O bom andamento da consulta (parte 1)
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Número da edição 1 Comunicação
Publicado 04/01/2021
Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español e English
Trabalhar como médico-veterinário nos coloca claramente em risco de “fadiga por compaixão”, uma doença muito complicada e devastadora. Os autores desta edição do Veterinary Focus estão convencidos de que uma comunicação eficaz pode prevenir o esgotamento. Infelizmente, existem vários mitos sobre a comunicação, que esclareceremos nesta seção.
O conhecimento médico não é tudo. Caso não consiga se comunicar de maneira adequada, o clínico não ficará satisfeito nem satisfará seus clientes. A comunicação eficaz também é uma habilidade clínica.
Durante a última década, o interesse pela comunicação em medicina veterinária tem aumentado entre médicos-veterinários, membros de equipes, educadores, pesquisadores e estudantes. Mas cuidado! As percepções equivocadas de algumas pessoas na profissão veterinária continuam dificultando uma comunicação eficaz, não só em situações difíceis e desafiadoras, mas também na rotina diária.
Nós nos comunicamos o tempo todo; então, por que devemos nos preocupar em ler livros e frequentar cursos sobre comunicação, especialmente quando temos tantas outras coisas mais importantes para aprender ou fazer? Isso lhe soa familiar? Este artigo explica por que e como as conversas no âmbito social são diferentes da comunicação clínica. Para exercer a medicina baseada em evidências neste século XXI, precisamos analisar atentamente o que as pesquisas dizem a respeito do papel da comunicação para obter uma melhora significativa da viabilidade econômica e dos resultados no atendimento veterinário. Além disso, devemos desmistificar os mitos sobre comunicação, pois eles podem nos impedir de alcançar um nível profissional de competência nessa área. O conteúdo a seguir visa fornecer aos leitores as bases e os conhecimentos científicos necessários para conduzir sua clínica ao sucesso.
Para começar, vamos tratar sobre a ideia que temos a respeito de comunicação, pois o que pensamos em relação a ela tem um impacto significativo na maneira como nos comunicamos todos os dias. Alguns dos mitos mais frequentes sobre comunicação incluem:
MITO 1
“A comunicação é um complemento opcional, um extra e não há ciência para provar que ela é importante. Tudo o que tenho a fazer é ter alguém que seja bom em comunicação, para que eu não precise mais me preocupar com isso.”
Mito 1: A verdade é que a comunicação se trata de uma habilidade clínica essencial, existindo um considerável conhecimento científico por trás dela (1).
Na medicina veterinária, as pesquisas em comunicação têm abrangido os últimos 17 anos e apontam fortemente para uma relação entre a comunicação e a conformidade (obediência) do cliente, a satisfação do tutor e do médico-veterinário, a menor probabilidade de reclamações e o resultado de tratamentos dos pacientes. Conhecimento técnico, habilidade de comunicação, autopercepção, destreza para realizar o exame físico e capacidade de resolver problemas clínicos são fatores (competências) intrinsecamente ligados – ou seja, não é possível ter um sem o outro (2).
A comunicação eficaz é uma habilidade essencial em todas as interações, desde os check-ups de saúde de rotina até as consultas mais problemáticas, como as tomadas de decisões no final da vida e os casos de eutanásia. Embora não existam novas habilidades de comunicação para cada problema, devemos adaptar nossas habilidades em função da urgência, do tipo de episódio e do contexto, visando trabalhar em prol dos resultados desejados, incluindo a perspectiva do cliente. É essencial garantir que todos os membros da equipe recebam os treinamentos adequados e as orientações necessárias sobre comunicação enquanto estiverem no trabalho. Uma comunicação eficaz é responsabilidade de cada um dos membros da equipe da clínica. As habilidades de comunicação não são um extra/opcional na medicina veterinária — se a comunicação não for apropriada, todos os nossos conhecimentos e esforços intelectuais podem ser desperdiçados (Figura 3).
Cindy Adams
MITO 2
"A habilidade de comunicação é um traço de personalidade, ou você o possui ou não.”
Mito 2: A verdade é que a comunicação NÃO é uma característica de personalidade, pois ela pode ser ensinada e aprendida, assim como qualquer outra habilidade clínica (3).
Na medicina veterinária, a comunicação é uma habilidade clínica que precisa ser desenvolvida em nível profissional. A comunicação é mais um conjunto de habilidades aprendidas do que uma simples questão de personalidade. Embora a personalidade possa ser uma vantagem a princípio, todos nós podemos aprender as habilidades de comunicação, seja qual for o nosso ponto de partida. O segredo para aprender uma habilidade complicada, seja um esporte ou a comunicação com clientes, membros da equipe ou especialistas, consiste em fragmentar as habilidades em suas partes integrantes. Por exemplo, frequentemente ouvimos: “ela é boa com os clientes” ou “ele tem um estilo realmente muito bom, pois lida tão bem com os clientes irritados”, sem identificar exatamente o que ela(e) fez, dificultando com isso a imitação da atitude. Precisamos identificar as habilidades que foram usadas, praticar cada um dos componentes e depois reuni-los outra vez. Em função de sua complexidade inerente, não se pode estabelecer um limite, pois sempre é possível melhorar e aprender mais.
São necessários cinco elementos para dominar qualquer conjunto de habilidades:
• Detalhar e definir claramente as habilidades a serem aprendidas.
• Ser observado ou observar as habilidades de comunicação em ação.
• Receber feedback bem-intencionado e detalhado sobre o que está funcionando bem e o que poderia melhorar a comunicação.
• Praticar e ensaiar as habilidades em vários contextos.
• Treinar e aprender as habilidades em pequenos grupos (equipe da clínica) ou individualmente (Figura 4).
O modelo mais completo, prático e amplamente utilizado para se comunicar em medicina veterinária é o Guia Calgary-Cambridge para o processo de comunicação. Esse modelo inclui 58 habilidades do processo de comunicação baseadas em um alto grau de evidências, além de outras 15 habilidades relacionadas especificamente com o processo de informar o cliente e planejar o acompanhamento. Essas diretrizes constituem a base do ensino e da aprendizagem em comunicação no campo da formação, educação continuada e clínica veterinária (ver Figura 5) (1). O checklist das páginas 52 e 53 pode ser usado como ponto de partida para identificar as habilidades que já estão sendo utilizadas na clínica e as áreas de melhoria.
MITO 3
"Tenho uma grande experiência e converso a maior parte da minha vida. Minha experiência é suficiente.”
Mito 3: A verdade é que a experiência pode ser um péssimo professor. Infelizmente, as habilidades de comunicação não melhoram necessariamente com o tempo nem com a experiência.
Sabemos que, sem treinamento e orientação adequados sobre comunicação, os profissionais veterinários tendem a adotar um estilo específico de interação com os clientes, o que pode ter consequências negativas importantes sobre a precisão, a eficiência e o serviço prestado.
A experiência pode servir como um excelente reforço dos hábitos, mas tanto dos bons como dos maus hábitos. Costumamos usar os mesmos métodos repetidamente, sem avaliar de forma criteriosa a sua eficácia no trabalho realizado e sem saber se o que estávamos buscando foi alcançado. O objetivo é se adaptar a cada cliente e a cada situação em particular, utilizando as habilidades mais eficazes para atingir os resultados que os médicos-veterinários e clientes desejam obter.
MITO 4
“Todo esse enfoque na comunicação toma muito tempo e não é nada prático. Se começar a me comunicar mais agora, isso levará muito tempo. Minhas consultas vão durar muito mais.”
Mito 4: A verdade é que, depois que aprendemos a usar as habilidades de uma comunicação eficaz, a consulta é realizada em menos tempo do que quando seguimos uma abordagem mais tradicional (Figura 6). Os pesquisadores de comunicação em medicina veterinária relatam que as consultas mais tradicionais, caracterizadas por focar mais no aspecto médico, levam 11,98 minutos em média. Além de abordar os aspectos médicos do paciente, as consultas que focam mais nos relacionamentos duram 10,43 minutos (4). Você pode estar se perguntando: “como isso é possível?”
Mais pesquisas a respeito constataram que interromper os clientes e não deixá-los terminar de falar durante o relato da história clínica e os motivos da consulta gera dúvidas ao término da consulta. Conforme mencionado anteriormente, isso afeta a duração da consulta e, muito possivelmente, a precisão do diagnóstico, uma vez que os clientes fornecem as informações de forma mais tardia (5). Os clientes também relataram maior satisfação quando a consulta é focada no relacionamento cliente-veterinário (6).
Como qualquer outra habilidade clínica complexa, quando aprendemos a utilizar habilidades com as quais estamos pouco familiarizados, precisaremos de mais tempo para dominá-las e para conseguir colocá-las em prática sem tanta ênfase. Pense em quanto tempo você levou para fazer a sua primeira castração em comparação com o tempo que isso leva para um médico-veterinário experiente.
Nos últimos 20 anos, houve grandes avanços na área de ensino e aprendizagem das habilidades de comunicação.
• Os programas de comunicação tornaram-se parte do ensino regular (convencional) em todos os níveis de formação em muitas escolas.
• A avaliação somativa da comunicação foi estabelecida como um elemento em muitos currículos de graduação em algumas escolas.
• Um número cada vez maior de cursos e workshops sobre comunicação está sendo realizado para médicos-veterinários e funcionários para o sucesso de uma clínica.
• É muito difícil negar ou contestar os conhecimentos científicos que apoiam a importância da comunicação para o êxito de uma clínica. A excelência no exercício da medicina veterinária está intimamente relacionada com a boa comunicação: não é possível ter uma sem a outra (7).
Miguel Ángel Díaz
Miguel received a degree in Veterinary Science in 1990. After working at several clinics he opened his own clinic in 1992 Leia mais
Iván López Vásquez
Iván comes from a family of veterinarians; his father and older brother share the same passion. He obtained his degree from the Universidad de Concepción Leia mais
Cindy Adams
Cindy Adams is Professor in the Department of Veterinary Clinical and Diagnostic Sciences at the University of Calgary, Veterinary Medicine, Leia mais
Antje Blättner
A Dra. Blättner estudou em Berlim e Munique e, depois de se formar em 1988, ela montou e administrou sua própria clínica de pequenos animais. Leia mais
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