benefícios potenciais da restrição proteica e se esses benefícios superam os riscos, uma vez que não há pesquisas suficientes na espécie felina. Nesse caso, é necessário recorrer a estudos conduzidos em cães, seres humanos ou outras espécies, o que obviamente não é o ideal. Portanto, existem três questões principais que precisam ser respondidas:
1. Devemos restringir a ingestão de proteínas em gatos com doença renal crônica?
2. Em caso afirmativo, qual o nível adequado de restrição proteica?
3. Quando devemos restringir o aporte de proteínas?
Para responder a essas perguntas, precisamos considerar os benefícios versus riscos da restrição proteica, conhecer as necessidades de proteínas dos gatos (tanto dos saudáveis como daqueles com doença renal crônica) e levar em conta uma série de fatores individuais, como o apetite, a presença de condições médicas concomitantes e seus prognósticos associados, bem como a idade do gato.
Por muitos anos, o ato de limitar a ingestão de proteínas vem sendo considerado a melhor forma de conseguir uma melhora nos sinais clínicos associados à uremia; além disso, há evidências em gatos com doença renal avançada que apoiam isso. Inúmeros estudos demonstraram que a administração de um alimento da linha veterinária renal para gatos com doença renal crônica está associada a uma redução no nitrogênio ureico sanguíneo (também conhecido como BUN em inglês ou ureia) e a uma aparente melhora clínica, juntamente com um aumento no tempo de sobrevida, embora ainda haja um debate contínuo (e, às vezes, acalorado) para saber se a restrição proteica (em vez de outras características de um alimento renal) é a que contribui para a maior sobrevida. Em gatos, não se sabe o quão tóxica pode ser a ureia. Em seres humanos, apesar do fato de a ureia já ter sido considerada biologicamente inerte, atualmente se considera que os níveis de ureia observados em pacientes com doença renal crônica tenham efeitos tóxicos diretos 9. Alguns efeitos, como sensibilidade alterada à insulina, aumento da produção de radicais livres e indução de apoptose, foram atribuídos diretamente à concentração de ureia, embora metabólitos derivados dessa substância também possam estar envolvidos. Todavia, não foi demonstrado se a concentração de ureia no plasma é suficientemente alta para ter um efeito direto em gatos com doença renal crônica 2 4 7 10
A restrição de proteínas também pode ser benéfica em caso de proteinúria, embora até essa questão permaneça controversa. Acredita-se que a restrição proteica altere a hemodinâmica e a permeabilidade seletiva glomerular, reduzindo assim a pressão de filtração glomerular e a perda de proteínas no filtrado. Em outras espécies, foi demonstrada uma relação linear entre a redução na ingestão de proteínas na dieta e a diminuição na proteinúria 11. No entanto, em um estudo em que gatos com doença renal crônica de ocorrência natural (espontânea) nos estágios 2 e 3 receberam um alimento da linha veterinária renal restrito em proteínas ou uma dieta de manutenção, não houve diferença nos níveis de proteinúria entre ambos os tipos de alimentação 7. É possível que, com o declínio da função renal, a resposta hemodinâmica seja anulada ou isso dependa especificamente de certos aminoácidos nas proteínas ou de outros fatores ainda desconhecidos.
Do ponto de vista experimental, foi demonstrado que a restrição de proteínas na dieta reduz a expressão gênica de várias proteínas que supostamente desempenham um papel importante na progressão da doença renal crônica, como o fator de crescimento derivado de plaquetas e o fator de crescimento e transformação beta, encontrados no glomérulo 12. Não se sabe se essa redução na expressão gênica é uma consequência direta da melhora na proteinúria ou se isso se deve a algum outro efeito da restrição proteica, como a diminuição da amoniagênese renal 13.
O mais interessante é que as pesquisas recentes se concentraram nos benefícios da restrição de proteínas na redução da formação de toxinas urêmicas. As toxinas urêmicas correspondem a solutos que normalmente são excretados pelos rins, mas se acumulam em pacientes com doença renal crônica e têm efeitos nocivos. Em seres humanos e muitas outras espécies, as toxinas urêmicas são associadas à progressão mais rápida da doença renal, bem como ao desenvolvimento ou à evolução de doenças cardiovasculares, distúrbios ósseos e complicações neurológicas.
A ureia foi a primeira toxina a ser identificada e, atualmente, é conhecida por ter efeitos tóxicos, tanto diretos como indiretos 14, até o momento, no entanto, foram identificadas mais de 130 toxinas urêmicas diferentes. Quando certos nutrientes são ingeridos (como L-carnitina, triptofano e tirosina), eles são metabolizados pela microbiota intestinal para gerar as toxinas urêmicas ou seus precursores, os quais também dão origem à formação de toxinas no organismo (Figura 1). N-óxido de trimetilamina, sulfato de p-cresil e sulfato de indoxil são importantes toxinas urêmicas que se originam de nutrientes derivados da dieta. Em cães, foi demonstrado que a metilguanidina (uma nefro ou neurotoxina) aumenta o estresse oxidativo e acelera a apoptose de neutrófilos 15.
O sulfato de indoxil é uma toxina urêmica amplamente estudada. Trata-se do produto de sulfatação hepática do indol, o qual é absorvido pelo intestino, de onde se originou como resultado do metabolismo bacteriano do triptofano dos alimentos. Há relatos de que o sulfato de indoxil induz à disfunção mitocondrial, levando ao aumento na formação de espécies reativas de oxigênio e a danos oxidativos na vasculatura renal 16. Isso resulta na indução de inflamação e lesão das células tubulares renais, além de promover a fibrose renal e a progressão da esclerose glomerular 17. Além disso, o acúmulo de sulfato de indoxil pode contribuir para a sarcopenia; portanto, aumentar a ingestão de proteínas na tentativa de manter a massa corporal magra (i. e., massa muscular) pode, na verdade, promover e agravar a sarcopenia, contribuindo para a morbidade e, por fim, a mortalidade do paciente 18. Contudo, a síntese de indol depende tanto da quantidade de triptofano disponível como do número de bactérias produtoras de indol no intestino. Portanto, o efeito da restrição proteica pode variar muito entre os gatos com uma microbiota intestinal distinta.
Embora haja necessidade de mais estudos para conhecer o impacto clínico das diferentes toxinas urêmicas em gatos, foi demonstrado que aqueles com doença renal crônica apresentam um maior nível de sulfato de indoxil, quando comparados com gatos saudáveis do grupo-controle 17. É importante notar que os gatos com doença renal crônica em estágio 2 (e também nos estágios 3 e 4) segundo a IRIS apresentam concentrações séricas significativamente mais altas do sulfato de indoxil, o que implica que algum grau de restrição proteica pode ser benéfico na doença renal crônica a partir do estágio 2. Em seres humanos, foi observado que os pacientes submetidos a dietas com teores proteicos muito baixos apresentaram uma redução nas toxinas urêmicas derivadas de proteínas – em um estudo, o sulfato de indoxil foi reduzido em 69% 19. Embora ainda haja muito o que aprender sobre as toxinas urêmicas e seus efeitos em gatos com doença renal, as pesquisas atuais fornecem algumas provas convincentes sobre os benefícios da restrição precoce e controlada de proteínas não essenciais.
Apesar dos benefícios da restrição proteica descritos anteriormente, também tem surgido uma preocupação de que os alimentos da linha veterinária renal pobres em proteínas possam predispor os pacientes felinos à perda de peso e à perda de massa muscular. O definhamento proteico-energético é um distúrbio subestimado na doença renal crônica e, sem dúvida, representa o maior receio em torno da restrição da ingestão proteica 4. O grupo de especialistas da International Society of Renal Nutrition and Metabolism (Sociedade Internacional de Nutrição Renal e Metabolismo) definiu o definhamento proteico-energético como “um estado de diminuição das reservas corporais de proteínas e de combustíveis energéticos (proteína corporal e massa gorda)” 20. As causas propostas do definhamento proteico-energético são multifatoriais e incluem mecanismos tanto nutricionais como não nutricionais.
Na medicina humana, a preocupação em relação aos alimentos restritos em proteínas e o definhamento proteico-energético tem diminuído bastante, graças a diversos estudos. Tais estudos demonstraram que os alimentos com baixo teor proteico, cuidadosamente elaborados (e seguidos por pacientes motivados e comprometidos), são eficientes e não conduzem ao definhamento proteico-energético 21. Sabe-se que, se o consumo de proteínas for restrito à ingestão mínima recomendada para uma pessoa adulta saudável, é muito pouco provável que ocorra o definhamento proteico-energético, contanto que as fontes proteicas sejam de alta digestibilidade e tenham alto valor biológico e os pacientes estejam comendo o suficiente para atender às suas necessidades energéticas 22.
Do mesmo modo, em estudos realizados em gatos com doença renal crônica de ocorrência natural (espontânea) submetidos a alimentos da linha veterinária renal restritos em proteínas, não foi observado nenhum efeito prejudicial em relação ao peso corporal ou ao escore de condição corporal durante um período de mais de dois anos 6. Em gatos de idade avançada e naqueles com doença renal crônica, é comum que ocorra uma perda de peso, assim como de massa muscular; no entanto, é importante compreender que o aumento na ingestão de proteínas não é necessariamente uma solução óbvia, já que algumas toxinas urêmicas derivadas de aminoácidos são anorexígenas (i. e., favorecem a anorexia) e, conforme mencionado anteriormente, podem promover a sarcopenia urêmica e acelerar a doença renal 23 (Figura 2).
Outro motivo de preocupação com a restrição proteica está relacionado com a dificuldade de avaliar objetivamente o estado nutricional do gato na clínica veterinária; o escore de condição muscular é relativamente subjetivo e, muitas vezes, a avaliação detalhada do estado nutricional não é feita com a suficiente regularidade. Na medicina humana, as recomendações para os indivíduos com doença renal crônica envolvem uma avaliação mensal e cuidadosa do estado nutricional, o que inclui o apetite, a ingestão proteica e calórica, o peso corporal e a massa muscular, bem como os biomarcadores urinários e séricos. Em gatos com doença renal crônica, a avaliação de rotina do estado nutricional, particularmente a ingestão calórica, seria igualmente útil e benéfica para permitir a detecção rápida de qualquer problema. Sabe-se que, quando a ingestão calórica não é adequada, o corpo faz uso dos aminoácidos de origem muscular para a gliconeogênese, o que diminui a utilização de proteínas para manter a massa muscular. Quando as necessidades energéticas não são atendidas, ocorre o catabolismo, com consequente perda de massa muscular e possível deterioração clínica do paciente.
Em comparação aos onívoros, os gatos têm uma alta necessidade de proteína na alimentação para manter a renovação (turnover) proteica e a taxa relativamente elevada de gliconeogênese 24. Ao considerar o nível adequado de restrição proteica, é importante entender quais são as necessidades de proteínas do gato adulto saudável e como essas necessidades podem variar no gato com doença renal crônica.
Meredith J. Wall
O National Research Council (NRC, Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos) estabeleceu as necessidades mínimas de proteínas e aminoácidos, com base em dados obtidos a partir de filhotes felinos em crescimento, estudos sobre o balanço nitrogenado, e outros parâmetros. A ingestão proteica diária recomendada pelo NRC para gatos adultos é de 50 g/1.000 kcal de EM (energia metabolizável), o que representa um aumento de 25% sobre as necessidades fisiológicas mínimas absolutas para contabilizar as variações na digestibilidade e biodisponibilidade das proteínas. Além disso, para contabilizar as perdas geradas durante o processamento e armazenamento dos alimentos industrializados, bem como a baixa digestibilidade de alguns ingredientes disponíveis no mercado, a Association of American Feed Control Officials (AAFCO, Associação Norte-Americana Oficial de Controle dos Alimentos) elaborou perfis nutricionais de alimentos para cães e gatos. Portanto, a AAFCO incorporou uma “margem de segurança” adicional e estabeleceu que as necessidades mínimas de proteínas para gatos adultos são de 65 g/1.000 kcal de EM. Essa margem ajuda a garantir a ingestão adequada de proteínas e aminoácidos para a maioria dos gatos se as necessidades energéticas forem atendidas.
Nick Cave
Infelizmente, não há pesquisas clínicas suficientes que permitam estabelecer com segurança as necessidades mínimas de proteínas em gatos com doença renal crônica de ocorrência natural (espontânea) e, na realidade, não há estudos em que foram comparadas as necessidades nos diferentes estágios da doença renal crônica; não obstante, acredita-se que as necessidades mínimas de proteínas sejam semelhantes às dos gatos saudáveis 4. Em um estudo, verificou-se que as necessidades nutricionais de proteínas em gatos com doença renal crônica de ocorrência natural (espontânea) era aproximadamente 20% da EM 25. Os alimentos da linha veterinária renal costumam conter cerca de 55-95 g de proteínas/1.000 kcal de EM 26 ou em torno de 22 a 24% da EM. Esses níveis estão acima das recomendações do NRC para gatos adultos (50 g de proteínas/1.000 kcal de EM), mas são inferiores aos dos alimentos de manutenção mais habituais (~80 a 120 g de proteínas/1.000 kcal de EM).
Muitos tutores não têm consciência de que a maioria dos alimentos da linha veterinária renal, salvo algumas exceções, cumprem com os níveis mínimos de proteínas recomendados pela AAFCO. Além disso, os fabricantes diligentes de pet foods podem otimizar a digestibilidade e o perfil de aminoácidos dos alimentos da linha veterinária renal, com o objetivo de garantir uma elevada qualidade proteica e características nutricionais adequadas. Embora o ideal fosse ter mais pesquisas sobre as necessidades proteicas de gatos com doença renal crônica de ocorrência natural (espontânea) em diferentes estágios, atualmente não há nenhuma razão para acreditar que o grau de restrição proteica utilizado nos alimentos da linha veterinária renal seja inadequado ou excessivo ou que ele aumente o risco de definhamento proteico-energético, desde que o gato tenha uma ingestão calórica adequada.
É pouco provável que, nos estágios iniciais da doença renal crônica não proteinúrica (estágio 1, segundo a IRIS), seja necessário restringir de forma severa ou significativa a ingestão de proteínas no gato. No entanto, esta pode ser uma boa hora para fazer a transição de um alimento muito rico em proteínas para outro com teor proteico mais moderado. Também é recomendável garantir que o gato aceite alimentos úmidos e/ou secos, especialmente se ele está acostumado com alimentos crus, desidratados ou liofilizados.
É provável que o adiamento da restrição proteica até que o gato comece a exibir sinais clínicos de uremia, tipicamente nos estágios 3 ou 4 da doença renal crônica segundo a IRIS, seja tarde demais e possa resultar em distúrbios metabólicos nocivos, em virtude do acúmulo não detectado de toxinas urêmicas ou até mesmo do desenvolvimento de uma crise urêmica evidente. Portanto, a introdução dos alimentos da linha veterinária renal restritos em proteínas deve começar a partir do estágio 2 (juntamente com a restrição alimentar de fósforo), pois isso pode retardar a progressão da doença renal crônica, atrasar o aparecimento de sinais urêmicos e facilitar uma melhor aceitação das mudanças na alimentação. Além disso, considerando que a maioria dos alimentos da linha veterinária renal tem um nível de proteína superior ao das necessidades mínimas para a manutenção de gatos adultos, não há nenhum motivo para não fornecer esses alimentos nos estágios iniciais da doença renal crônica nem existem argumentos convincentes para apoiar o aumento gradativo do nível de restrição proteica conforme a doença evolui.
Em um estudo em que se avaliaram a idoneidade e adequação de 28 dietas caseiras para gatos com doença renal crônica, observou-se que nenhuma delas cumpria com todas as recomendações nutricionais do NRC para animais adultos 5. É importante ressaltar que, em relação ao teor proteico desse tipo de alimentação, os autores relataram que o nível de proteínas brutas ou de, pelo menos, um aminoácido era baixo em 42,9% das receitas avaliadas. Isso não significa que os alimentos caseiros não possam ser iguais aos alimentos industrializados, mas apenas que os primeiros precisam ser formulados com muito cuidado. Portanto, ao considerar o uso de uma dieta caseira, é fortemente recomendada a consulta de um médico-veterinário especialista em nutrição, para que esse profissional formule um alimento apropriado para a idade e a condição patológica do paciente (Figura 3).
Dada a crescente popularidade da alimentação crua tanto para cães como para gatos, o interesse pela utilização de alimentos à base de carne crua para gatos com doença renal crônica está cada vez maior. Os benefícios da restrição de fósforo costumam ser amplamente reconhecidos, mas os defensores da alimentação crua consideram qualquer tipo de restrição proteica como algo desnecessário e potencialmente prejudicial. Muitos tutores acreditam que a única mudança necessária nas práticas de alimentação seja substituir ossos ricos em fósforo por casca de ovo triturada. A maioria dos alimentos crus é bastante palatável, o que certamente é uma vantagem, mas geralmente eles são muito ricos em proteínas (acima de 50% da EM) e em fósforo. Assim, oferecer um alimento muito rico em proteínas, bem acima das necessidades do gato, pode aumentar a formação de toxinas urêmicas, conforme já mencionado, e pode favorecer a progressão da doença. Além disso, os alimentos ricos em carne são acidificantes, e alguns gatos com doença renal crônica já apresentam acidose metabólica, razão pela qual os alimentos da linha veterinária renal são formulados para serem alcalinizantes. Também pode ser difícil restringir corretamente o fósforo nos alimentos ricos em carne, especialmente quando carnes magras como canguru, peru e veado representam uma parcela importante da alimentação (Figura 4).
Embora continuem sendo um motivo de controvérsia, os benefícios da restrição proteica estão bem documentados na doença renal crônica e incluem o menor acúmulo de resíduos nitrogenados e toxinas urêmicas nocivas, a melhora da proteinúria, a diminuição do estresse oxidativo renal e a limitação dos distúrbios metabólicos característicos da doença em questão. Embora o grau ideal de restrição proteica ainda não tenha sido determinado para gatos com doença renal crônica, os alimentos da linha veterinária renal fornecem um nível moderado de proteínas de alta qualidade, o qual atende (e excede um pouco) as necessidades mínimas estabelecidas para gatos adultos, conferindo uma margem de segurança razoável. Nenhuma pesquisa sugere que os alimentos da linha veterinária renal restritos em proteínas aumentem o risco de definhamento proteico-energético, mas é essencial dar uma atenção especial para garantir a ingestão calórica adequada. As evidências disponíveis atualmente sugerem que a restrição proteica possa ser útil a partir do estágio 2 da doença renal crônica ou possivelmente antes em caso de proteinúria no estágio 1 dessa doença, segundo a IRIS. Tal como acontece com o manejo de qualquer doença crônica felina, parâmetros como apetite, peso corporal, escore de condição corporal e muscular devem ser monitorados, a fim de reduzir o risco de catabolismo e a perda de massa muscular.
Nick Cave
O Dr. Cave se formou em medicina veterinária pela Massey University (Universidade de Massey) em 1990 e trabalhou em clínica geral por 6 anos antes de fazer residência em Medicina Interna de Pequenos Animais. Leia mais
Meredith J. Wall
A Dra. Wall se formou em medicina veterinária pela University of Sydney (Universidade de Sydney) em 2012 e passou alguns anos trabalhando em medicina de conservação e pesquisa da vida selvagem Leia mais
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