Lipidose hepática felina
A lipidose hepática no gato é uma condição comum e potencialmente fatal, mas uma abordagem criteriosa pode muitas vezes culminar em um resultado positivo.
Número da edição 33.2 Outros conteúdos científicos
Publicado 18/03/2024
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English
A “Síndrome do Definhamento do Filhote Felino”, também conhecida como “síndrome do filhote debilitado”, é uma apresentação comum na clínica de pequenos animais. Este artigo oferece uma abordagem lógica e racional para o gato com perda de peso inexplicável.
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A perda de peso inexplicável deve ser investigada imediatamente, pois costuma indicar uma alteração significativa na saúde do gato.
Mudanças sutis nos dados laboratoriais de rotina podem conter indícios importantes sobre a causa da perda de peso inexplicável.
As doenças gastrointestinais são uma causa comum de perda de peso em gatos, mas podem não ser acompanhadas por sinais evidentes de disfunção do trato digestivo, como vômitos ou diarreia.
As necessidades nutricionais do gato devem ser avaliadas e tratadas enquanto se aguarda a determinação da causa subjacente da perda de peso.
Um gato com perda de peso inexplicável é um cenário familiar na clínica de pequenos animais, e tais casos podem ser desafiadores e frustrantes para o clínico. Este artigo esboça uma abordagem lógica e racional para a condição em que um diagnóstico óbvio não é evidente, enfatizando uma abordagem passo a passo e consciente dos custos. O Quadro 1 exibe um cenário típico.
Quadro 1. O gato com perda de peso inexplicável – uma apresentação típica.
ApresentaçãoSão 10 horas de uma movimentada manhã de segunda-feira, e a sra. Smith chega à clínica com seu gato macho (castrado) de 8 anos de idade, Freddie, para o check-up anual dele. O exame físico de Freddie não apresenta nada digno de nota, exceto quanto à presença de doença periodontal grau 2. Os achados da avaliação laboratorial de rotina* estão dentro dos limites de referência, mas ele perdeu 0,5 kg desde a última consulta. *Hemograma completo; perfil bioquímico sérico; urinálise com avaliação de sedimentos; flutuação fecal; concentração total de tiroxina; teste de FeLV e FIV Acompanhamento de FreddieApós questionamentos adicionais, verificou-se que Freddie era mantido com uma dieta seca para gatos seniors, oferecida ad libitum. A tutora desconhecia qualquer mudança no consumo alimentar, mas não soube especificar a quantidade consumida. Não foram observados vômitos nem alterações na consistência das fezes. Contudo, a albumina sérica do gato diminuiu de 3,6 g/dL há um ano para 3,1 g/dL (intervalo de referência: 2,8-3,6 g/dL). Devido a preocupações quanto à presença de doença gastrointestinal subjacente, os níveis séricos de folato e cobalamina, bem como a imunorreatividade da lipase pancreática (PLI), foram mensurados. Todos os valores estavam dentro do intervalo de referência, mas a cobalamina foi considerada questionável a 388 μg/dL (os níveis normais de cobalamina no soro variam de acordo com o laboratório de referência utilizado). Os achados na ultrassonografia abdominal não foram dignos de nota; a aparência geral e a espessura da parede do intestino delgado estavam normais. Após uma conversa completa e abrangente com a tutora, foi tomada a decisão de submeter Freddie à anestesia para a realização de profilaxia dentária com radiografias intraorais, juntamente com endoscopia do trato gastrointestinal (anterior e posterior) e biopsia do estômago, duodeno, íleo, e cólon. O procedimento odontológico confirmou uma leve doença periodontal e a tratou. O exame histopatológico do estômago e duodeno identificou a existência de leve infiltrado linfoplasmocitário. Nas biopsias ileal e colônica, foi relatado um infiltrado histiocítico com levedura intralesional (aparência compatível com Histoplasma capsulatum). O diagnóstico de histoplasmose foi subsequentemente confirmado por meio de ensaio imunoenzimático realizado em uma amostra de urina, e Freddie foi tratado com sucesso com itraconazol. |
Os tutores podem se acostumar com comportamentos anormais e ignorar a importância de sinais clínicos, como vômitos. Não é raro um tutor dizer “Fluffy parece bem” ao falar sobre um gato que vomita semanalmente. Da mesma forma, um tutor pode não reconhecer a relevância de uma alteração sutil na consistência das fezes ou um aumento na produção de urina. Uma tosse ocasional pode ser atribuída a bolas de pelo (tricobezoares) e não ser relatada à equipe veterinária. Uma revisão cuidadosa do histórico do paciente, utilizando perguntas abertas para incentivar respostas mais detalhadas, pode destacar questões que poderiam explicar a perda de peso e merecer uma investigação mais aprofundada.
Muitas vezes, pode ser muito útil repetir o exame físico em um gato com perda de peso inexplicável, pois anormalidades sutis podem passar despercebidas ou ser ignoradas a princípio. Caso não se tenha anotado o escore de condição muscular inicialmente, ele deverá ser estabelecido e registrado. Pode não ser uma tarefa fácil examinar a cavidade bucal em um gato em estado de vigília (i. e., alerta e acordado), mas a inspeção dos dentes e da linha da gengiva pode revelar a presença de processos patológicos importantes. No entanto, é preciso ter em mente que um exame visual superficial não exclui doenças dentárias significativas e impactantes; a extensão de condições dolorosas, como reabsorção dentária, só pode ser determinada com estudos radiográficos (Figura 1) 1. Um exame oftalmológico completo e exaustivo deve ser realizado em busca de sinais de uveíte ou coriorretinite. Apesar de serem inespecíficos, esses achados são frequentemente observados em gatos com infecções por fungos ou protozoários (Figura 2) 2. Qualquer nódulo cutâneo ou subcutâneo deve ser cuidadosamente examinado, sobretudo se forem observados próximos à cadeia mamária. Também é prudente observar a deambulação do gato em busca de sinais de doenças articulares, espinais ou neurológicas; muitos de nós examinamos nossos pacientes felinos na mesa e, portanto, podemos deixar de notar alterações na marcha, na coordenação ou na força muscular.
Figura 1. (a) Mandíbula direita de gato de 8 anos de idade, com perda de peso inexplicável. Observe a área de hiperemia e erosão na face rostral do dente 407. (b) Imagem radiográfica do mesmo paciente. Note a lesão radiolúcida (i. e., radiotransparente) na porção caudal do dente 407, e a perda de estruturas radiculares; essas alterações são compatíveis com reabsorção dentária tipo 2.
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É recomendável a coleta de informações detalhadas sobre a quantidade e o tipo de alimento oferecido e consumido diariamente, com o objetivo de estabelecer a real ingestão calórica do gato. Infelizmente, pode ser difícil obter essa informação, pois muitos gatos recebem alimentos secos ad libitum (i. e., à vontade), e o tutor pode ter uma compreensão limitada de quanto realmente é ingerido. Nestas circunstâncias, deve-se solicitar ao tutor que meça ou pese cuidadosamente a tolerância diária e determine a quantidade que permanece não consumida, durante vários períodos de 24 horas.
Também é importante fazer perguntas sobre mudanças nas preferências alimentares ou nos comportamentos alimentares. Algumas vezes, os tutores descrevem seu gato como “mais faminto do que o normal” ou “com bom apetite” se o gato exibir comportamentos de busca por alimentos, como esfregar-se nas pernas do dono ou vocalizar em horários estabelecidos para as refeições. Embora essas atividades sugiram interesse em comer, ainda é essencial saber quanto o gato consome de fato. Alguns gatos continuarão a “pedir” (e consumir) petiscos ou alimentos enlatados (úmidos), mas diminuirão o consumo de dietas secas à base de croquetes (kibbles). Tutores desatentos podem pensar que a ingestão alimentar de seus gatos é consistente, quando na verdade o total de calorias consumidas é inadequado.
Pode ser particularmente difícil determinar a ingestão de um determinado gato em lares com vários gatos. Nestas circunstâncias, o tutor deve estar atento à dinâmica do grupo, já que um gato mais assertivo (i. e., confiante) pode dificultar o acesso adequado à alimentação por outro gato tímido 3. Acredita-se que os gatos prefiram fazer pequenas refeições várias vezes ao dia quando estão sozinhos e sem serem observados; mesmo na ausência de agressões evidentes entre gatos, a presença de outros animais pode limitar a ingestão de alimentos. Além disso, deve-se dar uma atenção especial à localização do alimento do gato; se estiver em lugar elevado (como balcão) e o gato tiver alguma doença ortopédica, é possível que ele ingira menos calorias simplesmente porque o acesso à comida causa desconforto ou exige um esforço significativo. Vasilhas de alimentos colocadas próximas a aparelhos barulhentos, como máquina de lavar, também podem ser um problema.
As calorias reais necessárias para manter um peso corporal estável variam de gato para gato e dependem da idade, do status reprodutivo e do nível de atividade. Para um gato adulto castrado e sedentário, 40-66 kcal/kg de peso corporal/dia é um ponto de partida útil, mas esse valor deve ser considerado como uma orientação aproximada. A necessidade energética basal/em repouso (NER) também pode ser calculada utilizando uma fórmula não linear: peso corporal (kg)0,75 x 70. Para o gato médio de meia-idade, a NER deve ser multiplicada por um fator igual a 1,2 a 1,4 para determinar a necessidade energética diária (ou de manutenção) real 4. Se o gato estiver abaixo do peso, o peso corporal ideal deve ser usado para definir a verdadeira necessidade energética diária.
Na experiência da autora, a perda de peso inexplicável (isto é, perda de peso em um gato com avaliação laboratorial de rotina basicamente normal) acompanhada de uma ingestão calórica adequada ou consistente é pouco comum. Os diagnósticos a serem considerados nessas circunstâncias incluem hipertireoidismo precoce, doença intestinal inflamatória, e insuficiência pancreática exócrina (Tabela 1). Além disso, alguns gatos com caquexia relacionada a câncer ou infecção crônica apresentarão perda de peso apesar de uma ingestão adequada de alimentos; nessas circunstâncias, entretanto, é mais comum a observação de hiporexia 5. Pacientes com distúrbios caquéticos podem ser identificados pela perda de massa muscular, em vez de tecido adiposo; esse padrão sugere alterações no metabolismo, mediadas em parte pelo aumento de citocinas inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa e as interleucinas 1 e 6. As possibilidades de diagnóstico para gatos com perda de peso inexplicável e diminuição da ingestão alimentar são mais amplas, devendo-se considerar uma lista mais extensa de diagnósticos diferenciais para esses pacientes (Tabela 2).
Tabela 1. Considerações diagnósticas em gatos com perda de peso inexplicável, apesar de ingestão calórica adequada ou excessiva.
Distúrbio | Considerações diagnósticas iniciais |
Hipertireoidismo | Medir a tiroxina livre +/- hormônio tireostimulante felino |
Insuficiência pancreática exócrina | Medir a imunorreatividade semelhante à da tripsina em jejum |
Doença intestinal inflamatória/infiltrativa | Medir os níveis séricos de folato e cobalamina (B12) |
Distúrbios indutores de caquexia (menos prováveis) | Obter radiografias torácicas; realizar ultrassonografia abdominal |
Tabela 2. Considerações diagnósticas em gatos com perda de peso inexplicável e ingestão calórica inadequada.
Distúrbio | Considerações diagnósticas iniciais |
Distúrbios de preensão alimentar/desconforto oral | Observar os comportamentos alimentares; fazer exame da cavidade oral sob sedação |
Estresse psicológico | Avaliar o ambiente, as práticas alimentares, e a criação em geral |
Doença renal crônica | Medir a SDMA*; avaliar a pressão arterial; quantificar a proteinúria; realizar ultrassonografia |
Pancreatite | Medir a atividade da lipase pancreática específica; realizar ultrassonografia |
Doença intestinal inflamatória/infiltrativa | Medir os níveis séricos de folato e cobalamina (B12); realizar ultrassonografia |
Hipercalcemia idiopática | Medir o cálcio ionizado; medir o paratormônio e a proteína relacionada a esse hormônio |
Distúrbios indutores de caquexia (p. ex., neoplasia; infecção crônica) | Obter radiografia torácica; realizar ultrassonografia abdominal |
O “banco de dados mínimo” para um paciente felino com perda de peso deve incluir hemograma completo, perfil bioquímico sérico com medição de eletrólitos, e urinálise. A flutuação fecal deve ser realizada em gatos com acesso a ambientes externos. Se o paciente tiver 7 anos ou mais, também se deve medir a concentração de tiroxina total. De acordo com as recomendações da American Association of Feline Practitioners (Associação Norte-americana de Clínicos de Felinos), os gatos com indícios de doença sistêmica também devem ser testados quanto à presença do vírus da leucemia felina (FeLV) e do vírus da imunodeficiência felina (FIV).
Embora esta seja uma abordagem muito abrangente, os pacientes com doenças orgânicas significativas podem apresentar exames de sangue “normais”. Por essa razão, é importante avaliar de perto os dados disponíveis e compará-los – sempre que possível – com resultados do histórico (ver Tabela 3). Alguns analitos, como a creatinina e a albumina, permanecerão notavelmente constantes ao longo de muitos anos em gatos saudáveis; portanto, procurar tendências em vez de simplesmente focar em valores “anormais” pode ser muito útil. Por exemplo:
Tabela 3. Tendência dos principais parâmetros laboratoriais em gatos com perda de peso inexplicável e dados laboratoriais normais.
Parâmetro | Considerações diagnósticas |
Albumina |
Uma redução em relação ao valor basal é sugestiva de doença GI. Considerar a medição das concentrações séricas de folato e cobalamina. |
Creatinina |
Um aumento em relação ao valor basal sugere doença renal crônica (em paciente euvolêmico). Considerar a mensuração da pressão arterial sistólica e a realização de ultrassonografia renal. |
Tiroxina |
Um aumento em relação ao valor basal ou um valor dentro da metade superior do intervalo de referência indica hipertireoidismo. Considerar a medição de T4 livre +/- hormônio tireostimulante específico para felinos. |
Cálcio |
Um aumento consistente do cálcio total sugere hipercalcemia. Considerar a mensuração do cálcio ionizado. |
Contagem de eosinófilos |
Uma contagem consistente de eosinófilos é sugestiva de linfoma, mastocitoma, infecção por protozoários ou fungos, doença intestinal inflamatória eosinofílica. Considerar a realização de ultrassonografia abdominal +/- testes para detecção de doenças infecciosas. |
Se o banco de dados mínimo não fornecer nenhum indício útil, a autora dá prioridade à investigação da função do trato gastrointestinal, procedendo à mensuração das concentrações séricas de folato e cobalamina. A hipofolatemia indica disfunção absortiva no duodeno, mas esse achado é um indicador relativamente insensível de doença, e um valor normal não descarta alterações inflamatórias ou neoplásicas nesse segmento do intestino 14. As concentrações séricas de cobalamina (B12) parecem ter maior utilidade, e valores abaixo do normal indicam doença ileal, disbiose intestinal, ou insuficiência pancreática exócrina. Na experiência da autora, uma concentração < 400 ng/L (intervalo de referência: 290-1.500 ng/L) é considerada significativa. A deficiência de cobalamina pode, por sua vez, afetar o apetite; por isso, é importante identificar e tratar a hipocobalaminemia rapidamente 15.
Outra consideração útil é a pancreatite crônica. Os gatos acometidos podem não vomitar nem apresentar sinais evidentes de desconforto abdominal; em vez disso, a ingestão de alimentos diminui de forma variável. Embora um diagnóstico definitivo exija o exame histopatológico do pâncreas, um diagnóstico clínico presuntivo costuma ser formulado com base em uma combinação de sinais (que podem se restringir à hiporexia), juntamente com achados na ultrassonografia abdominal e/ou na medição da imunorreatividade da lipase pancreática específica. Um aumento nesse parâmetro é fortemente indicativo de dano ativo às células acinares pancreáticas; no entanto, esta pode não ser a única causa da perda de peso de um paciente, e a possibilidade de doença concomitante do trato gastrointestinal ou outros distúrbios sistêmicos deve ser considerada 16. Além disso, a inflamação pancreática pode apresentar exacerbações e remissões; portanto, um resultado dentro do intervalo de referência não exclui a possibilidade de episódios cíclicos de inflamação. Nessas circunstâncias, pode ser útil a mensuração repetida da lipase pancreática específica.
Em pacientes caninos, a proteína C reativa é reconhecida como um biomarcador emergente para condições inflamatórias, e altas concentrações são associadas a inúmeros distúrbios 17. Trata-se de uma proteína de fase aguda positiva, e as concentrações aumentam substancialmente (em geral, > 20 vezes) em resposta à inflamação, lesão ou neoplasia em cães. Infelizmente, a proteína C reativa não parece ser útil em gatos e não é considerada como um indicador confiável de doença inflamatória ou neoplásica subjacente nessa espécie. Em um estudo, as concentrações séricas não diferenciaram gatos clinicamente normais de pacientes pós-operatórios 18.
Audrey K. Cook
Na opinião da autora, o exame ultrassonográfico do abdômen costuma ser um teste diagnóstico de alto rendimento em gato com perda de peso inexplicável. Deve-se prestar uma atenção especial ao trato GI, e tanto a espessura total dos diversos segmentos do intestino como a relação entre a espessura da camada mucosa e da camada muscular devem ser determinadas. Como regra geral, qualquer segmento do intestino delgado com espessura de parede > 3 mm é motivo de preocupação; da mesma forma, uma camada muscular proeminente pode ser indicativa de processo patológico 19. Algumas vezes, observa-se um espessamento difuso da camada muscular em gatos clinicamente normais; no entanto, esse quadro está associado com maior frequência à doença intestinal inflamatória ou a condições gastrointestinais infiltrativas, como linfoma de células pequenas e histoplasmose (Figura 3). Outras condições intra-abdominais que causam desconforto de baixa intensidade e hiporexia secundária, como pancreatite crônica, podem ser identificadas com o auxílio da ultrassonografia, embora o reconhecimento de alterações sutis na ecogenicidade possa ser difícil sem um aparelho de última geração ou experiência considerável do operador (Figura 4) 16. Problemas que afetam os rins (por exemplo, obstrução ureteral ou hidronefrose) podem ser facilmente identificados com a ajuda do exame ultrassonográfico e causar desconforto crônico suficiente para afetar a ingestão de alimentos 20. Tenha em mente que, se o rim contralateral não estiver acometido, a creatinina sérica e a densidade urinária permanecerão dentro dos limites de referência.
Se pertinente, alterações no tamanho ou na ecogenicidade de órgãos como fígado, baço e linfonodos devem induzir à coleta de amostras citológicas por aspiração com agulha fina.
As radiografias torácicas são o próximo passo se a ultrassonografia abdominal não fornecer orientações adicionais. A ausência de sinais clínicos de doença respiratória não deve ser utilizada para descartar a possibilidade de condições como neoplasia pulmonar que poderiam explicar a perda de peso 21. É recomendável a realização de estudo radiográfico em três projeções (imagens laterais esquerda e direita mais uma imagem ventrodorsal), e a interpretação por um radiologista certificado pode ser útil (Figura 5).
Figura 5. (a) Radiografia toracolateral direita de gato de 11 anos de idade, com perda de peso inexplicável. Em posição imediatamente caudal à carina traqueal, observa-se uma densidade mineralizada. (b) Radiografia torácica ventrodorsal do mesmo gato. Uma massa de tecidos moles é evidente no tórax esquerdo, com consequente borramento da silhueta cardíaca e da parede lateral do corpo. Também se observam opacidades minerais angulares multifocais em toda a massa, mais numerosas na região dorsal, e uma grande opacidade gasosa arredondada dentro da massa. Há um leve desvio do mediastino para a direita. Os achados citológicos foram compatíveis com carcinoma.
© Courtesy Diagnostic Imaging Service, Texas A&M University
Se o consumo de alimentos estiver claramente abaixo do ideal, devem ser feitos todos os esforços para aumentar a ingestão calórica enquanto o diagnóstico é concluído; as abordagens apropriadas incluem oferecer alimentos alternativos e administrar estimulantes do apetite. O ideal é que os novos alimentos sejam densos em termos de energia e altamente palatáveis; a digestibilidade também pode ser importante se houver preocupações quanto à presença de alguma disfunção gastrointestinal subjacente.
Os gatos têm comportamentos complexos em relação às preferências alimentares e, muitas vezes, relutam em consumir uma dieta desconhecida. Por exemplo, pode não ser uma tarefa fácil mudar um gato habituado a uma dieta exclusivamente seca para um plano de alimentação à base de alimentos enlatados (úmidos); o gato pode mordiscar o novo alimento, mas não consumir a quantidades suficiente. O simples ato de trocar o formato ou o sabor de croquetes (kibbles) também pode ser problemático se o gato não estiver acostumado com novos alimentos. Como regra geral, a dieta antiga deve ser oferecida juntamente com uma ou duas opções novas, e cada alimento novo deve ser servido em uma vasilha separada e testado durante 24 horas antes de tomar qualquer decisão. É muito importante medir atentamente a quantidade de alimentos ingeridos, para que a ingestão calórica possa ser monitorada da devida forma.
Aumentar a palatabilidade de um alimento familiar (conhecido) ou novo adicionando uma pequena quantidade de uma proteína altamente palatável (por exemplo, atum ou salmão) pode estimular a ingestão. Por um curto período de tempo (2-3 semanas), é pouco provável que uma dieta caseira seja prejudicial. Contudo, a dependência prolongada de uma dieta desbalanceada pode ter consequências significativas; nessas circunstâncias, é justificável a intervenção de um nutricionista.
Na última década, vários medicamentos foram usados fora da indicação do rótulo (off-label) para estimular a ingestão de alimentos em gatos. Muitos deles tinham segurança e eficácia questionáveis. Felizmente, agora existem dois produtos aprovados em muitos países para tratar especificamente da perda de peso em gatos. A mirtazapina pode ser administrada por via transdérmica na face interna do pavilhão auricular a cada 24 horas na dose de 2 mg/gato 22. Acredita-se que esse medicamento melhore o apetite, aumentando os níveis centrais de norepinefrina, juntamente com o antagonismo de subtipos específicos de receptores serotoninérgicos. Em um estudo que analisou seu efeito em gatos com perda de peso não intencional ≥ 5%, o grupo tratado ganhou, em média, 3,9% de peso corporal em 2 semanas, enquanto os do grupo placebo ganharam apenas 0,4% 22. A mirtazapina transdérmica é geralmente bem tolerada, embora haja relatos de irritação cutânea no local da aplicação. A dosagem excessiva pode resultar em vocalização, agitação e vômitos, e a dose ou frequência recomendada deve ser diminuída em qualquer gato com doença hepática ou renal significativa.
A capromorrelina é um agonista do receptor de grelina, e uma formulação oral líquida é aprovada nos EUA para uso em gatos, na dose de 2 mg/kg a cada 24 horas 23. A grelina é um hormônio peptídico secretado pela mucosa gástrica; os níveis séricos aumentam durante o intervalo interprandial (ou seja, entre as refeições) e estimulam comportamentos de busca por alimento. Esse produto é especificamente aprovado para uso na doença renal crônica felina e demonstrou promover um ganho de peso em gatos acometidos por essa condição. Em um estudo de oito semanas, os gatos tratados tiveram um ganho de peso médio > 5%; os animais do grupo placebo perderam, em média, 1,6% do peso corporal 24. A grelina tem propriedades anti-inflamatórias significativas, além de estimular a secreção do hormônio de crescimento. Os efeitos colaterais incluem salivação e, ocasionalmente, os gatos podem apresentar uma diminuição temporária da frequência cardíaca e da pressão arterial após a administração das primeiras doses.
Caso não se consiga manter uma ingestão alimentar adequada com essas simples intervenções, deve-se considerar a implementação de medidas mais rigorosas (por exemplo, colocação de tubo de alimentação esofágico).
Até mesmo pequenas reduções no peso de um paciente felino podem indicar um distúrbio subjacente significativo; os gatos (assim como as pessoas) tendem a manter um peso estável ou a ganhar peso lentamente ao longo do tempo, a menos que se restrinja deliberadamente a ingestão calórica ou apareça alguma doença. A perda de peso inexplicável, portanto, requer uma avaliação racional e completa. Os cuidados de suporte para incentivar a ingestão adequada devem ser instituídos enquanto se busca o diagnóstico.
Audrey K. Cook
A Dra. Cook se formou com distinção pela Edinburgh University (Universidade de Edimburgo), na Escócia, e fez residência em medicina interna de pequenos animais na University of California (Universidade da Califórnia), em Davis. Leia mais
A lipidose hepática no gato é uma condição comum e potencialmente fatal, mas uma abordagem criteriosa pode muitas vezes culminar em um resultado positivo.
A eliminação em locais inadequados por parte dos gatos é um problema frequente para muitos tutores. Este artigo oferece uma abordagem holística para ajudar os clínicos a orientar seus clientes.
O vômito, isoladamente ou em combinação com outros sinais clínicos, é uma queixa comum em gatos. Neste artigo, os autores compartilham suas recomendações para uma abordagem clínica sistemática em casos de vômitos agudos e crônicos.
Os recentes avanços tecnológicos tornam possível o fácil acesso ao monitoramento contínuo da glicose em gatos diabéticos pelo médico-veterinário, conforme descreve este artigo.