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Veterinary Focus

Número da edição 29.1 Comunicação

A consulta de filhotes felinos em três etapas

Publicado 04/01/2021

Escrito por Cyril Berg

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Română , Español e English

As clínicas exclusivas para gatos são cada vez mais populares; por essa razão, os tutores de gatos geralmente esperam uma abordagem personalizada para o seu animal de estimação. Neste artigo, Cyril Berg descreve como ele dá as boas-vindas aos novos filhotes em sua clínica exclusiva para gatos.

A consulta de filhotes felinos em três etapas

Pontos-chaves

A criação de vínculo de novos tutores e seus filhotes à clínica deve ser planejada com cuidado para garantir que todos os pontos básicos relacionados com a posse do pet sejam abordados.


Oferecer um programa completo e abrangente de saúde preventiva é benéfico tanto para o filhote felino como para a clínica.


Introdução

A recepção satisfatória de um novo filhote na clínica veterinária é muito importante por três principais razões. É algo benéfico para a saúde futura do gato; ajuda a estabelecer uma boa compreensão no convívio do tutor com seu pet; e contribui para o crescimento da clínica. A equipe veterinária precisa estar preparada para receber cada novo filhote na clínica, seguindo procedimentos bem definidos; é essencial que cada membro da clínica conheça suas funções e saiba como transmitir a mensagem certa. 

 

As diferentes etapas

 

Quadro 1. Aspectos a serem abordados durante as três consultas pediátricas em uma clínica.

Consulta 1

Detalhes do histórico clínico

Idade e sexo

Exame físico

Nutrição básica

Primeira vacinação

Tratamento antiparasitário

Doenças infecciosas e medicina preventiva

Orientações sobre comportamento e identificação

Consulta 2

Exame físico

Check-up para controle do crescimento

Segunda vacinação

Tratamento antiparasitário

Recomendações sobre comportamento

Consulta 3

Exame físico

Terceira vacinação (se necessária)

Boas condições de higiene e saúde

Adestramento

Castração

Conselhos sobre comportamento e identificação

Testes virais e tipagem sanguínea


Nossa clínica é credenciada pelo programa Cat Friendly Practice (Clínica Cat-Friendly), cujo objetivo é tornar o “atendimento veterinário menos estressante para os gatos e seus tutores” (1). Quando o tutor de um novo filhote dá entrada em nossa clínica, recomendamos três consultas de meia hora quando o filhote tem entre 2 e 5 meses de vida, com intervalos de aproximadamente 1 mês entre cada consulta. Evitamos consultas mais longas, pois isso pode resultar no excesso de informações das quais os novos tutores provavelmente não se lembrarão. Cada consulta tem objetivos e conteúdos específicos (Quadro 1). Se não foi possível falar sobre algo previamente planejado — p. ex., caso algum problema clínico seja identificado durante o exame físico — o clínico registrará o que foi abordado e os pontos pendentes poderão ser considerados em uma consulta subsequente. 

Incentivamos todos os tutores a se inscreverem em nosso serviço completo de acompanhamento clínico, o qual nós chamamos de “plano de prevenção” — isso engloba três consultas pediátricas, vacinações, vermifugações, castração e “socialização” entre gatos. Essa socialização consiste em uma sessão em grupo projetada para os tutores com filhotes de 2 a 3,5 meses de vida, com a ideia de oferecer dicas úteis para entender e conhecer melhor os gatos.

Consulta 1: introduzindo a ideia de medicina preventiva

Depois de dar as boas-vindas ao novo filhote e seu tutor na clínica, damos início à primeira consulta através do preenchimento do prontuário médico e da obtenção do histórico clínico do paciente, incluindo informações como — O filhote tem acesso a ambientes externos? Qual a dieta oferecida? O gato tem plano de saúde? Conversamos sobre os princípios da medicina preventiva com o tutor, explicando que os gatos crescem muito rápido e que suas necessidades mudam à medida que amadurecem. Também explicamos que um gato pode esconder sinais de mal-estar ou doença. Portanto, é essencial que os tutores entendam as questões envolvidas em um acompanhamento clínico satisfatório do estado de saúde do animal, enfatizando a importância de cumprir o nosso programa recomendado de consultas à clínica. Em seguida, apresentamos ao tutor o nosso conceito de “cadeia de saúde”, um conceito que abrange desde o filhote até o gato idoso: isso envolve três consultas pediátricas, castração, check-up com 1 ano de idade e subsequentes exames semestrais.

Verificamos a idade e o sexo do gato — não é raro que um gato adquirido inicialmente como “macho” seja, na verdade, fêmea ou vice-versa — e realizamos um exame físico completo. Supondo que tudo esteja bem, aplicamos a primeira vacina e o filhote é submetido a tratamento antiparasitário contra endo e ectoparasitas. Temos a oportunidade de mostrar ao tutor como administrar medicamentos por via oral e como depositar uma pipeta (com produto antipulgas) na pele (Figura 1)

 
Figura 1. Possivelmente, os tutores apreciarão se forem ensinados a executar determinadas tarefas, como a aplicação de produtos antipulgas. © Cyril Berg

Na França, é obrigatório que os gatos sejam identificados e não nos esquecemos de deixar o tutor ciente disso. É fortemente recomendável o implante de microchip para ajudar a identificar o gato caso ele(a) fuja de casa. Normalmente, sugerimos ao tutor que o microchip seja aplicado sob anestesia durante o procedimento de castração, para minimizar as chances de associações negativas do filhote com a clínica. 

Fornecemos algumas informações básicas sobre nutrição e aconselhamos os tutores a apresentarem aos filhotes diferentes texturas e odores. Os tutores, em geral, estão bem cientes da importância do alimento em relação à saúde de seu gato e costumam ouvir nossos conselhos. Em nossa clínica, no entanto, preferimos dar mais detalhes a respeito da dieta no check-up após a castração. 

Por fim, durante a primeira consulta, explicamos ao tutor como implementar atividades lúdicas (i. e., brincadeiras) para um filhote. A principal ideia é desencorajar o filhote a brincar com as mãos ou os pés do tutor. O objetivo é que um filhote respeite seus tutores e não os veja como uma possível presa. É importante que o filhote se acostume com o toque; por essa razão, também pedimos ao tutor que manuseie seu gato com cuidado todos os dias. É recomendável tocar na boca e nos dentes do gato (Figura 2), segurar as patas, estender as garras e acariciar a região lombar. 

 

Figura 2. É melhor ensinar o gato a abrir a boca e escovar os dentes desde pequeno. © Cyril Berg

Consulta 2: abordando os aspectos territoriais e comportamentais

Iniciamos a segunda consulta, revendo com o tutor como foi o mês anterior com o filhote. Averiguamos se os tópicos abordados durante a primeira consulta foram aprendidos, particularmente como abordar o filhote, como reagir em caso de agressividade e como brincar com ele(a). Repetimos o exame físico e verificamos se a taxa de crescimento está satisfatória, utilizando o escore de condição corporal e o peso. Também observamos o progresso do comportamento do filhote. Isso nos permite fazer as recomendações ou mudanças necessárias. Aplicamos a segunda vacina, juntamente com produtos antiparasitários adequados, e informamos o tutor sobre possíveis reações adversas. 
 

Cyril Berg

Recomendamos três consultas de meia hora quando o filhote tiver entre 2 e 5 meses de vida; evitamos consultas mais longas, pois isso pode resultar no excesso de informações das quais o tutor provavelmente não se lembrará.

Cyril Berg

Explicamos ao tutor que os gatos são animais territoriais e fornecemos orientações relevantes a respeito disso (dependendo do estilo de vida do gato, ou seja, se ele(a) tem acesso a ambientes externos ou não), enfatizando os benefícios do enriquecimento ambiental, abordando questões referentes à ingestão alimentar e ensinando o gato a como usar um poste de arranhar, etc.

Consulta 3: preparando o cenário para o futuro

Na última consulta do filhote, realizamos um exame físico mais detalhado, além de monitorar o seu crescimento e comportamento (Figura 3). Se necessário, administramos a última vacina, dependendo do protocolo de vacinação utilizado (2). Também abordamos os princípios de uma boa higiene; isso abrange certos aspectos, como cuidados com a pele e os pelos (escovação e banho); escovação dos dentes; limpeza das orelhas e dos olhos; e corte das garras (Figuras 4 e 5).
 

Figura 3. Um exame clínico completo é realizado na terceira consulta, juntamente com uma avaliação do crescimento e comportamento do filhote felino. © Cyril Berg
Figura 4. Enquanto se ensina o tutor a escovar os pelos do gato, pode-se verificar a presença de sujidades de pulgas. © Cyril Berg
Figura 5. É aconselhável que os filhotes se familiarizem com o corte das garras, pois provavelmente isso fará parte da rotina dos cuidados de higiene. © Cyril Berg

Fornecemos algumas dicas sobre adestramento, utilizando alimentos ou petiscos para ensinar ao gato alguns comandos simples e algumas brincadeiras. Também ensinamos como um clicker pode ser usado como um recurso de adestramento. 

Encerramos a consulta abordando os aspectos da castração, desde suas vantagens até seus inconvenientes. O tutor deve receber todas as informações sobre a castração para tomar suas decisões. Será necessário descrever a intervenção cirúrgica e o procedimento anestésico, além das medidas para o controle da dor. Além disso, sugerimos a aplicação de microchip no gato enquanto ele(a) estiver sob anestesia e recomendamos a realização de testes para averiguar o status de FeLV e FIV. A tipagem sanguínea é útil para uma possível consulta no futuro. 

 

Referências

  1. https://www.catvets.com/cfp/cfp Accessed 10th October 2018.

  2. Day MJ, Horzinek MC, Schultz RD, et al. Guidelines for the vaccinations of dogs and cats. J Small Anim Pract 2016;57;1. Available at; https://doi.org/10.1111/jsap.2_12431 Accessed 10th October 2018

Cyril Berg

Cyril Berg

Dr. Berg graduated from Nantes Veterinary School in 1998 and worked in general first opinion practice for 13 years, as well as contributing to Leia mais

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