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Veterinary Focus

Número da edição 32.3 Outros conteúdos científicos

Piotórax felino

Publicado 07/07/2023

Escrito por Chiara Valtolina

Disponível em Français , Deutsch , Italiano , Español e English

O piotórax felino é uma condição potencialmente fatal; por essa razão, é necessário detectá-lo rapidamente para estabelecer o tratamento adequado e garantir a correta evolução (ou seja, um bom desfecho) do paciente, conforme descrito por Chiara Valtolina neste artigo.

Radiografia torácica lateral de gato com efusão pleural bilateral

Pontos-chave

O piotórax caracteriza-se pelo acúmulo de exsudato séptico no espaço pleural e, se não for identificado e tratado precocemente, pode ser fatal.


Os gatos afetados podem apresentar uma variedade de sinais clínicos; podem variar desde taquipneia, anorexia, letargia e febre até desconforto respiratório (dispneia grave) e colapso cardiovascular.


A estabilização clínica de emergência do paciente é essencial, incluindo oxigenoterapia, toracocentese, fluidoterapia e administração de antibióticos de amplo espectro.


Na maioria dos casos, o tratamento baseia-se na colocação de tubos (i. e., drenos) de pequeno calibre para lavagem e drenagem torácica, juntamente com antibioticoterapia de amplo espectro.


Introdução

O piotórax felino é caracterizado pelo acúmulo de líquido séptico purulento no espaço pleural. Como os sinais clínicos iniciais costumam ser inespecíficos, o diagnóstico e/ou a apresentação na clínica veterinária são geralmente tardios; no entanto, se o desconforto respiratório (sinais de dispneia) e o comprometimento cardiovascular se tornarem evidentes ou manifestos, muitas vezes se trata de um quadro de emergência. A identificação imediata e o tratamento adequado dessa doença potencialmente fatal são essenciais para a boa evolução do paciente 1,2,3,4,5. Este artigo revisa a literatura especializada disponível sobre piotórax e descreve os possíveis tratamentos recomendados para gatos acometidos por essa afecção.

Etiologia

O espaço pleural é revestido pelas pleuras (parietal e visceral), contendo uma quantidade mínima de líquido que evita a fricção (i. e., atrito) durante o ciclo respiratório normal. No piotórax, as bactérias podem entrar no espaço pleural por diferentes vias (através de lesões ou danos em qualquer parte do trato respiratório, por contaminação orofaríngea, ou pelo esôfago), levando ao desenvolvimento de um processo séptico inflamatório. A presença de bactérias provoca a liberação de citocinas inflamatórias e mediadores vasoativos que alteram a permeabilidade capilar local e o fluxo linfático; isso causa espessamento da pleura, facilitando o desenvolvimento e o acúmulo de exsudato na cavidade pleural. Além disso, ocorrem sinais sistêmicos de inflamação generalizada, sepse, febre e mal-estar geral 1,6.

Em função do tempo decorrido desde o início do problema até o momento do diagnóstico, a causa subjacente não é determinada em muitos casos e, de fato, a causa principal de piotórax é atualmente desconhecida. Embora vários fatores possam estar envolvidos na etiologia, sugere-se que feridas torácicas penetrantes, secundárias a arranhaduras ou mordidas de gato 1,4,5,6,7,8, e disseminação parapneumônica de bactérias orofaríngeas em gatos com infecção crônica das vias aéreas superiores (anteriores) sejam as duas causas mais prováveis 2,4,6. Até pouco tempo, a teoria mais aceita indicava que a fonte ou etiologia mais provável de piotórax eram feridas causadas por arranhaduras/mordidas de gato e se baseava em um estudo retrospectivo no qual a presença de feridas externas por arranhões ou mordidas representava 14-40% dos casos 7. Além disso, os gatos que vivem em domicílios com outros gatos apresentavam 3,8 vezes mais chances de desenvolver a doença, o que apoiava a ideia de que o piotórax era secundário a feridas provocadas durante brigas com outros gatos (ou seja, agressões entre os gatos) 7. Ademais, acreditava-se que poderia haver uma influência ou predisposição sazonal, pois os gatos são mais afetados no final do verão/outono, quando as brigas por território e acasalamento são mais frequentes, embora no referido estudo se tenha indicado que o acesso ao ar livre e o cruzamento não eram fatores de risco para o desenvolvimento de piotórax 7. Em outro estudo retrospectivo, foi sugerido que a disseminação parapneumônica de bactérias da orofaringe seja a via mais comum de infecção do piotórax felino 8. Essa teoria é respaldada por achados de necropsia de gatos que vieram a óbito por piotórax, em que se observou a formação de inúmeros abscessos pulmonares, sugestivos de disseminação parapneumônica. Os gatos que convivem com outros gatos provavelmente também têm maior predisposição ao desenvolvimento de infecções crônicas do trato respiratório superior (anterior) e correm maior risco de piotórax 4,6.

Microrganismos da flora orofaríngea felina são frequentemente isolados de casos de piotórax, e as bactérias identificadas com mais frequência são Pasteurella multocida, Clostridium spp., Fusobacterium spp., Bacteroides spp., Actinomyces spp., Peptostreptococcus spp., e Prevotella spp 2,6,9. Também é comum o isolamento de espécies de Nocardia e Actinomyces e, de fato, infecções polimicrobianas são muitas vezes observadas em culturas, tanto com bactérias anaeróbias obrigatórias como com aeróbias facultativas 4,6,9.

Identificação e apresentação clínica

Embora o piotórax possa acometer gatos de qualquer idade, é mais comum em animais jovens e de meia-idade, com uma idade média no momento do diagnóstico de 3 a 6 anos 2,3,4,6,7. Os gatos mais jovens parecem ser mais afetados devido ao seu comportamento, com maior tendência a brigar com outros gatos e explorar o ambiente ao ar livre, quando comparados aos mais idosos. Ainda que em alguns estudos tenha sido observada uma super-representação em machos, não foi determinado que haja uma predisposição sexual significativa do ponto de vista estatístico 7,8. Tampouco parece haver predisposição racial 6,7.

A duração dos sinais clínicos antes do diagnóstico pode ser de dias a semanas 4,6. Os sinais clínicos inespecíficos incluem pirexia, letargia, anorexia e perda de peso 5,7. Em um estudo, constatou-se que apenas metade dos gatos com piotórax apresentava pirexia; por isso, a ausência de febre, particularmente nesta espécie, não permite descartar o piotórax 3,5,8 – e, de fato, os gatos que também apresentam comprometimento cardiovascular (ver mais adiante) costumam ser hipotérmicos 7. O sinal clínico mais comum é a dispneia como consequência da efusão pleural (geralmente bilateral); os gatos afetados costumam ter uma respiração rápida e superficial, indicativa de um padrão respiratório restritivo. Outros sinais frequentes são taquipneia e ausculta cardíaca de bulhas abafadas. A tosse geralmente não é indicativa de efusão pleural no gato 4,5,6,7. Em um estudo retrospectivo, observou-se que a hipersalivação não era incomum, pois pode ser atribuída à dificuldade de deglutição decorrente de efusão pleural de grande volume 7.

O comprometimento cardiovascular pode se manifestar na forma de choque distributivo em virtude da liberação de citocinas inflamatórias e toxinas bacterianas do piotórax. Os gatos que sofrem de choque distributivo secundário à sepse apresentam mucosas pálidas, hipotermia, taqui ou bradicardia, e hipotensão arterial. Em um estudo, verificou-se que os gatos que vieram a óbito por piotórax tinham frequências cardíacas significativamente mais baixas do que aqueles que sobreviveram e, em muitos casos, isso foi acompanhado de hipotermia 7.

Diagnóstico

O diagnóstico presuntivo de piotórax baseia-se na apresentação clínica (letargia, depressão, febre, anorexia, dispneia restritiva e efusão pleural) e no histórico clínico (Quadro 1). O diagnóstico definitivo é formulado com base nos resultados da avaliação macroscópica do líquido da efusão pleural, bem como na avaliação citológica e cultura desse líquido 4,6. Na avaliação macroscópica, o líquido é frequentemente descrito como opaco, turvo, serossanguinolento ou sero-hemorrágico e fétido, muitas vezes com flocos brancos/amarelados (Figura 1). A confirmação final é obtida na avaliação citológica do líquido, a qual revela a presença de células inflamatórias polimórficas, predominantemente neutrófilos degenerados com bactérias intracelulares (Figura 2). Múltiplas espécies bacterianas são frequentemente identificadas na citologia, mas se o paciente tiver recebido tratamento prévio com antibióticos antes do diagnóstico, é possível que as bactérias intracelulares não sejam detectadas; por esse motivo, sempre se deve realizar o teste de cultura 4,6,7,9.

Quadro 1. Elementos indicativos do diagnóstico de piotórax felino.

  • Mais comum em gatos mais jovens e de meia-idade (média de 3-6 anos no momento do diagnóstico)
  • Sem predisposição sexual ou racial
  • Os sinais clínicos podem aparecer dias ou semanas antes da apresentação no consultório
  • Os sinais clínicos mais comuns são dispneia (respiração rápida e superficial)/taquipneia e bulhas cardíacas abafadas. A tosse é rara 
  • O choque distributivo (secundário à sepse) pode causar mucosas pálidas, hipotermia, taqui ou bradicardia, e hipotensão arterial
  • Os sinais clínicos inespecíficos podem incluir pirexia, letargia, hipersalivação, anorexia e perda de peso
Exsudato pleural séptico

Figura 1. O exsudato pleural séptico tem um aspecto turvo e floculado ao exame macroscópico.
Chiara Valtolina

Imagem microscópica de esfregaço direto de exsudato pleural séptico

Figura 2. Imagem microscópica (aumento de 100x) de esfregaço direto de exsudato pleural séptico; observe a presença de inúmeros neutrófilos degenerados e macrófagos com bactérias intracelulares.
© Chiara Valtolina

Hematologia e bioquímica

As alterações hematológicas e bioquímicas no caso de piotórax felino são geralmente inespecíficas e refletem a presença do processo séptico inflamatório subjacente e o comprometimento clínico geral do paciente. A anormalidade hematológica mais comum é a leucocitose neutrofílica, com ou sem desvio à esquerda, observada em 36-73% dos gatos 5,6,7. Uma leve anemia normocrômica também é comum. As alterações bioquímicas mais frequentes são hipoalbuminemia, hiperglobulinemia, hipo ou hiperglicemia, desequilíbrios eletrolíticos séricos e leve elevação das enzimas hepáticas séricas 5,7.

Técnicas de diagnóstico por imagem

As radiografias torácicas são frequentemente realizadas para avaliar o grau de efusão pleural, determinar se o acometimento é uni ou bilateral e demonstrar qualquer possível causa subjacente, como a presença de massas pulmonares ou mediastínicas e pneumonia 4,6. As radiografias também são úteis não só para verificar o posicionamento correto do tubo de toracostomia, mas também para monitorar a eficácia do tratamento escolhido. A ultrassonografia permite estimar o grau de efusão, determinar a ecogenicidade do líquido (frequentemente hiperecogênico no caso de piotórax) e facilitar a drenagem torácica 4,6,10. Além disso, a ultrassonografia pode detectar abscessos pulmonares, massas intratorácicas e corpos estranhos 11.

As técnicas avançadas de diagnóstico por imagem, como tomografia computadorizada (TC), geralmente não fazem parte da investigação inicial de todos os pacientes; além dos custos em termos econômicos, deve-se levar em consideração a necessidade de anestesia geral, o que implica a estabilização cardiovascular do paciente. No entanto, a TC costuma ser indicada quando não se observa melhora com o tratamento clínico isolado ou quando há suspeita de doença pulmonar na radiografia torácica e na ultrassonografia 1,4,6,12.

Tratamento do piotórax

O manejo do gato com suspeita de piotórax deve ser o mesmo de qualquer paciente de emergência, com avaliação focada nos principais sistemas corporais (respiratório, cardiovascular e neurológico) para determinar com rapidez o grau de comprometimento respiratório e/ou cardiovascular e estabelecer as medidas necessárias de estabilização o mais rápido possível.

O paciente com desconforto respiratório deve receber oxigenoterapia utilizando o método que esteja prontamente disponível e cause o mínimo de estresse (por exemplo, fluxo livre, gaiola de oxigênio); além de serem benéficos para esses pacientes, alguns minutos “sem manipulação” permitem ao médico-veterinário avaliar o padrão respiratório e ajudam o gato a se acalmar. Em pacientes dispneicos com grave desconforto, pode ser útil  a administração de um leve sedativo com efeitos cardiodepressores mínimos (por exemplo, butorfanol a 0,2 mg/kg IM); isso facilita o relaxamento e a eliminação da ansiedade associada à dispneia. Em qualquer paciente com angústia respiratória, antes de realizar uma toracocentese ou de inserir um cateter periférico ou de efetuar qualquer outro procedimento estressante, é recomendável a administração de um sedativo.

O exame físico geralmente revela sinais relacionados com a dispneia restritiva; na auscultação torácica, a diminuição ou ausência de ruídos pulmonares ventrais (uni ou bilaterais) pode ser suficiente para diagnosticar a presença de efusão pleural. As radiografias torácicas não devem ser realizadas em gatos com dispneia, pois a contenção necessária pode ser fatal para o paciente com quadro respiratório altamente comprometido. A ultrassonografia no local do atendimento permite realizar uma avaliação rápida sem causar muito estresse ao paciente; por isso, esse tipo de exame ganhou popularidade na sala de emergência e na unidade de terapia intensiva por ser um método de diagnóstico rápido e mais seguro para a detecção de efusão pleural e doenças pulmonares 10,11.

Chiara Valtolina

O manejo do gato com suspeita de piotórax deve ser o mesmo de qualquer paciente de emergência, focando a avaliação nos principais sistemas corporais para determinar com rapidez o grau de comprometimento respiratório e/ou cardiovascular e estabelecer medidas de estabilização o mais rápido possível.

Chiara Valtolina

Se o nível de estresse do gato permitir, deve-se obter um acesso intravenoso para o fornecimento de fluidoterapia, a estabilização cardiovascular do paciente e a administração de medicamentos. No entanto, se o paciente apresentar uma dispneia tão grave a ponto de não permitir a colocação de acesso intravenoso, será recomendável a realização de toracocentese em primeiro lugar.

A toracocentese é uma técnica utilizada para fins diagnósticos e terapêuticos. Dependendo da localização da efusão pleural, a toracocentese será uni ou bilateral. A presença de fibrina e exsudato purulento pode dificultar a remoção completa do líquido; por isso, é aconselhável o uso de agulha ou cateter tipo borboleta de calibre adequado. O líquido obtido sempre deve ser encaminhado ao laboratório para avaliação citológica e cultura.

Embora o tratamento do piotórax felino possa ser clínico ou cirúrgico, na literatura especializada disponível não há um consenso sobre qual o tratamento ideal 4,6. Não há estudos prospectivos suficientes em que se avaliam e comparam a eficácia de ambas as opções; além disso, a literatura especializada disponível geralmente relata e compara um número limitado de casos, dificultando ainda mais a obtenção de qualquer conclusão significativa. Apesar disso, o consenso geral é de que a terapia clínica deve ser considerada, pelo menos inicialmente, a base do tratamento 1,4,5,6,7. Em um estudo retrospectivo recente, 85% dos gatos com piotórax (47 pacientes) receberam tratamento médico, e apenas 5 não responderam, necessitando de cirurgia 5.

Entretanto, a toracocentese isolada, mesmo que repetida várias vezes, não é adequada como o único tratamento para o piotórax 1,4,5,6. Uma vez que o paciente esteja hemodinamicamente estável e os distúrbios eletrolíticos tenham sido corrigidos, devem ser colocados um ou mais tubos de drenagem (i. e., drenos torácicos); muitas vezes, são necessários drenos bilaterais. Esse procedimento deve ser realizado sob sedação, permitindo a drenagem e a lavagem do tórax, bem como a administração de tratamento antimicrobiano. A administração intravenosa de antimicrobianos deve ser iniciada imediatamente enquanto se aguardam os resultados da cultura e do antibiograma do líquido; normalmente, seleciona-se um antibiótico de amplo espectro. Nesse caso, a combinação de amoxicilina e ácido clavulânico constitui o fármaco de escolha, pois também apresenta certa eficácia contra Actinomyces spp. e anaeróbios. Dependendo da legislação do país, as fluoroquinolonas também são frequentemente recomendadas para melhorar a cobertura contra gram-negativos 4,6,13. O tratamento com antibióticos deve ser ajustado com base nos resultados da cultura e mantido por pelo menos 3-4 semanas após a resolução dos sinais clínicos.

Para drenar e lavar o espaço pleural, devem ser colocados um ou mais tubos de toracostomia permanentes. No passado, os tubos recomendados no caso de efusão exsudativo e fibrinoso, como aquele observado em casos de piotórax, eram os de grande calibre (14-16 French) 14, mas sua colocação requer anestesia geral e causa dor e desconforto ao paciente. Mais recentemente, tanto na medicina humana como na veterinária, o método de escolha para a colocação de tubos de drenagem é a técnica de Seldinger modificada com drenos de pequeno calibre (10-14 French). Esses tubos podem ser facilmente colocados com sedação leve, são bem tolerados pelo paciente, e a taxa de complicações é mínima 15,16 – A complicação descrita com maior frequência é a torção ou o posicionamento inadequado do tubo. Um vídeo descrevendo o procedimento* pode ser consultado na Internet.

* https://www.milainternational.com/index.php/videos_articles/

Chiara Valtolina

Sugere-se que as duas causas mais prováveis de piotórax sejam as feridas torácicas penetrantes secundárias a arranhaduras ou mordidas de gatos e a disseminação parapneumônica de bactérias orofaríngeas em gatos com infecção crônica do trato respiratório superior (anterior).

Chiara Valtolina

É importante medir previamente a distância que o dreno torácico deve permanecer na cavidade torácica, desde o local de inserção (geralmente em torno do 8º-9º espaço intercostal) até a região cranioventral da cavidade torácica (2ª-3ª costela); além disso, certifique-se de que todos os orifícios laterais do dreno torácico estejam dentro da cavidade torácica. O paciente deve ser mantido em decúbito esternal durante a colocação do tubo para permitir uma respiração mais confortável, sobretudo se estiver levemente sedado. A pele da área-alvo deve ser tricotomizada, e a assepsia mantida durante o procedimento.

A drenagem pode ser uni ou bilateral, dependendo da localização da efusão pleural (Figura 3). O tórax deve ser drenado assim que o tubo for inserido, pois não é raro que a colocação desse dreno cause um leve pneumotórax iatrogênico. Após a drenagem do tórax, o tubo é fixado à pele; se o animal estiver estabilizado, deve-se fazer uma radiografia torácica para verificar a posição correta do tubo. A radiografia pode revelar que o dreno não está na posição pretendida dentro do espaço pleural, mas se estiver funcionando corretamente e nenhum outro problema for observado, ele não deverá ser substituído nem reposicionado (Figura 4). Durante a drenagem, pode ser útil reposicionar o animal para otimizar a aspiração do líquido da efusão, sendo necessária a administração de analgesia adequada. Em casos críticos, é preferível utilizar um opioide (metadona a 0,2 mg/kg IV ou IM a cada 4 horas ou buprenorfina 20 µg/kg IV a cada 6 horas), possivelmente com cetamina a 30-50 µg/kg/min em velocidade de infusão contínua, em vez de um analgésico anti-inflamatório não esteroide. No entanto, esta última opção poderia ser considerada no paciente normovolêmico, bem hidratado e estável.

Thoracic drainage and lavage in a cat with pyothorax
a
Lavage is then performed using a warmed isotonic crystalloid
b

Figura 3. Drenagem e lavagem torácica em gato com piotórax. (a) Uma vez conectadas a seringa e a válvula de 3 vias ao tubo de drenagem (dreno), o líquido da efusão pleural é aspirado. (b) A lavagem é então realizada com uma solução cristaloide isotônica aquecida; a lavagem deve ser repetida até que a aparência do líquido drenado esteja clara. 

© Chiara Valtolina

 

Vários autores destacam a importância da lavagem torácica para facilitar a remoção do exsudato purulento e fibrinoso, bem como de bactérias e mediadores inflamatórios 1,46. Em um pequeno estudo retrospectivo em cães, a lavagem pleural se mostrou mais útil do que apenas a drenagem 17. Para realizar a lavagem, deve-se utilizar apenas uma solução cristaloide isotônica estéril e aquecida, administrada inicialmente na dose de 5 mL/kg para garantir uma boa tolerância do paciente, e verificar se o líquido pode ser extraído posteriormente sem nenhum problema. Se o procedimento for bem tolerado e a maior parte do volume do líquido da lavagem for removida, então o volume poderá ser aumentado (10-15 mL/kg), repetindo-se a lavagem até que o líquido drenado esteja claro. A lavagem deve ser feita com a maior frequência possível, especialmente quando o gato é hospitalizado pela primeira vez, e pelo menos 4-6 vezes ao dia. Antes de realizar a lavagem, é importante drenar o tórax primeiro para monitorar a produção de líquido; por isso, é essencial registrar a cada lavagem o volume de líquido infundido e recuperado, bem como o lado correspondente do tórax. Não é recomendável adicionar heparina ou antibióticos à solução de lavagem.

A drenagem torácica deve ser mantida até que a produção de líquido diminua em 2-3 mL/kg/dia e o paciente apresente sinais de melhora clínica. A própria drenagem torácica e a pleurisia geram alguma produção de líquido. Antes de retirar o dreno, é muito importante repetir a avaliação citológica do líquido para verificar se ainda existem neutrófilos degenerados e bactérias intracelulares. Na instituição onde a autora trabalha, os critérios utilizados para a retirada do dreno torácico são resultado negativo na citologia, juntamente com produção de líquido < 2 mL/kg/dia. O acompanhamento do paciente costuma ser feito durante as 24 horas seguintes à remoção do(s) dreno(s) e, antes da alta hospitalar, são repetidas as radiografias torácicas para permitir a comparação na reavaliação, a qual deve ser programada nas próximas 2-3 semanas.

Radiografia torácica lateral de gato com efusão pleural bilateral

Figura 4. Radiografia torácica lateral de gato com efusão pleural bilateral. Um tubo de drenagem de pequeno calibre foi colocado no lado direito, em torno do 8º espaço intercostal, de forma que a ponta desse dreno ficou posicionada na parte cranioventral do tórax.
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A cirurgia deve ser considerada quando a resposta ao tratamento clínico, após 2-7 dias, não for adequada, ou seja, nos casos em que não há melhora clínica suficiente, na persistência da febre, na produção contínua de líquido pleural ou na aparência turva ou floculada do líquido e/ou na detecção de alguma causa subjacente na técnica de diagnóstico por imagem (por exemplo, abscesso, possível corpo estranho, efusão loculado [compartimentalizado], pleura espessada) 4,5,6,15. A cirurgia consiste em uma toracotomia exploratória, seja por esternotomia (se a efusão ou as lesões forem bilaterais) ou toracotomia lateral no lado acometido 15.

Em geral, o prognóstico do piotórax costuma ser muito bom. Em um estudo retrospectivo recente 5, observaram-se altas taxas de sobrevida a curto prazo (14 dias) e longo prazo (1 ano), com 72% e 68% dos gatos vivos, respectivamente. Além disso, a recorrência foi baixa, ocorrendo em apenas 2% dos casos.

Conclusão

Se o piotórax for tratado de forma adequada, o prognóstico será bom; entretanto, é importante falar com os tutores desde o início sobre os prováveis custos da hospitalização (5 a 6 dias em média) e do tratamento, bem como a possibilidade de recorrência. O piotórax deve ser abordado como um problema com risco de vida e, por isso, o médico-veterinário deve estar atento à necessidade de uma eventual intervenção imediata e rigorosa para garantir o melhor prognóstico possível ao paciente.

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Chiara Valtolina

Chiara Valtolina

A Dra. Valtolina se formou na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Milão no ano de 2000 e, depois de trabalhar por vários anos no Departamento de Cirurgia da referida faculdade, fez residência em Emergência e Cuidados Intensivos na Faculdade de Medicina Veterinária de Londres. Leia mais

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