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Veterinary Focus

Número da edição 33.1 Outros conteúdos científicos

O eixo enterorrenal felino: uma reflexão

Publicado 24/11/2023

Escrito por Stacie C. Summers e Jessica M. Quimby

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español , English e 한국어

Atualmente, há fortes evidências de que não só existem ligações significativas entre o intestino e os rins, mas também que a saúde gastrointestinal pode ser uma consideração importante no tratamento de doenças renais, conforme discutido neste artigo.

O eixo enterorrenal felino

Pontos-chave

As interações entre o intestino e o rim podem ter influências significativas na saúde de ambos os sistemas orgânicos, com consequentes efeitos clínicos.


Gatos com doença renal crônica apresentam disbiose, com uma composição alterada da microbiota intestinal.


As toxinas urêmicas se acumulam até mesmo nos estágios precoces (iniciais) da doença renal crônica; além de terem inúmeras consequências sistêmicas deletérias, essas toxinas estão associadas à progressão da doença.


Focar no processo de disbiose e no acúmulo de toxinas urêmicas pode ser uma importante estratégia de tratamento na doença renal crônica felina.


Introdução

Um conjunto crescente de pesquisas apoia o conceito de que não só existe uma conexão significativa em várias espécies entre o intestino e o rim (também conhecida como “eixo enterorrenal”) (Figura 1), mas também que ambos os sistemas exercem uma importante influência sobre o outro, com implicações clínicas relevantes e potenciais. Os gatos com doença renal crônica apresentam disbiose, apoiando a ideia de que o intestino é um alvo terapêutico em potencial para aumentar a longevidade e melhorar as comorbidades. Este artigo faz uma revisão do entendimento atual a respeito do eixo enterorrenal e das estratégias disponíveis aos médicos-veterinários para melhorar potencialmente a saúde da comunidade microbiana intestinal e, assim, reduzir o acúmulo de toxinas urêmicas nocivas derivadas do intestino.

conexão significativa entre o intestino e o rim

Figura 1. Eixo enterorrenal felino. Além de haver uma conexão significativa entre o intestino e o rim, acredita-se que ambos os sistemas exerçam uma importante influência sobre o outro, com implicações clínicas relevantes e potenciais. 
© Reproduzida por Sandrine Fontègne 

O microbioma e a disbiose

O microbioma intestinal é definido como o conjunto de microrganismos que consiste principalmente em bactérias. Esses microrganismos residem no trato gastrointestinal e formam um ecossistema que possui interações complexas entre si e com o hospedeiro. Nos gatos, existem milhares de filótipos bacterianos intestinais, totalizando trilhões de células com uma extensa capacidade funcional. Essa ampla gama de microrganismos desempenha um papel importante na manutenção da saúde do hospedeiro por meio de produtos do metabolismo bacteriano e da influência sobre a expressão gênica no intestino. Uma microbiota bacteriana saudável e a comunicação entre o hospedeiro e os metabólitos bacterianos são vitais para o desenvolvimento e a manutenção de um sistema imunológico saudável, bem como para a assimilação de nutrientes da dieta, a manutenção da barreira intestinal, a síntese de nutrientes (por exemplo, ácidos graxos de cadeia curta, vitamina B12) e a proteção contra patógenos entéricos invasores 1.

A disbiose é definida como um desequilíbrio da comunidade microbiana intestinal, com alteração na composição da microbiota e de suas atividades metabólicas. Em muitas condições, a disbiose não é apenas um marcador de doença, mas também contribui ativamente para o processo patológico 2. A disbiose intestinal foi amplamente documentada em pessoas com doença renal crônica e em modelos laboratoriais; foi demonstrado que a uremia afete de forma negativa o microbioma, alterando a microbiota intestinal de uma comunidade mais uniformemente distribuída e complexa para uma mais simples e dominada por certas famílias bacterianas 2. As razões propostas para a disbiose intestinal em pacientes com doença renal crônica – além do efeito direto da ureia e subsequente aumento da produção de amônia pelas bactérias intestinais – incluem o uso frequente de antibióticos e quelantes de fosfato e mudanças na dieta, como diminuição da ingestão de fibras 2.

Stacie C. Summers

A creatinina e o nitrogênio ureico sanguíneo (BUN, sigla em inglês) são as toxinas urêmicas mais conhecidas do ponto de vista clínico, mas, na realidade, são apenas dois de cerca de 146 solutos orgânicos que supostamente são toxinas urêmicas.

Stacie C. Summers

Toxinas urêmicas

O termo uremia refere-se ao acúmulo de substâncias no sangue que ocorre como resultado de um declínio na taxa de filtração glomerular (TFG) e às manifestações clínicas resultantes disso. Embora isso geralmente se refira a desequilíbrios em eletrólitos, solutos orgânicos e hormônios, a uremia também se refere a toxinas urêmicas. A creatinina e o nitrogênio ureico sanguíneo (BUN, sigla em inglês) são as toxinas urêmicas mais conhecidas do ponto de vista clínico, mas, na realidade, são apenas dois de cerca de 146 solutos orgânicos que supostamente são toxinas urêmicas 3. É importante ressaltar que muitas dessas substâncias não são ativamente reguladas pelo corpo e, portanto, aumentam progressivamente com o declínio da TFG. Mesmo para os pacientes humanos, essas substâncias são particularmente problemáticas, pois algumas toxinas não são passíveis de remoção por hemodiálise 3. As toxinas urêmicas que consistem em produtos residuais do catabolismo proteico pela microbiota colônica (por exemplo, sulfato de indoxil, sulfato de p-cresol) são de particular interesse, pois se acredita que essas toxinas não só tenham efeitos fisiopatológicos negativos, mas também contribuam para a síndrome clínica de uremia.

O indol e o p-cresol, que são precursores de toxinas urêmicas, são produtos do catabolismo proteico que são gerados no cólon via fermentação de proteínas pela microbiota 4,5. Os indóis são derivados do metabolismo do triptofano da dieta pela triptofanase na microbiota intestinal, como Escherichia coli (E. coli), Proteus vulgaris, e Bacteroides spp. (Figura 2). O p-cresol é gerado através da degradação parcial de tirosina e fenilalanina por muitos anaeróbios intestinais obrigatórios ou facultativos, incluindo os gêneros Bacteroides, Lactobacillus, Enterobacter, Bifidobacterium, e Clostridium. O indol e o p-cresol são absorvidos e depois sulfonados pelo fígado nas toxinas urêmicas ligadas à proteína, o sulfato de indoxil e o sulfato de p-cresol, respectivamente. Essas toxinas são geralmente excretadas pelos rins e, por isso, se acumulam na circulação sistêmica de pacientes com doença renal. A disbiose contribui ainda mais para a produção de toxinas urêmicas derivadas do cólon, iniciando um círculo vicioso 4,5. A má-assimilação de proteínas no intestino delgado que ocorre em pacientes com doença renal crônica aumenta o substrato proteico no lúmen intestinal, o que promove a expansão de bactérias proteolíticas produtoras dos precursores de toxinas urêmicas. A constipação também pode desempenhar um papel em virtude da retenção contínua de material fecal no cólon; pacientes humanos constipados com doença renal crônica têm níveis mais altos de toxinas urêmicas do que aqueles com escores fecais normais 6.

Produção colônica de indóis

Figura 2. Produção colônica de indóis, metabolismo hepático em sulfato de indoxil, e subsequente excreção renal. 
© Reproduzida por Sandrine Fontègne 

Efeitos deletérios das toxinas urêmicas

Embora o aumento da concentração de uma substância não implique a presença de doença, sabe-se que inúmeras toxinas urêmicas que se acumulam na doença renal crônica têm efeitos deletérios. Por exemplo, o acúmulo de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol em casos de doença renal crônica é associado à indução da produção de radicais livres, ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Isso, por sua vez, promove o desenvolvimento de fibrose renal, induzindo ao processo de inflamação, com consequente dano às células tubulares renais e progressão da esclerose glomerular 7. Outros efeitos indesejados das toxinas urêmicas também contribuem para a morbidade e mortalidade; esses efeitos incluem (a) deterioração do sistema neurológico, (b) diminuição da produção de eritropoetina e da renovação (turnover) do tecido ósseo, (c) atrofia muscular acelerada, e (d) aumento do risco de doença cardiovascular 7 (Figura 3).

Vários efeitos sistêmicos deletérios das toxinas urêmicas foram documentados

Figura 3. Vários efeitos sistêmicos deletérios das toxinas urêmicas foram documentados.
© Reproduzida por Sandrine Fontègne 

Ácidos graxos fecais em doença renal crônica

Os metabólitos adicionais da microbiota colônica que podem ser alterados pela disbiose intestinal são os ácidos graxos. Os ácidos graxos de cadeia curta produzidos pela microbiota colônica consistem nos ácidos graxos de cadeia linear (ácido acético, ácido propiônico, ácido butírico e ácido valérico) e nos ácidos graxos de cadeia ramificada (ácido isovalérico e ácido isobutírico (Figura 4). Os ácidos graxos de cadeia linear não só são os principais produtos finais da fermentação sacarolítica de polissacarídeos complexos (incluindo fibras dietéticas não digeríveis) e muco derivado de epitélio, mas também constituem nutrientes essenciais vitais para a saúde do intestino e do hospedeiro 8. Esses ácidos graxos possuem vários efeitos locais e sistêmicos benéficos, incluindo promoção da motilidade colônica, metabolismo de lipídios e glicose, regulação da pressão arterial, e propriedades anti-inflamatórias. Em contraste, os ácidos graxos de cadeia ramificada representam apenas uma pequena parcela da produção total de ácidos graxos de cadeia curta e são produzidos quando a proteína passa não absorvida pelo intestino delgado e os aminoácidos de cadeia ramificada derivados de proteínas são fermentados pela microbiota no cólon 8. Os ácidos graxos de cadeia ramificada e outros produtos da fermentação proteica no cólon são considerados deletérios para o intestino e podem servir como incitadores de inflamação, além de ter efeitos negativos na motilidade intestinal 8. Em seres humanos, a disbiose na doença renal crônica está associada a uma diminuição da microbiota produtora de ácidos graxos de cadeia curta, mas, até onde as autoras saibam, os ácidos graxos de cadeia ramificada não foram estudados.

Ácidos graxos de cadeia linear e ácidos graxos de cadeia ramificada são produtos do metabolismo colônico

Figura 4. Ácidos graxos de cadeia linear e ácidos graxos de cadeia ramificada são produtos do metabolismo colônico, mas têm efeitos diferentes.

O que sabemos sobre gatos?

Embora existam informações relativamente limitadas sobre o microbioma e as toxinas urêmicas, bem como a respeito de sua ligação com doenças renais na medicina veterinária, nosso conhecimento é mais avançado em gatos. Em comparação com gatos saudáveis (≥ 8 anos), foi documentado que gatos com doença renal crônica apresentam uma disbiose caracterizada por diminuição da diversidade e abundância microbiana fecal com base no sequenciamento do gene 16S rRNA 9. Além disso, nos gatos com doença renal crônica, há um acúmulo de toxinas urêmicas derivadas do intestino na circulação sistêmica. Foi demonstrada a presença de níveis significativamente elevados de sulfato de indoxil na doença renal crônica felina (Figura 5), o que está associado à progressão da doença 10,11,12. Embora as concentrações de sulfato de p-cresol não tenham diferido expressivamente entre os grupos saudáveis e aqueles acometidos por doença renal crônica em um estudo, as concentrações mais altas foram observadas em gatos com essa doença renal 9. Curiosamente, foi documentado que até mesmo os gatos com doença renal crônica em estágio 2 segundo a IRIS tenham concentrações de toxinas urêmicas significativamente mais elevadas do que os gatos do grupo-controle, o que implica que esse desequilíbrio ocorre relativamente cedo no processo patológico.

Quando as concentrações fecais de ácidos graxos de cadeia linear (ácido acético, ácido propiônico, ácido butírico, ácido valérico) e ácidos graxos de cadeia ramificada (ácido isobutírico, ácido isovalérico) foram avaliadas em gatos com doença renal crônica e gatos saudáveis de grupo-controle, o primeiro grupo apresentou ácido isovalérico aumentado nas fezes e, em particular, os gatos com doença renal crônica em estágio 3 e 4, segundo a IRIS 9. Gatos com atrofia muscular apresentaram maiores concentrações fecais de ácidos graxos de cadeia ramificada, em comparação com aqueles sem esse tipo de atrofia. Estudos adicionais demonstraram que gatos com doença renal crônica têm um perfil alterado de ácidos biliares fecais 13, e uma deficiência em vários aminoácidos essenciais no soro 14. Juntos, esses achados apoiam a má-assimilação de proteínas em gatos com doença renal crônica; no entanto, há necessidade de pesquisas adicionais para entender mais a fundo a interação entre o intestino e o rim nessa espécie. Contudo, esses estudos apoiam a ideia de que o microbioma intestinal é um alvo terapêutico em gatos com doença renal crônica, com o objetivo de reduzir a produção de toxinas urêmicas nocivas derivadas do intestino e restaurar uma comunidade microbiana intestinal mais saudável.

toxinas urêmicas

Figura 5. As toxinas urêmicas podem aumentar de acordo com o estágio da doença renal crônica (DRC), segundo a IRIS; por exemplo, os níveis de sulfato de indoxil são significativamente maiores em gatos com DRC do que nos idosos saudáveis (Fonte: referência 9). 
© Reproduzida por Sandrine Fontègne 

O intestino como potencial alvo terapêutico

Toxinas urêmicas

Em virtude dos possíveis efeitos negativos das toxinas urêmicas derivadas do intestino e de sua baixa capacidade de serem removidas por hemodiálise devido à ligação de proteínas, a medicina humana tem focado em estratégias para diminuir a produção de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol, incluindo a modulação do crescimento microbiano no cólon por meio de manejo dietético, prebióticos, probióticos e adsorção específica de toxinas urêmicas pelo uso de adsorventes 4,5. A geração de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol pode ser modulada de forma seletiva não só pelo aumento de bactérias sacarolíticas e pela redução de bactérias proteolíticas no cólon, mas também pela otimização do tempo de trânsito intestinal (e, por essa razão, é importante abordar e considerar a constipação). Foi demonstrado que prebióticos e probióticos influenciam a composição da microbiota colônica e são utilizados com sucesso para diminuir as concentrações de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol em pacientes humanos com doença renal crônica. Além disso, o aumento dos níveis de carboidratos e fibras na dieta e a diminuição da ingestão de proteínas demonstraram reduzir as concentrações de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol. Adsorventes como cloridrato de sevelâmer e AST-120 também são usados para limitar a absorção intestinal dessas toxinas 15,16. Entretanto, existem poucas publicações sobre estratégias para diminuir as toxinas urêmicas derivadas do intestino em pacientes veterinários com doença renal crônica, e uma exploração mais aprofundada como um alvo terapêutico em potencial parece necessária.

O conceito de diminuir as toxinas urêmicas e os sinais clínicos de uremia através da atenuação da carga proteica na dieta é o ponto central por trás da modificação histórica de proteínas em dietas terapêuticas renais veterinárias. Todavia, devido à falta de estudos, atualmente não existem fortes evidências demonstrando que a restrição proteica resulte na atenuação das toxinas urêmicas ou dos sinais clínicos de uremia; daí as controvérsias mais recentes, particularmente em gatos, sobre o teor ideal de proteína em dietas renais 17,18. Existem dados limitados a respeito dos efeitos de diferentes conteúdos de proteínas sobre as toxinas urêmicas em gatos. Em um estudo em gatos saudáveis, uma dieta rica em proteínas (10,98 g/100 kcal de EM versus 7,44 g/100 kcal de EM) foi associada a concentrações elevadas de sulfato de indoxil e concentrações relativamente mais altas de sulfato de p-cresol 19. Da mesma forma, um estudo em gatos com doença renal crônica em estágio 1 segundo a IRIS, alimentados com três dietas de diferentes níveis proteicos, mostrou que eles tinham concentrações comprovadamente maiores de sulfato de indoxil e sulfato de p-cresol quando submetidos à dieta mais rica em proteínas (8,01 g/100 kcal de EM versus 6,95 g/100 kcal de EM e 5,65 g/100 kcal de EM) 20.

Jessica M. Quimby

Os gatos com doença renal crônica apresentam disbiose, apoiando a ideia de que o intestino é um alvo terapêutico para potencialmente aumentar a longevidade e melhorar as comorbidades.

Jessica M. Quimby

Ainda existe uma discussão sobre o conteúdo proteico ideal das dietas renais para gatos, uma vez que eles são considerados carnívoros obrigatórios e, portanto, têm maiores necessidades proteicas, em comparação com cães e seres humanos. Estudos sugerem que os gatos idosos possam necessitar de mais proteína do que os mais jovens e, além disso, muitos gatos com doença renal crônica apresentarão um declínio no peso corporal, no escore de condição corporal e/ou na massa muscular ao longo do tempo. Levando em consideração as informações conhecidas até o momento, as recomendações de proteínas na dieta em gatos com doença renal crônica provavelmente consistem no delicado equilíbrio do conteúdo proteico entre limitar a produção de toxinas urêmicas e manter a massa corporal magra. Um conceito-chave para o sucesso ao fornecer uma dieta proteica modificada é garantir que uma ingestão calórica adequada também seja fornecida.

Agentes prebióticos e probióticos são usados em gatos com doença renal crônica na expectativa de que esses agentes melhorem a saúde do microbioma intestinal e diminuam as concentrações sanguíneas de toxinas urêmicas derivadas do intestino. O uso de um suplemento probiótico comercial (Enterococcus faecium SF68) foi avaliado em gatos com doença renal crônica, e o estudo relatou que esse suplemento não teve nenhum efeito apreciável no microbioma intestinal e nas concentrações séricas das principais toxinas urêmicas derivadas do intestino 21. Outro estudo avaliou o efeito da fibra fermentável (um prebiótico) em dietas experimentais na microbiota fecal em gatos com doença renal crônica e verificou que o microbioma desses animais era resistente a mudanças, quando comparado a gatos saudáveis 22. A fibra reduziu as concentrações relativas de toxinas urêmicas plasmáticas nos gatos com doença renal crônica, em comparação com gatos saudáveis, o que apoia a ideia de que a alteração do microbioma intestinal pode reduzir a produção de toxinas urêmicas derivadas do intestino, embora haja necessidade de estratégias espécie-específicas baseadas em evidências.

Alguns produtos disponíveis no mercado estão disponibilizados atualmente em muitos países; tais produtos incluem um probiótico/prebiótico destinados a ter uma ação benéfica sobre o microbioma, criando um ambiente com menor produção de toxinas urêmicas, e um adsorvente à base de carbono elaborado para se ligar ao indol no trato digestivo, a fim de evitar a absorção pelo corpo. Este último produto demonstrou reduzir o sulfato de indoxil em gatos idosos após oito semanas de administração 23, mas os dados sobre a eficácia de qualquer um dos produtos para diminuir as concentrações do sulfato de indoxil em gatos com doença renal crônica ainda estão por vir.

Constipação

A prevalência de constipação associada à doença renal crônica felina não foi relatada, mas, segundo relatos anedóticos, isso parece ser uma preocupação médica comum (Figura 6). Os resultados preliminares de uma pesquisa que estudou os hábitos fecais em gatos sugerem que a defecação seja menos habitual (regular) na doença renal crônica; é provável que a causa da constipação nesses gatos seja uma disfunção do equilíbrio hídrico, possivelmente combinada com motilidade gastrointestinal anormal. Como os rins não possuem uma capacidade adequada de concentração da urina e o paciente luta contra a desidratação subclínica crônica, ocorre a reabsorção de água no cólon como mecanismo compensatório. A ocorrência de hipocalemia e o uso de quelantes de fosfato também podem contribuir para a constipação 24,25. A terapia para a constipação pode incluir a correção da desidratação e do desequilíbrio eletrolítico, além de dieta, fibras, emolientes (amolecedores) fecais osmóticos ou agentes pró-motilidade, como a lactulose. Além de seus efeitos clínicos, a constipação pode ter outras consequências negativas e, provavelmente, é um exemplo clássico do eixo enterorrenal. Conforme mencionado anteriormente, pacientes humanos constipados com doença renal crônica apresentam concentrações mais altas de toxinas urêmicas do que aqueles com escores fecais normais e, por outro lado, essas toxinas podem ter efeitos negativos na motilidade gastrointestinal 8. O modelo laboratorial da doença renal crônica demonstrou uma melhora significativa nas toxinas urêmicas, na creatinina e até na histopatologia renal após um regime de lactulose 26.

A constipação é um achado comum em gatos com doença renal crônica e deve ser tratada da devida forma

Figura 6. A constipação é um achado comum em gatos com doença renal crônica e deve ser tratada da devida forma; caso contrário, pode ter várias consequências negativas.
© The Ohio State University Veterinary Medical Center

Considerações finais

Embora ainda haja muito trabalho a ser feito, há evidências emergentes de que o trato gastrointestinal e os rins sofrem interação e exercem influência um sobre o outro, tanto na saúde como na doença. Considerando que muitos gatos com insuficiência renal crônica apresentam disbiose do microbioma, é provável que o intestino seja visto como um foco importante para uma ação proativa com terapias específicas, a fim de aumentar a longevidade e melhorar a qualidade de vida dos gatos acometidos.

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Stacie C. Summers

Stacie C. Summers

Depois de se formar em medicina veterinária pela Washington State University (Universidade Estadual de Washington) em 2013, a Dra. Summers recebeu uma bolsa de pesquisa em Doenças Infecciosas Felinas e, em seguida, fez residência em Medicina Interna de Pequenos Animais Leia mais

Jessica M. Quimby

Jessica M. Quimby

A Dra. Quimby se formou pela University of Wisconsin-Madison (Universidade de Wisconsin-Madison) em 2003 e concluiu o doutorado em doença renal crônica felina na CSU, permanecendo no corpo docente até 2017. Leia mais

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